UMA
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO COLABORATIVO
EM DISCIPLINA DE PÓS-GRADUAÇÃO À DISTÂNCIA
Ana Cristina Lima Santos Barbosa
Universidade Federal de Juiz de Fora
anacris@desenho.ufjf.br
Resumo
Este artigo
apresenta uma estratégia metodológica de trabalho colaborativo vivenciada na
disciplina “Teorias de Aprendizagem e Educação à Distância”, do curso de
Especialização “Gestão em Educação à Distância”, oferecido pela
Universidade Federal de Juiz de Fora. São descritas as atividades desenvolvidas
no curso, bem como as impressões dos estudantes acerca dos procedimentos
metodológicos. Ao final, são listadas algumas considerações acerca do
desenvolvimento de atividades colaborativas, a partir das experiências
vivenciadas no curso.
1. Introdução
Estar conectado
à Rede significa, em termos práticos, ter acesso a um conjunto de informações
em constante desenvolvimento, pois uma das plataformas mais importantes dos últimos
anos chamada WWW (ou simplesmente Web), funciona como uma espécie de repositório
mundial de informações.
Porém,
existem vários ambientes virtuais que além de servirem de repositórios,
promovem relacionamentos colaborativos capazes de gerar e manter grandes volumes
de informação. Listas de discussão, fóruns, notícias (news)
podem ser considerados como alguns dos precursores destes ambientes, já que,
atualmente, o nível de colaboração de um dado ambiente está intrinsecamente
relacionado com o modelo de interação que ele utiliza.
As
possibilidades de uso das redes como suporte à colaboração tem levado, muitas
vezes, ao equívoco de se entender a colaboração como uma conseqüência
natural da inter-conexão, ou de acreditar que listas de discussão e correio
eletrônicos por si só são capazes de promover mudanças substanciais nas relações
de ensino-aprendizagem, ou mesmo, de imaginar que as redes carregam algum
esquema auto-explicativo para poder usá-las. Por tal motivo, é muito
importante que a colaboração seja entendida como uma atitude que deve ser
gerada, amadurecida e, em geral, ensinada e avaliada.
Colaboração
tem se tornado um assunto tão relevante em sistemas de informação que
atualmente existem pelo menos duas grandes áreas de interesse que congregam
especialistas diversos interessados no assunto: CSCW (Computer-Supported
Cooperative Work) e CSCL (Computer-Supported
Collaborative Learning).
Vários
autores reconhecem a importância da colaboração para o desenvolvimento
cognitivo dos estudantes (Arriada &
Ramos, 2000). Baseados nas diversas contribuições de teóricos
cognitivistas, a aprendizagem entende-se como um processo de interação social,
seja na forma representada pelo processo de interiorização propiciado pela
“Zona de Desenvolvimento Proximal” (Vigotsky,
1987) ou através do construtivismo social, que reconhece na mente do indivíduo
a capacidade de construir modelos da realidade mediante comunicação e negociação
(Casas, 1999).
Sobre
tais fundamentos, metodologias de trabalho colaborativo, como o desenvolvimento
de projetos e a educação pela pesquisa, têm sido utilizadas com mais freqüência
para seu uso em ambientes virtuais de aprendizagem colaborativa. Neste sentido,
algumas contribuições metodológicas como aquelas citadas anteriormente, devem
também reconhecer o novo contexto que as redes incorporam.
Neste
trabalho, apresentamos uma experiência de trabalho colaborativo vivenciada na
disciplina por mim ministrada “Teorias de Aprendizagem e Educação à Distância”,
do curso de Especialização “Gestão em Educação à Distância”,
oferecida Universidade Federal de Juiz de Fora.
A
disciplina foi oferecida em julho/agosto de 2002 - 3º módulo - totalmente à
distância, no período de 30 dias para um público alvo bastante heterogêneo
de 56 alunos, de diversas partes do país.
2. Estrutura física
do curso
A
disciplina contou com o ambiente virtual do curso (http://agrosoft1.locaweb.com.br/cursogestao),
um ambiente virtual (http://www.pro.ufjf.br/ear/dcc17005.nsf) e um site, próprios
da disciplina (http://www.pro.ufjf.br/gestaoead).
O
Ambiente virtual do curso oferece toda a estrutura administrativa (dados
cadastrais, relatório, calendário arquivo), acadêmica (dicas, pesquisa,
disciplinas, biblioteca, roteiros de aula) bem como ferramentas de interação
(e-mail, chat e fórum).
