A FORMAÇÃO CONTINUADA DO DOCENTE
UNIVERSITÁRIO EM CURSOS A
 DISTÂNCIA  VIA INTERNET: UM ESTUDO DE CASO[i].

 

 Maria de Lourdes Coelho
UTRAMIG - Fundação Educacional para o Trabalho de Minas Gerais

Email:
mlcoelho@fae.ufmg.br

 

(formato doc)

 

RESUMO:
Este trabalho tem como objetivo identificar as causas da evasão bem como os fatores que favorecem a permanência dos participantes em cursos oferecidos na modalidade de Educação a Distância, via Internet, a partir de um estudo de caso do Curso de "Tecnologia de Ensino a Distância Via Internet," promovido pela Escola de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os objetivos específicos desta pesquisa são: discutir possibilidades e limites da educação a distância, via Internet, como oportunidade de formação continuada do professor universitário e verificar os possíveis vínculos da evasão com os aspectos da estrutura metodológica e a dinâmica da interatividade em cursos a distância via Internet. Partindo de algumas suposições quanto às causas da evasão em cursos a distância, a investigação deparou-se com outros problemas inerentes ao uso da Internet no meio universitário como a “falta de tempo” do professor universitário para lidar com o ensino e a aprendizagem em ambientes virtuais e para dedicar à sua formação continuada.

 Palavras-chave: Educação a Distância, Formação de Professores, Educação via Internet, Evasão.

 1.      Introdução

            Com a introdução das novas tecnologias da informação e da comunicação na sociedade, em geral e em particular, nas instituições de ensino, e a premência da formação continuada, devido às necessárias mudanças ocorridas nas formas de ensinar e de aprender, vários cursos vêm sendo realizados, principalmente via Internet, a fim de capacitar os docentes a utilizá-las tanto na complementação da educação presencial quanto para oferta de cursos ou disciplinas exclusivamente a distância. Estes, tidos como cursos de educação continuada, muitas vezes, são realizados em serviço e buscam atender aos desejos dos professores em incluir novos meios de comunicação no trabalho docente. No entanto, verificamos que o índice de evasão nos cursos a distância é  relativamente  alto, o que nos instigou a suspeitar das possíveis resistências dos professores do meio universitário em adotar os novos ambientes de ensino e de aprendizagem em suas práticas. 

Nesse sentido, nos propomos a investigar as causas da evasão e os fatores que contribuem para a permanência de participantes de cursos ofertados na modalidade de Educação a Distância (EAD) via Internet, a partir de um estudo de caso do Curso de “Tecnologia de Ensino a Distância Via Internet”, oferecido pela Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (EE / UFMG), que se constituiu em um curso de formação continuada de docentes universitários. Participaram dele 55 professores de diversas Escolas de Engenharia de Minas Gerais filiadas à Coalizão Minas de Escolas de Engenharia que solicitou e patrocinou a realização do mesmo. apesar das condições favoráveis ao funcionamento desse Curso, o índice de evasão, como foi de aproximadamente 50%.

            Ao investigar as causas da desistência no Curso de “Tecnologia de Educação a Distância Via Internet”, esta pesquisa busca confirmar ou não as suposições supracitadas e ainda encontrar outras pistas que poderão ser consideradas na organização de outros cursos de formação continuada de professores, via Internet, visando a um melhor aproveitamento e à elevação do número de pessoas concluintes do Curso.

 

2. O desenvolvimento da investigação

            A busca de informações sobre o Curso de “Tecnologia de Educação a Distância via Internet”, iniciada informalmente através de trocas de mensagens eletrônicas (e-mails) e de uma entrevista livre com um dos organizadores do mesmo, teve continuidade com a utilização de uma entrevista semi-estruturada, a qual, depois de transcrita e analisada, permitiu conhecer melhor o desenho do Curso, as dificuldades encontradas e as estratégias utilizadas para a motivação dos participantes. De posse dos dados sobre o Curso em análise, buscamos outras informações utilizando o arquivo das mensagens enviadas e recebidas pelos participantes e organizadores durante os dois meses e meio de realização do mesmo.

