Comunicação e Educação a Distância:
Algumas Reflexões sobre Elaboração de Materiais Didáticos

 

 

Ademilde Silveira Sartori
UDESC

ademilde@matrix.com.br

 

Jucimara Roesler
UNISUL

jucimara@unisul.br

 

(formato doc)

 

 

RESUMO

Com a revolução das TIC, surgiram novas formas de organização social e de produção, o que exigiu uma formação qualificada para o mundo do trabalho. Ao trabalhador, são solicitadas novas habilidades e ter atitude participativa e colaborativa. Neste contexto, a escola deve rever suas práticas para formar profissionais qualificados a lidar com ambientes com alta tecnologia e que sejam competentes para produzir tecnologias, ela passa a ser um espaço colaborativo de aprendizagem. A EaD utiliza-se das tecnologias para viabilizar a comunicação entre os agentes do processo ensino-aprendizagem, portanto, é mister discutir o desenvolvimento tecnológico e formação do trabalhador, nesta modalidade educacional. No planejamento e elaboração dos materiais didáticos, a interatividade se faz imperativa, pois os conteúdos devem permitir a reflexão-ação da prática e, proporcionar o desenvolvimento de habilidades e competências. Faz-se necessário refletir sobre a relação entre comunicação e EaD. Há necessidade de compreensão das linguagens midiáticas e da visualização de suas potencialidades educativas. Elas devem tornar-se ferramentas e objetos de aprendizagem, organizadas em um sistema eficiente e com custo apropriado. Outro ponto a ser investigado é a recepção. Como os alunos estão recebendo determinada mensagem? Quais as características desta recepção? É urgente compreender estes aspectos para avançar no planejamento e na produção dos materiais didáticos em EaD.

 Palavras-chave: planejamento e elaboração de materiais didáticos em EaD, o uso das TIC em EaD, formação do trabalhador.

 

I - Introdução

A complexidade atual da vida em sociedade está trazendo para aqueles que trabalham com Educação a Distância algumas perguntas relativas ao papel da escola na formação do trabalhador tanto para aquele que utiliza tecnologias sofisticadas, que trabalha em ambientes com alta tecnologia, quanto para aquele que se responsabiliza pelo desenvolvimento de outras tecnologias. Discute-se a formação do trabalhador. Por outro lado, por utilizar-se, ela mesma, das tecnologias de informação e comunicação, a EaD está colocando em pauta que contribuições estas tecnologias estariam trazendo para a educação.  

Ora, o trabalho é um dos elementos envolvidos com o desenvolvimento tecnológico e, talvez, o universo com o qual a escola é chamada a contribuir de maneira mais direta, pois, na qualidade de componente humano dos processos de produção, os trabalhadores necessitam de formação para exercer esta ou aquela função e, em nossos tempos, tal exigência é cada vez maior. Assim, as discussões estão imbricadas umas nas outras, solicitando-nos a reflexão sobre o novo papel da escola e sobre o papel das TICs na EaD. Superando a visão destas como meros recursos didáticos, a discussão volta-se para as TICs como ferramentas e como objetos da aprendizagem, simultaneamente, colocando em pauta a discussão sobre a comunicação na EaD.  

Por utilizar-se de todas as tecnologias que viabilizam a comunicação entre os agentes do processo ensino-aprendizagem, a EaD se torna campo privilegiado para discussão a respeito das relações entre o desenvolvimento tecnológico e a formação do trabalhador. Acrescente-se o fato desta modalidade estar sendo chamada a cumprir seu papel social de formadora de grandes contingentes, por garantir a formação em serviço e possibilitar a formação continuada e permanente. Enquanto característica básica desta modalidade, a utilização de tecnologias informativas e comunicacionais torna pertinente a discussão sobre a relação entre comunicação e educação a distância. 

 

I – Da pouca formação à formação sempre pouca

 “Para se crescer na vida é necessário estudar”! Apesar de estarmos acostumados com dizeres como estes que exaltam a necessidade de estudo para se obter um “bom” emprego, nem sempre foi assim. Na antiga Grécia, o trabalho manual era desvalorizado por ser realizado por escravos, aos quais se destinava uma formação técnica específica para o ofício que realizavam. Já a educação, considerada nobre, se destinava aos cidadãos livres, aos que deveriam se dedicar à filosofia e à política. Atravessamos o mundo romano com o mesmo grau de desvalorização do trabalho escravo. A população escrava continuava recebendo instrução profissional técnica, enquanto os nobres estudavam arquitetura e medicina, áreas do conhecimento consideradas dignas da nobreza (Grispun, 1999). 

Com a produção industrial, no final do século XVIII, as coisas mudaram um pouco. Passou-se a exigir noções básicas de ciências para qualquer trabalhador. Com o desenvolvimento tecnológico acelerado da atualidade, instaurou-se a demanda por formação de mão-de-obra mais qualificada e preparada tanto para trabalhar com maquinarias como para produzi-las. 

Chegamos ao século XXI com a revolução promovida pelas tecnologias de informação e da comunicação. Surgiram novas formas de produção e assistimos ao crescimento do setor de oferta de serviços e da importância da informação, sobrevalorizando o trabalho intelectual. Agora sim, formação altamente qualificada e permanente está na ordem do dia. 

