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Reflexões no dia do Professor:

Reflexões no dia do Professor: "A falta de um Prêmio Nobel"

 

Marcos Formiga

Assessor Especial da CNI/SENAI-DN

Professor do LEF/UNB

 Vice- presidente da ABED

A educação brasileira, tal qual a mudança climática, é uma verdade inconveniente. Sem dúvida, o último Prêmio Nobel da Paz, merecidamente compartilhado entre o ex-vice-presidente americano Al Gore e o IPCC (sigla em inglês do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) da ONU, é o reconhecimento da responsabilidade humana na crise ambiental. Nesse limiar do Século XXI e, pela segunda vez, a premiação ao meio ambiente é uma opção moderna a favor da paz mundial.

Ao Sul do Equador e ainda em "berço esplêndido", o Brasil precisa ser convencido do verdadeiro sentido de urgência e emergência que a educação nacional reclama. Não se pode mais viver e conviver com a negligência permanente dada pelos brasileiros à questão educacional. A sociedade e os governos em seus diferentes níveis (federal, estadual e municipal) precisam despertar e agir à altura da gravidade e complexidade do problema, e, em especial, para a ausência quase total da educação de qualidade em nossas escolas.

O País terá de se mobilizar em busca de soluções ao problema, como fez a ONU com o IPCC para o Meio Ambiente. O débito com a educação brasileira exige um esforço coletivo para acordar o gigante Brasil da inação em educação de qualidade para todas as gerações do seu povo, ainda de instrução incompleta.

Vale relembrar os exemplos sempre inconclusos e com resultados tímidos de campanhas educacionais, desde personagens como Ruy Barbosa, Anísio Teixeira – nosso maior educador-, Darcy Ribeiro, Florestam Fernandes, Leonel Brizola, João Calmon, e Cristovam Buarque – a referência mais atual com a criativa "Educação Já!".

 A importância do Prêmio Nobel é revelada pela obsessão da Coréia do Sul em construir um pedestal vazio à espera de um Nobel em Ciência para lá erigir uma estátua. Para esse hipotético vencedor está reservado o espaço de herói nacional do conhecimento.

O Brasil em educação, mais do que um premiado, necessita multiplicar lideranças que se comprometam em fazer a Revolução Pacífica pela Educação como condição sine qua non para ingresso à Sociedade da Informação e do Conhecimento. Reconhecidamente não será fácil, porque no Brasil a educação nunca foi, não é, e não será em curto prazo uma prioridade nacional. Vide a recente pesquisa do IBOPE que coloca a educação em modestíssima sétima prioridade, em um País que exige educação apenas como uma atividade escolar formal e ainda desconhece a força e o poder da educação aberta ou não-formal, aquela que está presente em todos os lugares e a qualquer hora. Não se pode ser injusto e desconhecer o progresso, mesmo insuficiente, na área da educação escolar dominada ainda por indicadores de quantidade, divorciada da indispensável qualidade. O pouco que se fez e se faz é absolutamente distante do estritamente obrigatório e necessário; e como resultante, o País se afasta cada vez mais dos países líderes no cenário internacional de aprendizagem, acumulando desvantagens crescentes, comprovadas nas avaliações internacionais e do próprio ministério da área.

É verdade que a população mundial apresenta quase um sexto de analfabetos (cerca de 900 milhões de pessoas, das quais mais de 20 milhões são de brasileiros), sem contar as centenas de milhões de analfabetos funcionais. Mesmo assim, tais números não despertam clamor similar ao das mudanças climáticas. A ONU realiza em intervalos regulares reuniões de cúpula com a presença de chefes de Estado. Em menor escala, a experiência é replicada nas áreas de educação e cultura, que não merecem a devida atuação e visibilidade, em que apenas os ministros ou seus representantes se fazem presentes. Ademais, os países ricos e desenvolvidos já superaram há muito tempo tais dilemas. Analfabetismo, analfabetismo funcional e educação sem qualidade são questões circunscritas aos países pobres e ainda subdesenvolvidos. Neles, a educação ainda é privilegio e questão de inclusão social. Lá, o problema é outro, prontidão para o futuro por meio da inclusão digital. Aqui talvez, se explique a indiferença e despreocupação mundial com a educação básica, a despeito da meritória atuação da Unesco limitada pela escassez de seus recursos financeiros.

Enquanto isso, o charme das poucas áreas premiadas com o Nobel, como Fisiologia (Medicina), Física, Química Literatura, Economia e Paz, tem na Fundação Alfred Nobel, na Real Academia de Ciências da Suécia, e no Parlamento da Noruega, as atenções voltadas anualmente em outubro, quando são divulgados os nomes dos premiados; e em 10 de dezembro (aniversário de A. Nobel) na solenidade de entrega dos prêmios, em Estocolmo. O Brasil fica só a observar, diferentemente de nossos co- irmãos latino-americanos (Chile, Argentina, Guatemala, Costa-Rica e México) nunca foi agraciado com um Nobel. Da mesma forma, a área de Educação nunca despertou uma ação afirmativa de um Mecenas. Curiosamente, nem as Sociedades da Aprendizagem, da Informação e do Conhecimento desenvolvidas nas três últimas décadas do século passado, foram capazes de fazer surgir um novo Alfred Nobel. Existe um completo vácuo no reconhecimento e na falta de um Prêmio Internacional de prestígio para a educação ou mais apropriadamente para a aprendizagem. A Aprendizagem carece de magnatas do porte internacional de Bill Gates, Robert Murdoch e Carlos Slim; ou na dimensão brasileira de interessados no tema como Antônio Ermírio de Moraes e Jorge Gerdau Johannpeter, que atualmente lidera a oportuna iniciativa "Todos pela Educação".