            Para prosseguir a investigação, elaboramos um questionário semi-aberto, que foi o primeiro instrumento para a coleta de dados junto aos participantes do Curso, sujeitos desta pesquisa. A elaboração do questionário implicou o desenvolvimento de uma página web, para facilitar o preenchimento e a devolução do mesmo, já que foi enviado para os participantes por e-mail, numa linguagem familiar a eles, utilizada pelo Curso em análise, ou seja o HTML (Hipertext Markup Language). O questionário foi exaustivamente testado para que não ocorressem falhas tecnológicas e para eliminar dúvidas quanto aos objetivos pretendidos com as perguntas. Os ajustes necessários foram feitos e, como se constatou que, em determinados computadores o questionário em HTML foi recebido de forma ininteligível, optamos em disponibilizá-lo também em WORD (linguagem normalmente usada na produção de textos utilizada pela maioria dos computadores disponíveis no mercado atualmente), seguindo anexado às mensagens enviadas, permitindo a opção de escolha, de acordo com a possibilidade do equipamento tecnológico de cada participante.

            O primeiro questionário foi composto de questões de múltipla escolha seguidas de espaço com indicação para o participante justificar a resposta, e no último tópico, enumerar, por ordem de importância, os motivos da desistência ou fatores que contribuíram para a permanência no curso. Este questionário buscou desvendar os seguintes tópicos:

-          Dados de identificação: sexo, idade, estado civil, formação, instituições de ensino superior onde leciona, função exercida e tempo de exercício no cargo, e carga horária semanal de trabalho;

-          Dados referentes ao curso: expectativas e motivos da inscrição, contribuição recebidas para a prática docente, atividades que mais contribuíram para a prática docente e dificuldades encontradas, forma de participação e forma escolhida para fazer as leituras do Curso, ou seja, leituras na tela ou no material impresso;

-          Motivos da desistência ou fatores que contribuíram para a permanência.

            O questionário foi enviado a todos os 55 inscritos no curso, concluintes ou não, provenientes de oito escolas de engenharia da capital e do interior de Minas Gerais, através do meio de comunicação usado durante a realização do curso, ou seja, o correio eletrônico (e-mail). Os endereços eletrônicos cedidos pela coordenação do curso permitiram o envio da mensagem a todos ao mesmo tempo, através de uma lista produzida para tal. A mudança ou desativação de alguns endereços impossibilitou o recebimento por todos, pois a mensagem de oito participantes retornou.

            Ao final de uma semana da aplicação do questionário conferimos o recebimento de 24 questionários, via Internet, totalizando 37 após o período de um mês. Conferimos a eficiência deste instrumento de coleta de dados em pesquisa, ou seja, aplicação de questionários, especialmente para professores universitários com experiências prévias no uso da Internet, como é o caso dos sujeitos desta pesquisa.

 

2.1. Os sujeitos da pesquisa

            Os 37 questionários recebidos foram devidamente apurados, tabulados e analisados. Coincidentemente, quase a metade (18) dos que o responderam compõem o quadro dos concluintes do curso e pertencem ao sexo masculino. Entre os 19 restantes, 9 eram mulheres. Instigados com estes resultados, elaboramos outros para grupos distintos de participantes: um só para as mulheres, outro para os homens concluintes e não-concluinte do curso.            

          A análise dos dados de caracterização dos sujeitos desta pesquisa, concluintes e desistentes do Curso de “Tecnologia de Ensino a Distância Via Internet” indica a existência de algumas relações dos mesmos com as causas da evasão e os fatores que contribuíram para a permanência dos participantes.

Na tabela abaixo separamos os grupos de concluintes e desistentes, divididos por faixa etária e por gênero, conforme segue:

Tabela 1 - Divisão do n.º de participantes da pesquisa por gênero e por faixa etária

            Agrupados por faixa etária, constatamos que, entre os participantes dos grupos I (31 a 40 anos) e II (41 a 50 anos), houve uma inversão: enquanto no grupo I, 10 professores concluíram o curso e 6 desistiram, no grupo II, 6 concluíram e 11 desistiram. Daí, poderíamos suspeitar que a questão da idade tivesse influência na permanência ou na desistência dos participantes no Curso, considerando que os que pertencem à faixa etária menor apresentaram resultados satisfatórios para a certificação, ou seja, o maior percentual de aprovados encontra-se na faixa de 30 a 40 anos de idade. No entanto, o grupo III (participantes com mais de 50 anos de idade), embora seja uma pequena amostra (4 sujeitos), não trouxe esse indicativo, pois apresentou um equilíbrio entre os desistentes e concluintes do Curso, ou seja, a metade dos participantes do grupo com mais de 50 anos de idade concluiu o curso, e a outra metade, não.