Os ambientes de trabalho que estão surgindo na indústria e no setor de serviços estão exigindo o exercício de atividades polivalentes, tendo como intuito otimizar a produção, tornando-a flexível e aumentando os lucros com a diversificação e com a diminuição de custos (Ferreti, 1996). A atitude que está sendo exigida do trabalhador, nestes ambientes, é a colaboração e a participação. Desta maneira, novos modos de produção exigem um trabalhador com qualificação mais aprimorada, com iniciativa própria, com disposição para estar sempre aprendendo novos ofícios  e tarefas e ser responsável por sua própria aprendizagem. O trabalhador pronto e acabado, moldado para desenvolver tarefas fragmentadas e rotineiras, cede espaço ao trabalhador sempre em formação. Com essas exigências, necessitamos de outra concepção de trabalhador. Assim, o ensino rotineiro e cumpridor de tarefas de nossas escolas deve ceder espaço ao ensino colaborativo, construindo novas socializações adequadas aos novos ambientes de trabalho.  

 

II – A escola: novas exigências, novas perspectivas

Em um contexto em que a escola passa a atender as novas exigências sociais, ela é um espaço colaborativo de aprendizagem. Cabe à escola formar profissionais competentes para o trabalho em ambientes com alta tecnologia como os que encontramos no mundo do trabalho atual, também, pessoas competentes para produzir tecnologia, uma vez que a sofisticação tecnológica é condição de desenvolvimento econômico e cultural. 

A escola precisa assumir seu papel no sentido de preparar aquele que necessita de formação básica para trabalhar de forma eficiente com aparatos e processos tecnológicos cada vez mais sofisticados e aquele que irá produzir novas tecnologias, portanto necessitando de uma formação científica e tecnológica sólida. Como a ciência moderna desempenha papel preponderante no desenvolvimento tecnológico atual, o trabalhador necessita cada vez mais da obtenção de domínio de conhecimentos científicos e tecnológicos em sua formação para poder acompanhar as rápidas transformações no que diz respeito a métodos, técnicas e processos de produção.  

Em contraposição com o ensino baseado na memorização de fatos e de conceitos abstratos, impõe-se a exigência de que a escola passe a ensinar o trabalho em grupo e a proporcionar o desenvolvimento de múltiplas competências e habilidades, ou seja, o sistema escolar deve formar cidadãos capazes de aprender a aprender, aprender a trabalhar em grupos, aprender a pensar e a agir crítica e criativamente, aprender a ter iniciativa própria. 

A abordagem fragmentada dos currículos tradicionais não permite a compreensão dos processos de produção e de validação dos sistemas conceituais estudados nas disciplinas uma vez que são vistas como conjuntos de conteúdos a ser adquiridos. Uma prática pedagógica coerente com nossos tempos vê as disciplinas de outro modo. Não mais como objetivo em si mesmas, mas como substratos dos quais os alunos podem retirar elementos para uma visão mais integrada da realidade. As disciplinas passam a ser encaradas como fonte de conhecimento para a resolução de problemas. A própria noção de disciplina, enquanto corpo definido de conhecimento está perdendo terreno para uma visão mais global, mais interelacionada e em movimento. 

Este desafio não pode ser vencido se velhas estruturas e antigas concepções de educação não forem abandonadas em favor de outras que privilegiem o contexto ao invés de informações isoladas, que privilegiem o trabalho colaborativo ao invés da competição, o estímulo à participação ativa dos estudantes e a ação sobre a realidade ao invés do cumprimento de rotinas.

 

III – Por onde passa a comunicação

A EaD se aperfeiçoou na medida em que se aperfeiçoaram as tecnologias informativas e comunicativas, crescendo as possibilidades dos instrumentos mediadores da aprendizagem, do material impresso aos ambientes virtuais de aprendizagem.  

Os materiais didáticos são planejados e elaborados para oportunizar o desenvolvimento dos conteúdos definidos no projeto pedagógico do curso e também a reflexão sobre a prática onde o sujeito está inserido, para que o mesmo tenha condições de atuar efetivamente em seu contexto de trabalho e de vida, como trabalhador e cidadão. Desta forma, as TICs deverão estar inseridas na modalidade de educação a distância como forma de desenvolver habilidades e competências necessárias para se viver e trabalhar num mundo baseado na tecnologia.  

A partir dos novos cenários oriundos da revolução das TICs e dos novos papéis exigidos aos atores sociais e à prática educativa, a utilização destas tecnologias se faz imperativa e ultrapassa a função de instrumento mediador de aprendizagem. Não é novidade que sistemas de educação na modalidade a distância necessitam estabelecer canais de comunicação entre seus agentes, ou seja estabelecer o sistema pelo qual alunos, tutores, professores e equipe de coordenação irão se comunicar entre si, implicando na organização de um sistema de distribuição e manutenção dos níveis comunicativos e informativos.  