Diferentemente de setores recentemente desenvolvidos como células-tronco e nanotecnologia, já devidamente reconhecidos e premiados com o Nobel, a educação, desde sempre, não atrai a atenção, talvez pelo excesso de conservadorismo e autoritarismo de nós professores.

Uma grande campanha de divulgação e de conscientização - há espaço para isto – poderia retirar do limbo em que vive a educação no contexto mundial, e em particular, com destaques para a América Latina e para a África.

Internacionalmente, se reconhece a excelência da educação praticada na Escandinávia, a melhor da Europa e quiçá de todo o mundo. Mas certamente eles não estão interessados em pobreza nem no desafio da educação sem qualidade, características crônicas do Hemisfério Sul.

A propósito, em 2003, uma a iniciativa voluntária e informal de um grupo de economistas brasileiros tentou incluir o professor Celso Furtado, expoente  da economia brasileira e latino-americana, como um possível candidato ao Nobel de Economia daquele ano, como já havia acontecido com César Lattes, Oswaldo Lima Filho e Dom Helder Câmara, que segundo informações não-oficiais e por razões políticas foi preterido em favor do seu discípulo argentino. O nome de Furtado foi devidamente desconsiderado pelo Comitê de Julgamento. Para se compreender as razões, um tanto óbvias, basta-se observar a lista de ganhadores do Nobel em Economia, desde 1969, quando foi instituída essa última modalidade. Lá é possível se comprovar injustificáveis ausências de nomes fundamentais e autores de obras seminais que estudaram a pobreza e as desigualdades sociais e regionais. Dentre quase 60 premiados, apenas três ou quatro se dedicaram à pesquisa heterodoxa do processo de desenvolvimento econômico, como Ragnar Nurkse (norueguês), Gunnar Myrdall (sueco) quem melhor explicou a pobreza asiática (in Asian Drama), Arthur Lewis cidadão britânico de Santa Lucia; e mais recentemente Amartya Sen, embora indiano teve de passar pela presidência da Sociedade Americana de Econometria para chegar ao merecido Prêmio. Comenta-se entre os apreciadores do Nobel, que José Saramago, primeiro Prêmio em Literatura para um autor de Língua Portuguesa, teria questionado: "Por que não, Jorge Amado?" Da mesma forma, Sen, colega de Celso Furtado em Cambridge, teria comentado "ninguém mais do que Furtado mereceria o Nobel de Economia".

Na lista dos premiados em Economia, a despeito do indiscutível mérito acadêmico de alguns, predomina a clara opção pelo pensamento econômico liberal-ortodoxo, advindo majoritariamente, da Meca da Moeda representada pela Escola de Chicago, que tanto agrada e impressiona ao Comitê de Julgamento e ao Banco Central da Suécia, que regiamente remunera os premiados interessados em métodos quantitativos, em elaboração de planilhas financeiras, derivativos e obtenção de lucros rápidos no mercado de ações. Premiam-se os instrumentos financeiros e não a essência da Economia. Tal qual o Prêmio Nobel da Paz tende a valorizar cada vez mais a causa ambiental; o Prêmio Nobel de Economia de certa forma poderia ser designado de Premio Nobel em Finanças, em consonância com o equivocado Consenso de Washington.

De forma análoga, o Fórum Econômico Mundial de Davos (mais uma vez a temática dos desenvolvidos) provocou o aparecimento do Fórum Social Mundial, como uma alternativa ao pensamento único; com um enfoque demasiadamente amplo, onde a educação fica diluída dentro de uma pauta extensa de problemas sociais, não menos importantes.

O propósito dessa reflexão não deve concentrar-se nos Prêmios das áreas de Ciências ou Economia - mesmo cometendo repetidas injustiças, o saldo de sua existência é positivo pelo poder de atração para os grandes temas da humanidade, e em particular, para os avanços na fronteira da Ciência. O Prêmio Nobel se presta com exatidão para demonstrar o vazio e o limbo em que permanentemente flutua a educação mundial.

Já que a educação do passado e a atual não foram capazes de despertar a atenção necessária da população, resta a esperança de que a educação do futuro com a crescente participação inovadora das TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação e Mídia do Conhecimento), conquiste o seu espaço definitivo nas agendas nacional e mundial.

 

Brasília, 15 de outubro/2007

Dia do Professor


Fonte: Marcos Formiga
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