            De um modo geral, os participantes que concluíram o Curso pertencem ao sexo masculino, sendo que a maioria está na faixa etária de 31 a 40 anos, é casada, trabalha mais de 40 horas semanais, tem doutorado, 10 a 20 anos de experiência em docência no ensino superior e pertence ao quadro de docentes da Escola de Engenharia da UFMG.

            Por outro lado, os que não concluíram apresentaram características mais heterogêneas: estão praticamente equiparados os números de homens e mulheres, podendo ser estes casados ou não; trabalham de 30 a 40 horas semanais ou mais; têm de 41 a 50 anos de idade; possuem como graduação máxima desde cursos de especialização, até mestrado ou doutorado; têm de 10 a 20 anos de tempo de magistério no ensino superior; e trabalham em instituições diversificadas como públicas ou particulares, do interior ou da capital do Estado de Minas Gerais.

            Quanto à graduação dos concluintes (tabela 2), constatamos que há maior concentração de doutores entre os concluintes do grupo I e é justamente neste grupo que está a maioria dos professores pertencentes à UFMG.

TABELA 2 – Formação acadêmica dos concluintes e desistentes do Curso

            Em relação à carga horária de trabalho semanal dos participantes do Curso (tabela 3), verificamos que ela é superior a 40 horas para a maioria dos concluintes e dos não concluintes, mas, de um modo geral, os professores que concluíram têm uma jornada ligeiramente menor que a apresentada pelo grupo de evadidos. Nota-se que a jornada de trabalho do professor universitário é grande e que, possivelmente, compromete o seu investimento na sua formação continuada e em serviço.

            Portanto, as características dos concluintes e os evadidos do Curso não são uniformes, principalmente no que diz respeito a gênero, faixa etária e formação acadêmica; existem, porém, algumas semelhanças, quanto ao tempo de docência no ensino superior e à carga horária semanal de trabalho.

TABELA 3 – Carga horária de trabalho semanal dos concluintes e desistentes

            Quando se põe em evidência o tempo de serviço, observa-se que mais de 64% dos 37 participantes estão na faixa entre 10 e 20 anos de magistério superior; destes, aproximadamente a metade concluiu e a outra parte  desistiu. Entre os participantes que têm menos de 10 anos e os que têm mais de 20 anos de experiência no magistério superior, exatamente a metade concluiu o Curso e a outra metade desistiu. Portanto, os dados sugerem que o tempo de serviço, ou seja, o fato do professor estar no início, meio ou final de carreira de magistério no ensino superior, não influenciou na conclusão ou desistência deste Curso, em particular.

 

3. Evasão e permanência no Curso em foco: o esperado e o constatado

            Entre os dados coletados, um dos fatos que nos causou grande surpresa foi o comportamento das mulheres: todas que participaram desta pesquisa, respondendo ao primeiro questionário (tabela 1), não concluíram o Curso.

            Empiricamente, podemos verificar que na área das Ciências Humanas, o sexo predominante no corpo docente é o feminino, enquanto na área das Ciências Exatas, à qual pertencem os professores sujeitos desta pesquisa, predomina o sexo masculino. Observamos também que as mulheres vêem ampliando seu campo de trabalho, ingressando em áreas onde, até então, não haviam penetrado, com persistência no que se propõem a realizar, demonstrando desempenho compatível aos parceiros do sexo oposto.

            Foi possível perceber que a boa qualidade do material e do sistema de comunicação foram determinantes em levar os participantes à conclusão de cursos a distância. Conferimos estes fatores ao analisarmos o material do Curso, as opiniões dos participantes apresentadas na lista de discussão, durante a realização do mesmo, e os depoimentos colhidos por meio dos demais questionários aplicados.

            Surpreendentemente, pois não havíamos levantado esta suposição, a causa da desistência do Curso, citada pela maioria dos participantes desistentes e também por alguns concluintes, como fator dificultador da realização das tarefas, tanto por homens quanto por mulheres, foi, unanimemente, a falta de tempo. Vários usaram, explicitamente, tal expressão em primeiro lugar, seguida de falta de condições de estudo em casa, falta de ambiente no local de trabalho, desorganização pessoal, problemas técnicos e não atendimento às expectativas.

            A literatura pertinente contribuiu para levantarmos novas suspeitas a fim de desvendar as causas da evasão que estão ocultas atrás da simples e ingênua justificativa de falta de tempo. Prosseguindo nas investigações, foi possível relacionar a questão da falta de tempo ao “fator novidade” pois movimentar-se no novo espaço e ajustar-se à nova temporalidade advinda do ambiente da internet demanda aprendizado e organização pessoal (Azevêdo, 1998).

