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Carta de Apoio a ABED - Pedido de esclarecimento sobre a aplicação da Resolução CNE/CES nº 2, de 19 de dezembro de 2024




Por Prof. Francisco Carlos Ribeiro


Prezado Dr. João Mattar

D.D. Presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED)

Neste e-mail quero parabenizá-lo pela correspondência ao Conselho nacional de Educação, Câmara de Ensino Superior sobre o "Pedido de esclarecimento sobre a aplicação da Resolução CNE/CES nº 2, de 19 de dezembro de 2024, a cursos de Mestrado e Doutorado realizados no exterior na modalidade Educação a Distância (EaD)."

Não obstante, eu seja Professor Universitário há praticamente 26 anos, sendo 11 na Universidade de Sorocaba e 22 no Centro Paula Souza, e Pesquisador em Regime de Jornada Integral por praticamente 15 anos, fazendo contribuições à Administração Pública, entre estas, ter sido um dos autores do estudo que fundamentou o Governo do Estado de São Paulo a criar a Região Metropolitana de Sorocaba, com a edição da Resolução CNE/CES 02 de 19 de dezembro de 2024, sinto-me um pária e um proscrito em meu próprio país.

Não obstante eu venha contribuindo com a melhoria institucional da Região Metropolitana de Sorocaba e de seus municípios, é irônico que eu seja vítima (assim como muitos) da baixa qualidade institucional, a meu ver.   

Bruno Carazza, eu seu livro “O País dos Privilégios, v. 1. Os novos e velhos donos do poder” às páginas 12-124, relata”, citando a obra de “Pedro Abramovay, aponta como “certas carreiras públicas se valem de todos os artifícios possíveis a fim de construir reservas de mercado e monopolizar atividades estatais para, assim, aumentar seu poder de barganha na promoção de pautas corporativistas, como autonomia funcional e orçamentária, aumentos salariais e outras regalias.”

Mais à frente, nesta excelente obra, Carazza ainda aponta: “O problema é que toda grande proposta de mudança legal, no Brasil, abre sempre a oportunidade de inserção de dispositivos que possam agradar a determinado grupo ou categoria. (p. 124) e por fim, aponta: “Há um ditado famoso em Brasília que diz: “Jabuti não sobe em árvore; logo, se há um jabuti no alto de uma árvore, alguém o colocou lá”. Esse axioma se refere a dispositivos legais que “brotam” misteriosamente em proposições legislativas, inseridos em geral pela pressão de alguma empresa ou grupo social bem conectado com a classe política.” (p.128)

Posso estar sendo injusto, segundo minha interpretação, quando olhamos o teor da Resolução 02/2024 nos seus parágrafos primeiro e segundo do artigo 20, temos:

§ 1º O processo de avaliação deverá considerar as características do curso estrangeiro, tais como o reconhecimento do curso pelas autoridades competentes no país de origem, a organização institucional da pesquisa acadêmica no âmbito da pós-graduação stricto sensu, a forma de avaliação do candidato para integralização do curso, o processo de orientação e o resultado da defesa da tese ou dissertação. 

§ 2º O processo de avaliação deverá considerar, pela universidade responsável pelo reconhecimento, os diplomas resultantes de cursos com características curriculares e de organização de pesquisa na área, mesmo que não completamente coincidentes com seus próprios programas e cursos stricto sensu ofertados. 

No entanto, ao relacionar a documentação, no inciso VII do parágrafo quarto do artigo 20, exige: “VII - comprovante que demonstre o período da estada no exterior quando da realização do curso.”
Ora, não há como não interpretar como bastante aderente ao que Carazza apontou das práticas de proteção de mercado e jabutis para isto.