A educação que a sociedade atual demanda pressupõe um espaço onde os interlocutores sejam sujeitos ativos e participantes do processo. Uma educação na qual é permitida a participação, a co-autoria, uma aprendizagem baseada numa rede de relações, pressupondo, portanto,  possibilidades comunicativas. Podemos entender como  uma educação que permite a interatividade. Afinal, o desenvolvimento espantoso da tecnologia desde o controle remoto até as tecnologias multimídia, acrescenta possibilidades de desenvolvimento do diálogo entre usuário e tecnologia, tornando o papel do mesmo menos passivo.

Com o desenvolvimento da interatividade, Silva (2000) chama a atenção para o aspecto comercial, entre outros, destacando-a como estratégia utilizada por empresas para vender produtos e serviços. Neste caso, a interatividade é estratégia de venda. Empresários desenvolvem estratégias para chegar a um consumidor que não é apenas usuário mas apresenta, atualmente, uma face participativa interventora não característica da audiência de massa, acostumada apenas a receber, mas nunca a participar em decisões ou conteúdos. Na cultura ciberespacial, no entanto, o usuário necessita tomar iniciativas, procurar pela informação, acaba por desenvolver hábitos de self-service produzindo o produto final de seu consumo, pois acaba personalizando o mesmo, obtendo uma educação just in time. Essa necessidade da tomada de iniciativa por parte do usuário significa uma mudança de hábito e, mais do que isso, uma mudança de cultura. A interatividade se impõe como característica básica para a EaD. A interatividade se impõe como estratégia de formação, como estratégia educativa. 

Além disso, a necessidade de avançar os modelos pedagógicos face ao desenvolvimento das TICs, nos remete a discussão de alguns aspectos pertinentes a relação entre comunicação e EaD. 

Urge como necessária a compreensão dos aspectos intrínsecos de cada linguagem midiática, para que seja possível extrair as contribuições destas para a educação, organizando-as em um sistema eficiente e com custo apropriado. É importante visualizar suas possibilidades para os processos educativos, definindo claramente os pressupostos pedagógicos que irão nortear a sua utilização. Isso quer dizer que é necessário buscar perceber a abrangência, a pertinência, a importância e a especificidade das diversas linguagens para que possam contribuir para a aprendizagem através do diálogo bem planejado entre linguagem e conteúdo. 

Faz-se necessário, também, refletirmos sobre como ocorre a recepção da mensagem educativa. Nos cursos a distância, as mediações sociais podem interferir no processo ensino-aprendizagem. A recepção de determinada mensagem, que é dispersa geográfica e temporalmente, recebe influência direta do meio ao qual o sujeito está inserido, das suas relações familiares, das relações no trabalho, das relações com a sociedade em geral. Cabe a nós, educadores, compreender como e quais as características desta recepção, tanto em termos das mensagens quanto em termos do domínio dos diversos códigos, para a melhoria da produção e da avaliação dos materiais didáticos. 

Afinal, se as TIC estão presentes em nossas vidas, através de toda e qualquer mídia, não podemos nos esquecer que através de suas linguagens visuais, auditivas, multimídicas e hipertextuais, elas educam. Por isso, é importante entender essas linguagens decifrando seus processos de produção e recepção,  pois influenciam, e muitas vezes determinam, o comportamento das pessoas. Este é o desafio aos educadores, conhecer estas linguagens e compreende-las como mais uma oportunidade de aprendizagem, ultrapassando a visão das TIC como instrumentos mediadores, vendo-as como produtoras de cultura.

Superada a visão das TIC como meros recursos educacionais, estaremos abrindo espaço para discussões de fundo a respeito da produção de sentido em nossa sociedade, ou seja, do modo como sentimos, entendemos e agimos no mundo que nos cerca, ampliando os horizontes da discussão sobre a formação do trabalhador e do cidadão. Ampliando os horizontes da discussão a respeito do papel ou da contribuição das TIC para a EaD, estaremos ampliando os horizontes da discussão a respeito da formação de pessoas capazes de agir no contexto social vigente.  

 

IV – Concluindo

O novo contexto social traz novos desafios para a educação a distância. Solicita-se da escola a formação de cidadãos críticos, capazes de compreender as implicações do desenvolvimento científico, tecnológico e econômico para sua qualidade de vida e atuação profissional. É preciso reconhecer que, em uma sociedade em que a tecnologia se faz presente em vários contextos, estas são importantes ferramentas mas também  objetos de aprendizagem. 

Assim, no planejamento e elaboração dos materiais didáticos em EaD, é mister reconhecê-las não apenas como instrumentos que irão desenvolver os conteúdos e metodologias previstos no projeto pedagógico, mas como fontes mesmas de aprendizagens, como produtoras de cultura. Além disso, no aspecto comunicacional, torna-se necessário compreender como e com quais características está acontecendo a recepção das mensagens pelos alunos. São questionamentos a serem investigados para que os cursos em EaD façam sentido em nossa sociedade. 

 

V – Bibliografia

FERRETTI, Celso João et al. Novas tecnologias, trabalho e educação. Petrópolis: Vozes, 1994. 

GRISPUN, Míriam P.S. Zippin et al. Educação tecnológica. Desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez, 1999. 

SILVA, Marco. Sala de aula interativa. Rio e Janeiro: Quartet, 2000.