            É de consenso popular, e também foi apontado pelos sujeitos de nossa pesquisa, que “tempo é uma questão de prioridade”, portanto, atrás dessa justificativa dada pelos professores ao abandonarem o Curso, podem estar outras causas não reveladas. Ora, se o Curso havia sido criado atendendo às suas solicitações, ou seja, aos seus desejos e às suas necessidades, não estaria esta falta de tempo revelando uma certa resistência a um “novo”, desconhecido e indefinido mundo virtual, acessado pela Internet?

            Por outro lado, seria falho atribuir as causas da evasão e os fatores que contribuem para a permanência em curso de EAD como sendo de responsabilidade exclusiva dos cursistas. Numa proposta construtivista, compatível com as atuais condições tecnológicas, compete aos organizadores de programas de EAD a criação de um ambiente favorável à comunicação interativa. A avaliação sobre os cursos deve ser uma prática constante, através da reflexão sobre as ações desenvolvidas, para que ocorram as alterações durante o processo, sempre que necessárias, no sentido de incluir o outro e evitar a evasão do mesmo (Corrêa, 2001).

 

4. Considerações finais

             O espaço virtual demanda uma adaptação e uma nova organização temporal e espacial para que os alunos se comprometam com os estudos, dedicando-se aos cursos a distância como tradicionalmente vem ocorrendo nos presenciais, embora em ambas as modalidades esteja presente o fenômeno da evasão.

            Obtivemos pistas plausíveis de serem investigadas, como a questão de gênero e o uso das novas tecnologias, considerando que todas as mulheres participantes dessa pesquisa não o concluíram, e algumas alegaram dificuldades em lidar com a Internet; a faixa etária e as habilidades em desenvolver trabalhos ou estudos via Internet; e principalmente, a questão da falta de tempo ou do tempo do professor universitário para investir em sua própria formação continuada.

            Consideramos que o uso das novas tecnologias na educação, tanto presencial quanto a distância – para Lévy (1999), torna-se cada vez menos pertinente a distinção entre ambas – possibilita ultrapassar os limites de tempo e espaço através da comunicação interativa. No entanto, deparamo-nos com o problema do aumento do tempo de trabalho letivo do professor, acrescido do volume de trabalho demandado para o preparo de materiais, pelo atendimento aos alunos e pela participação no espaço virtual, agravado ainda pela pouca velocidade e falhas na conexão em redes. Estes últimos serão abrandados através dos avanços tecnológicos que garantirão maior velocidade e estabilidade nas conexões. Mas, quanto aos primeiros, deverão ser pauta de reivindicações da classe docente, pois ainda não está definida a forma de remunerar e computar este trabalho, que ultrapassa o tempo e esforço do professor tradicional.

            A resolução dos problemas relacionados aos equipamentos tecnológicos em si não garante a superação dos obstáculos à permanência dos participantes de cursos a distância. Aprender a lidar com a informática e usá-la na preparação e transmissão de materiais são domínios adquiridos com menor dificuldade se compararmos com o processo cognitivo, social e cultural que envolve o processo de aprendizagem colaborativa em rede.

            Portanto, a apropriação dos processos tecnológicos será mais adequada se ocorrer juntamente com a formação pedagógica, para que o professor esteja capacitado a manter uma postura reflexiva no processo educativo. Iniciativas como a realizada por meio do Curso de “Tecnologia de Ensino a Distância” são importantes neste momento de mudanças, de adaptação a novas formas de ensina e aprender e de avanço tecnológico. Mas, é desejável que o preparo do professor para o exercício da docência, no atual contexto, comece na formação inicial e continue ao longo de sua carreira. Isto será favorecido se este profissional estiver conectado em rede, socializando experiências e com prontidão para rever antigos conceitos e práticas.  

        

5. Referência bibliográfica

AZEVÊDO, Wilson. Muito além do jardim de infância: o desafio do preparo do aluno e do professor, 1998. http://www.widebiz.com.br/gente/azevedo/ead100.html (Acessado em 23/07/2000)

CORRÊA, Juliane. Educação a distância democratiza o ensino no Brasil. Informativo da Educação. Belo Horizonte, Fumarc, janeiro de 2001. p. 3 - 4.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente: implicações na formação do professor e nas práticas pedagógicas. Em Aberto, ano 16, n.º 70, abr/jun 1996.



[i] O presente trabalho foi realizado com o apoio da CAPES, entidade do Governo Brasileiro  voltada para a formação de recursos humanos.