Falo pela minha própria experiência. O artigo 207 da Constituição estabelece que “Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Mas esta autonomia não elimina outro preceito Constitucional que é o da Legalidade. Como ensina Helly Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 2012, p. 89) “Enquanto na Administração Particular é lícito fazer tudo o que alei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a Lei autoriza”. A LDB (lei 9.394) de 20 de dezembro de 1996, no parágrafo terceiro do artigo 48, estabelece”

§ 3º Os diplomas de Mestrado e de Doutorado expedidos por universidades estrangeiras só poderão ser reconhecidos por universidades que possuam cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área de conhecimento e em nível equivalente ou superior

Ora, a LDB fala em área de conhecimento (se é ciências sociais, médicas, humanas etc.) e no mesmo nível, ou seja, só poderá revalidar um mestrado, aquela Universidade que tenha Programa de Mestrado e doutorado. Absolutamente, em lugar nenhum a LDB fala a modalidade presencial ou a distância”

No entanto, quando submeti a minha primeira tentativa de revalidação, via plataforma Carolina Bori, na Universidade Federal do Espirito Santo, tive o processo interrompido por um despacho saneador, que, posso destacar o seguinte trecho “A Resolução Nº 58/2017¿CEPE/UFES exige que o estudante resida no país de origem da pós-graduação durante todo o curso, caso contrário, o curso é considerado ensino à distância, motivo de indeferimento, pois, segundo a RESOLUÇÃO Nº 39/2021, só é possível o reconhecimento de diploma estrangeiro de cursos compatíveis com os que a UFES ofereça, e essa instituição não oferece curso de pós-graduação stricto sensu a distância.

Na Federal da Bahia, ingressei novamente pela Plataforma Carolina Bori, os Doutores em Economia da faculdade de Economia da UFBA que compunham a Comissão opinaram pelo total reconhecimento. No entanto, com base na resolução CAE-07/2020, em seu artigo primeiro, parágrafo quarto aponta: § 4º Os diplomas de graduação e os títulos de pós-graduação estrangeiros obtidos na modalidade Educação a Distância (EaD) serão aceitos para revalidação ou reconhecimento nas áreas em que a UFBA mantenha curso do mesmo nível e na mesma modalidade, observada a legislação pertinente.

Então esta interpretação heterodoxa e criativa das Universidades, utilizando a prerrogativa da autonomia universitária, que, a meu ver, não autoriza a sobrepor-se à Lei, passa a levar em conta a modalidade presencial e a distância na revalidação.  Muito cômodo para as Universidades Brasileiras, criando, uma certa reserva de mercado para seus programas. Este, a meu ver “Jabuti” vem dar uma “suposta legalidade” a esta exigência “criativa” das Universidades.

Utilizei os expedientes de recurso, seja na própria UFBA e mesmo no Conselho, sem sucesso. No Conselho, a meu ver, nem foi apreciado o mérito.

Por fim, argumenta-se que é para garantir a qualidade dos seus titulados. Outra lenda, a meu ver. Fui aluno presencial do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC-SP (mestrado). Obtive lá, através de um processo seletivo, tendo ganho a bolsa por originalidade de projeto de pesquisa. Não obtive nota menor que 9,0 em todos os créditos, a minha dissertação “Hayek e a Teoria da Informação: uma análise epistemológica, obteve nota 10 na defesa, e foi uma das indicadas pela PUC-SP (com outas duas, não importando aqui a ordem) para o Prêmio BNDES em Economia. Em 2002, foi editada em formato e versão livro pela Editora Annablume. Este trabalho também foi e é utilizado seja para compor planos de ensino e ementas de cursos em Universidades Federais e até mesmo em programa de doutorado.

Sendo muito bem-sucedido fui até a FGV (pois meu orientador se tornara dedicação exclusiva lá) para continuar sendo seu orientando, mas fui com uma ideia original. Por sua orientação e aproveitando minha experiência, fiz quase todas as disciplinas do Doutorado em Administração Pública e Governo, sendo aprovado em todas elas. No entanto, meu tema era mais aderente a Economia Comportamental Fui orientado a direcionar meu doutorado para economia. Em que pese a generosidade do meu orientador de mestrado, a banca ficou muito temerosa pela novidade do tema, e solicitou que eu “aproveitasse melhor a expertise dos professores da casa” pois temiam que não seria capaz de produzir o que me propunha. Recusei.

