Por Marcos Ricarte
Passados mais de seis meses do início da pandemia do covid-19, a educação passou por um processo radical de adaptação em todos os níveis, da educação básica à educação superior. Nesse meio tempo, passamos a conhecer melhor algumas ferramentas e metodologias de ensino remoto que nos permitiram dar continuidade ao ano letivo.
É bem verdade que, em se tratando de uma situação de emergência, o foco maior era o de contornar a impossibilidade da realização das aulas presenciais no ensino formal. Porém, com o passar do tempo, percebeu-se que o problema atingia também outras áreas da educação, principalmente a educação continuada.
Conceitualmente falando, a educação continuada pode ser definida como sendo um programa contínuo de formação e desenvolvimento de pessoas, principalmente aqueles que estão no ambiente de trabalho. Este tipo de educação objetiva um constante desenvolvimento não só intelectual, mas principalmente de habilidades e atitudes que são exigidas no mercado de trabalho.
Nesse sentido, podemos afirmar com certeza que a educação continuada é aquela que mais se aproxima do mercado, que aborda os conceitos e técnicas mais recentes e que, por característica própria, é a mais aberta e flexível de todas.
Por ser exatamente mais aberta e flexível é que a educação continuada vem crescendo a passos largos no Brasil. Apesar de não dispomos de dados precisos, pois estes tipos de cursos não são regulamentados pelo Ministério da Educação, estima-se que os cursos de educação continuada cresçam a taxas bem mais elevadas que a educação formal.
A tendência para os próximos anos também é animadora, principalmente após o novo coronavírus. Essa afirmação pode soar estranha, mas há uma explicação para isso. Com a pandemia, o ensino formal viu o número de alunos cair bruscamente, principalmente na camada mais pobre da população, que é a mais vulnerável e que mais sofreu com a redução da atividade econômica no país.
Segundo a pesquisa “Juventude e Pandemia do Coronavírus“, realizada em conjunto por Unesco, Conselho Nacional da Juventude (Conjur), Aliança em Movimento e Fundação Roberto Marinho, quatro em cada dez participantes indicam ter diminuído ou perdido sua renda. Cinco em cada dez mencionam que suas famílias tiveram redução nos rendimentos. Como consequência, três a cada dez jovens confessaram que já pensaram em não retornar aos estudos após o fim do isolamento. Dos que pensaram em desistir, 24% estão em idade escolar obrigatória.
A situação não é muito diferente no ensino superior. De acordo com o Semesp, no primeiro semestre de 2020, a taxa de evasão no ensino superior privado foi de 10,1% — valor 14,7% maior do que o observado no mesmo período no ano passado, quando o percentual era de 8,8%. Em números absolutos, 608 mil alunos desistiram ou trancaram matrícula no primeiro semestre de 2020, 83 mil a mais que no mesmo período de 2019.
Com a retomada gradual da economia, é evidente que muitos alunos retornarão ao mercado de trabalho e será natural que aconteça também um retorno aos estudos formais. No entanto, algumas dúvidas ainda persistem e parece que estamos longe de respondê-las.
A primeira é o tempo em que esse retorno acontecerá e a segunda é como se dará esse retorno. Particularmente, acredito que o retorno dos alunos à sala de aula se dará em um ritmo bem mais lento que se imagina. Na educação as coisas não acontecem tão rapidamente em comparação aos outros setores da economia e talvez possamos retomar o mesmo nível de matrículas antes da pandemia com dois ou três anos.
Até lá, as pessoas vão procurar outras alternativas para complementar seus estudos. O mercado de trabalho está mais exigente por conta da maior oferta de mão-de-obra. No entanto, há uma necessidade urgente de recolocação de profissionais por conta do aumento gradual da economia. Nesse cenário, o ensino formal, principalmente o de nível superior, não consegue atender a necessidade atual, pois os cursos em geral demoram no mínimo 2 anos e a grande maioria das pessoas não dispõe desse tempo todo.
Então como essas pessoas continuarão a estudar e se capacitar para o exigente mercado de trabalho? Aí que entra a educação continuada. Fazer cursos de curta duração, que desenvolvam nessas pessoas habilidades específicas e que podem ser aplicadas imediatamente na carreira profissional fará toda diferença no processo de retomada.
As empresas e seus recrutadores vão buscar profissionais que “saibam resolver problemas”, uma vez que não terão tempo para esperar uma formação mais longa e nisso, a educação continuada leva vantagem. Portanto acredito que antes de pensarem em reingressar em um curso de graduação, as pessoas demandarão antes por cursos livres.
Se a educação continuada terá uma forte demanda no curto e médio prazo, o mesmo podemos afirmar com relação aos cursos online ou EAD. Na verdade, este tipo de curso já vinha crescendo nos últimos anos. Segundo os dados do último Censo ABED (Associação Brasileira de Educação a Distância), em 2018 foram catalogados 7.337 cursos livres a distância, que juntos foram responsáveis por 4,9 milhões de matrículas (52% dos alunos matriculados no ensino a distância no Brasil). Só para efeito de comparação, em 2014, eram aproximadamente 476 mil alunos.
A tendência de crescimento de cursos online de educação continuada para os próximos anos é reforçada ainda por quatro fatores. Primeiro é que as empresas vão privilegiar daqui por diante as capacitações online em detrimento ao presencial, pois elas perceberam que é possível desenvolver várias habilidades com o ensino a distância.
Segundo é que a modalidade EAD pode ter um custo mais baixo em relação ao presencial. Terceiro, com a pandemia, as pessoas se acostumaram mais com o modelo online e daqui por diante estarão mais receptíveis a esta modalidade. Por fim, ainda temos o fato de que muitas pessoas ainda permanecerão em estado de isolamento, em função do alto risco, impedindo, portanto, que elas frequentem o ambiente de trabalho ou de treinamento.
Considerando o exposto, a união da modalidade EAD, mais flexível, com maior alcance e de menor custo, com a educação continuada, com capacidade de gerar impactos mais imediatos, será perfeita. Quem sairá ganhando com esse casamento?
De um lado as instituições e empresas que conseguirem captar melhor as necessidades imediatas do público e ofertarem soluções que respondam melhor ao que se deseja nesse momento. Por outro lado os milhares de profissionais e pessoas que estão querendo se inserir ou retornar ao mercado de trabalho e que precisam se qualificar rapidamente.
Sobre o autor
Marcos Ricarte é mestre em Administração e especialista em Educação a Distância. Professor universitário e gestor educacional, com experiência em processos de implantação e gestão de projetos EAD em instituições de ensino superior. Avaliador Institucional do Ministério da Educação – MEC. Atualmente é coordenador de Educação Continuada na UNIFOR.