Derrubando os mitos em torno da EaD

*Por Fredric Litto

O que não faltam são opiniões sobre a EaD, ainda mais com o crescimento que a modalidade tem alcançado nos últimos anos.

Neste texto da Associação Brasileira de Educação a Distância – ABED, Professor Emérito de Comunicações da Universidade de São Paulo-USP, e Membro, Academia Brasileira de Educação-ABE, comenta sobre algumas destas crenças.

Quais os principais mitos da EaD?

1. EAD fora do Brasil tem um passado nobre

primeiro programa de EAD no Ensino Superior se iniciou na Universidade de Londres ,em 1858, usando correspondência pelos correios para atender estudantes em todo o império britânico da época (Austrália, África do Sul, Índia, Canadá e o Reino Unido). Chamada de “Sistema Externo”, em oposição ao sistema presencial, que começou em 1863, contribuiu à “universidade do povo”, para alternativa às centenárias instituições aristocráticas de Oxford e Cambridge.

Entre seus alunos mais celebrados estavam Mahatma Gandhi, Nelson Mandela e quatro ganhadores do Prêmio Nobel que obtiveram seus primeiros diplomas no Sistema Externo. Instituições norte-americanas, como a célebre Universidade de Chicago, começaram EAD logo depois, focalizando estudantes que moravam no vasto território interior do país.

A primeira universidade “aberta”, a Open University do Reino Unido (UKOU), começou em 1969, representando a massificação de acesso ao conhecimento avançado com qualidade, porque dispensava o exame vestibular e exigia apenas dos seus candidatos a ingressar idade acima de 18 anos.

Há mais de 70 universidades abertas; a última a ser criada num país com população acima de 100 milhões de pessoas foi a Universidade Aberta do Brasil (UAB), criada em 2006. A Indira Gandhi Distance University, da Índia, totalmente virtual, atende atualmente 3.4 milhões de alunos. E a EAD hoje faz parte da oferta acadêmica de muitas das mais prestigiadas instituições acadêmicas globais, como Oxford, Cambridge, Harvard, MIT, Stanford, Universidade de California, Berkeley e Los Angeles.

As diferentes gerações tecnológicas usadas na realização de EAD foram: cursos por correspondência (ensino técnico e superior), rádio, televisão, digital simples (usando linhas telefônicas comuns), internet e web.

No Brasil, muitas gerações de alunos estudaram aprendizagem a distância, notavelmente Florestan Fernandes (1920 – 1995), que concluiu o 2º Grau pelo Telecurso 2000 e Deputado Vicentinho (1956), que concluiu o 1º e 2º Graus pelo Telecurso 2000.

2. EaD permite uma nova visão da aprendizagem como um todo

A literatura científica sobre aprendizagem hoje distingue três grandes categorias:

  1. Pedagogia (para jovens com menos de 18 anos), na qual o que deve ser estudado, e como isso deve ser feito, ambos determinados pelo professor ou instituição (às vezes com algumas opções para o estudante);
  2. Andragogia (para adultos com 18 anos ou mais), na qual o que deve ser estudado é determinado pelo professor, instituição ou empresa, enquanto como deve ser estudado é determinado pelo estudante mesmo; e
  3. Heutagogia (para adultos no mundo de trabalho), na qual o que e o como são determinados inteiramente pelo aprendiz.

Esta nova visão permite uma mistura do presencial com a intermediação de tecnologia que oferece a EAD. Permite alterações entre a aprendizagem push ou empurração. É caracterizada quando a entidade que está emitindo o conteúdo de curso assume o papel “ativa” transmitindo o conteúdo pela mídia aos eventuais estudantes. Neste contexto têm um papel “passiva”, de receptores, e aprendizagem pull ou puxar. Esta é caracterizada pelo papel “ativo” dos estudantes, que seletivamente escolham para seu estudo os conteúdos do seu interesse – assim, uma verdadeira educação pessoalizada.

A EaD permite o estudante estudar “a qualquer hora, em qualquer lugar e a qualquer velocidade mais conveniente”. E permite que o aprendiz empregue o dispositivo de que já disponha: BYOD (Bring Your Own Device” – Traz Seu Próprio Aparelho” – celular, computador, ou outros).

Por ser centrada no aprendiz, e não no professor, a EaD tem que ter uma estrutura que ofereça muitas opções para poder engajar os interesses de um grande número de aprendizes. O aluno não é mais “silo” – o lugar para estocar o conhecimento, mas é um “laboratório” no qual a estratégia didática do curso obriga o aprendiz a fazer a descoberta do conhecimento, sozinho e com colaboração de seus pares.

3. Não existe padrão dominante da EaD

Felizmente, não há ainda um “padrão dominante” de EaD (como é o caso do automóvel, que sempre tem quatro rodas”). Estamos ainda numa fase de experimentação didática que permitirá permutações numerosas à medida que nossas explorações de possibilidades no cruzamento de atividades cognitivas e novas tecnologias abram novos caminhos para aprendizagem eficaz.

O ensino presencial é feito por um professor atuando sozinho numa sala de aula com um grupo de alunos; o sucesso de sua aula depende inteiramente da eventual “inspiração” do docente no dia.

A EaD, por sua vez, é produzida com uma equipe de mais de 10 profissionais = o conteúdo é mais informativo, e apresentado de forma mais burilada; a “inspiração” não é eventual – está embutida permanentemente no material didático.

Tudo indica que o termo “educação a distância” desaparecerá num futuro próximo porque haverá uma saudável sobreposição de modalidades: quase todos os cursos hoje considerados “presenciais” terão elementos “não presenciais” ou “virtuais”.

Muitos programas EAD terão, para aumentar a eficácia da aprendizagem, momentos presenciais, especialmente na área de saúde, quando, embora possível com simulações gravadas, o contato com pacientes ao vivo, e com ambiente de um “teatro de operações cirúrgicas”, forneça experiências dificilmente substituíveis. A seguir, um útil modelo ilustrando as possibilidades de ensino/aprendizagem do futuro, com exemplos “puros” nas duas extremidades, e gradativas misturas de modalidades, sempre determinadas pela natureza do conteúdo a ser aprendido e a maturidade educacional dos prováveis aprendizes. Foi elaborado pela Fiona e Frank Rennie e Robin Mason e adaptado por Marcos Formiga.

4. EAD sempre tem a estrutura de um curso

As principais categorias das estruturas de exemplos de EAD são:

  • A – aquilo que tem estrutura tradicional de um curso, seja de 10 minutos (como fazer o nó de uma gravata), 30 minutos (como preencher o formulário de declaração de imposto de renda), seja de 15 semanas de 6 hora-aula conteúdo;
  • B – aquilo sem estrutura de curso, mas que forneça aprendizagem através de apresentações em simulações, animações feitas com gráficos computacionais, jogos sérios e interativos, manuseio de equipamento científico em lugares distantes, tutoria/mentoria avulsa, envolvimento em experiências de realidade virtual e aumentada (usando internet 2ª geração), e participação em comunidades de aprendizagem;
  • C – acesso a acervos digitais como bibliotecas, arquivos, repositórios de objetos de aprendizagem e recursos educacionais abertos. Sempre acompanhado de um filtro/orientador para identificar o escopo da busca do aprendiz.