Por decorrência do meu livro, fui convidado para publicar na Revista Libertas (hoje RIIM Revista de Ideas Instituciones y Mercados) o artigo “El Pensamiento de Hayek y la teoria de la información”. Com isto me aproximei da prestigiosa ESEADE (www.eseade.edu.ar).  Submeti meu projeto de pesquisa lá, e fui aprovado. E eles estavam ofertando os seus doutorados com aulas virtuais síncronas, usando o sistema WEBEX Meeting (CISCO).

Com sito, tive aulas com Gabriel Zanotti e o saudoso Juan Carlos Cachanosky, que figuram entre os melhores cérebros argentinos. Tive como colegas de turma dois Ministros de Estado (Colômbia e Peru), Consultor do Banco Mundial entre outros.   Obtive nota máxima em todos os créditos. Recebi a orientação para a tese de doutorado do Professor Martin Krause, e minha banca foi composta pelos Professores Gabriel Zanotti, Adrian Ravier e Adriana Norma Fassio. Minha tese intitulada “Aspectos Econômicos da Onipotência”, obteve a segunda maior nota (distinguida). Defendi presencialmente em Buenos Aires, em 21/10/2009.

Em 2011, viria a publicar, pela Editora Annablume, a versão em formato livro da minha tese de doutorado “Aspectos Econômicos da Onipotência. Em 2012, por esta mesma obra, recebi a sugestão de submeter o artigo feito no doutorado, para a Conferência da SABE – Society for Advancement of Behavioral Economics (www.sabeconomics.org) a mais importante associação de economia comportamental do mundo. Fui lá o único brasileiro a comandar uma mesa. Em seguida tive outro artigo aprovado, derivado da tese, para apresentação na Conferência da SABE, nos EUA. Estas participações me permitiram publicar o artigo apresentado na Espanha, no Theoretical Economics Letters (B3, internacional). Em 2015, pelos mesmos editores do Journal, publiquei a versão americana de meu livro, com prefácio do Professor Pellegrino mangra da CUNY – City University of New York. Em 2019, a convite do Professor Shinji Teraji da Yamaguchi University, fui convidado a apresentar as ideias do livro na sessão da SABE, na Conferência da WEAI – Western Economic Association international, em Tóquio. Neste mesmo ano, convidado, pelo Professor Alexander Neverov (como keynote speaker) a abrir a conferência comemorativa do Instituto de Pesquisas em Economia Psicológica da Rússia. E agora, em 2024, novamente estive lá, em Saratov, novamente como convidado especial.

Não obstante todas estas participações, sequer consigo revalidar meu diploma em meu próprio país. Se estas interpretações me faziam sentir um pária e um proscrito, pois sou impedido de prestar concurso e concorrer em condições de igualdade com os demais, agora, a resolução 02/2024, vem a garantir esta reserva de mercado, a meu ver imoral e ilegal.

Por outro lado, temos atualmente que a CAPES reconhecerá aulas ead desde que sejam síncronas, e o CEFET está lançando seu próprio curso de mestrado ead. O que reforça a percepção de reserva de mercado.

Perdoe-me o e-mail longo, mas foi necessário contextualizar.

Espero que o Conselho Nacional de Educação e a Cãmara de Ensino Superior dê a devida atenção, a oportuna manifestação da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED).

Por fim, causa-me estranhamento o silêncio tumular da imprensa quanto a moralidade e legalidade desta decisão. Lembro-me de que quando a Presidente Dilma Roussef e já no governo Bolsonaro o ex-Ministro Carlos Decotelli, alegaram ter doutorado sem o tê-lo, a imprensa investigativa foi voraz com eles. Mas relatar a vergonha de ter um doutorado legalmente registrado no Ministério da Educação do país onde ele foi feito, devidamente apostilado, e estes estratagemas e interpretações heterodoxas para criar uma imoral reserva de mercado, isto a imprensa não trata com a mesma vontade.



 
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