Questões polêmicas e novos termos para descrever a educação a distância

Tendo recebido várias solicitações para uma manifestação minha sobre questões polêmicas circulando na mídia, especialmente o assunto de novos termos para descrever a educação a distância [EAD], resolvi agir agora.

No meu livro Aprendizagem a Distância (2010) [disponível gratuitamente na web], citei 21 sinônimos de EAD, e recentemente vi um artigo do exterior que identificou mais de 40 termos descrevendo o processo de ensino-aprendizagem fora da sala de aula presencial tradicional. Especialmente gosto do novo termo “remoto” porque me permite substituir o termo geral EAD [educação “flexível”, “distribuída”, “em casa”, “off-campus”]. Seja para denominar uma subdivisão do fenômeno [“online”, “aberta”, “híbrida”, “autônima”, “autodirigida”, “digital”, “independente”, “e-learning”, “M(obile)-learning” (por celular e tablet), “T(elevisionada)-learning], seja para designar algo determinado pela circunstância [“emergencial”]. Todos as denominações são válidos e bem-vindas. Até mesmo “por correspondência” permanece como via para entrega de material didático, principalmente para níveis de ensino Fundamental e Médio.  Afinal, os nomes das coisas não afetam o que realmente são. Na celebrada peça de William Shakespeare, Julieta, se referindo ao fato de que o sobrenome do Romeu, Montecchino, identificando uma família inimiga da sua, Capuleto, disse poeticamente: “Se a rosa tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume”.

Pessoas, como eu, que já viram muita água passar embaixo da ponte, provavelmente prefeririam usar o termo EAD pela sua eficiência, considerando-o um tipo de “quarda-sol” que, por tradição, abriga todos os demais termos, inclusive aqueles inventados por autores que procuram os benefícios do efeito eponímico.

Similarmente, sinto necessidade de observar que na EAD não há apenas um “modelo dominante” [caso do automóvel comum, que sempre vem com quatro rodas]. Em EAD há modelos variados de comprovado sucesso em determinadas situações, dependendo da natureza do conteúdo do curso, da maturidade educacional dos aprendizes, da tecnologia empregada e das características oferecídas. Planejar e executar um programa de EAD é similar aos papeis do compositor e do regente de uma sinfonia. Tendo várias opções de instrumentos [cordas, sopros, percussão…], opções de ritmo e dinâmica de som, o compositor emprega sua imaginação e sua intuição musical para criar uma partitura [instruções ordenando os sons] que é seguida pelo regente, que faz sutis decisões interpretativas para ter o efeito final desejado, a ser assistido ao vivo ou gravado. As características variáveis de uma obra de EAD foram bem identificadas por três pesquisadores do think tank SRI no Vale do Silício:

  1. Modalidade (porcentagens virtuais vs. presenciais?)
  2. Partes síncronas e assíncronas
  3. Velocidade (todos os alunos no mesmo ritmo de aprendizagem ou não?)
  4. Número de estudantes envolvidos
  5. Estilo didático (expositivo, seminário, solução de problemas…)
  6. Avaliação da aprendizagem (exames, monografias, apresentações)
  7. Papel do professor (centro de atenção, participação apenas ocasional)
  8. Papel do aluno (centro de atenção, papel mais ativo)
  9. Retroalimentação (feedback dado ao aluno sobre seu desempenho durante o curso).*

à qual adicionarei mais uma:

  1. Garantia de Integridade (em cada exame ou trabalho realizado, o aluno entregará uma “Declaração de Integridade” assinada, confirmando que o conteúdo é integralmente produzido com originalidade, sem plágio ou colaboração).

Finalmente, é desalentador ver o número de profissionais brasileiros de educação que afirmam que uma das principais razões pelas quais a EAD digital seja “inadequada” para o Ensino Básico deva-se a “apenas” 70% das residências que utilizam computador e acesso à internet. Tal conclusão demonstra, claramente, uma das falácias clássicas, “A Revindicação da Perfeição”,** que recusa aceitar qualquer solução oferecida para resolver um problema se não atendê-la em 100%! Às vezes, esta exigência é ridicularizada, sendo chamada de “Busca do Nirvana”, ou “de perfeição”, porque diminuem as possibilidades de solucionar o problema em mãos para uma preponderância da população. No caso de EAD no Ensino Básico, vamos usar meios digitais para quem hoje tem o necessário acesso, e outros meios como televisão, rádio, dvd´s e correspondência para os demais aprendizes. O preconceito é mais uma manifestação  da falha ao ensinar adequademente o pensamento crítico em nossas escolas. Outro exemplo desta falha é a crença exagerada na “isonomia”, que na Justica é importantíssima, mas que na educação formal é empregada erroneamente, ignorando a necessidade de dar reforço extra aos alunos com dificuldades de aprendizagem, e maiores oportunidades (como acesso à distância a cursos universitários) para estudantes cognitivamente bem preparados, como ocorre em outros países. Há muito a fazer ainda por aqui…..

Fredric M. Litto

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*Adaptado de: Barbara Means, Marienne Bakia e Robert Murphy, Learning Online: What Research Tells Us About Whether, When and How. New York: Routledge, 2014.

**Ver meu estudo sobre falácias: Fredric M. Litto “Argumentos Falaciosos: Compêndio para Evitar a Compra de Gato por Lebre”, in www.observatoriodaimprensa.com.br, 23 de outubro de 2002, Vol. 1, p. 1-14.