O
ambiente virtual da disciplina - desenvolvido por pesquisadores Departamento de
Fundamentos de Projeto (PRO), onde me encontro lotada -
consiste em um conjunto de quadros programados para centralizar todas as
atividades da disciplina. Caracteriza-se por ser um ambiente assíncrono e
orientado à criação e postagem de documentos. A participação dos membros do
grupo é feita essencialmente através do menu, o qual possui uma série de
links (home, apresentação, atividades recentes, ajuda, a sala virtual, estatísticas
de interação e Biblioteca Digital do PRO). A sala virtual é o ponto central
do ambiente e nela podem ser criados os diversos tipos de documentos que cada
atividade exige. No ambiente foram consideradas as seguintes atividades básicas:
·
Discussão:
espaço para debate, formular perguntas e apresentar sugestões;
·
Links:
espaço para incluir endereços Web, fomentando a pesquisa;
·
Mural:
área para deixar recados à comunidade.
·
Material:
espaço para disponibilizar arquivos de interesse do grupo de trabalho.
·
Lista dos membros:
lista de todos os membros devidamente registrados no espaço virtual.
·
Mensagem:
janela para se compor mensagem interna a ser enviada para um membro específico
da comunidade, para o professor ou para todos os membros.
A página
Web da disciplina disponibiliza todo o material didático disponível para
donwload, além de links sobre o conteúdo para navegação.
Como
os textos-base eram longos e a duração da disciplina contava com curto espaço
de tempo, os alunos receberam este material também impresso, pelo correio, a
fim de se agilizar as atividades e diminuir os custos para os alunos.
3. Estratégia
metodológica
O
conteúdo da disciplina “Teorias de aprendizagem e EaD” foi estruturado em 5
capítulos, quais sejam: comportamentalismo, construtivismo, sócio-construtivismo,
cognitivismo e teorias de aprendizagem e EaD.
Foram
elaboradas quatro atividades, sendo três em grupo e a última, individual. O
tempo médio para cada atividade foi de seis dias corridos e elas eram
informadas paulatinamente, isto é, o estudante só tinha conhecimento da
atividade seguinte na data de entrega da atividade anterior.
Os
quatro grupos foram formados com 14 estudantes cada um, divididos pela ordem
alfabética da lista de matriculados. Cada grupo ficou a cargo de uma teoria de
aprendizagem: grupo 1 – Comportamentalismo; grupo 2 – Construtivismo; grupo
3 – Sócio-construtivismo; grupo 4 – Cognitivismo.
As
atividades foram construídas de forma que cada grupo dependia do cumprimento
das atividades dos outros grupos para prosseguir as tarefas. Assim, foi alertado
que cada atividade era imprescindível para a seqüência do curso. Se um grupo
não desenvolvesse sua atividade até o prazo limite, os outros colegas ficariam
prejudicados, pois não conseguiriam desenvolver a atividade seguinte.
Na
ATIVIDADE 1, cada estudante deveria ler apenas o texto referente à teoria de
seu grupo. (atividade individual). Em seguida, cada equipe deveria fazer: a) uma
sinopse de, no máximo, três páginas sobre a teoria pedagógica referente ao
tema de seu grupo; b) preencher a linha respectiva à sua teoria na tabela 1,
apresentada abaixo (atividade colaborativa, em grupo).
A sinopse da teoria e a linha respectiva da tabela 1 preenchida deveriam
ser disponibilizadas na sala de aula virtual no link “material”, por um dos
membros do grupo, a fim de que os outros grupos tivessem acesso.
Tabela 1
Ao
final da atividade 1, todos os estudantes tinham à sua disposição a sinopse
das quatro teorias de aprendizagem e um quadro comparativo entre elas.
As
ATIVIDADES 2 e 3, também em grupo, consistiam
numa simulação de um “tribunal de julgamento”. As teorias de aprendizagem
eram os “réus”. Cada grupo seria, ao mesmo tempo, “advogado de defesa”
de sua teoria e “advogado de acusação” das teorias dos outros grupos.
Como
advogado de acusação, cada grupo deveria elaborar três perguntas ou “acusações”
(atividade 2), para os outros grupos. Como advogado de defesa, cada grupo
deveria responder às acusações ou perguntas feitas a si (atividade 3).
Tanto
as perguntas quanto as respostas deveriam ser elaboradas de forma comparativa,
isto é, utilizando da característica de sua teoria para inquirir a teoria do
outro grupo.
Cada
grupo deveria defender “com unhas e dentes” a sua teoria. Portanto, quanto
melhor elaborada fosse a pergunta para os outros grupos adversários, maior a
possibilidade de sucesso para a defesa de sua teoria.
Na
segunda semana do curso, os grupos elaboraram as acusações e na terceira
semana do curso foi a vez das defesas.
Na
última semana do curso foi lançada a ATIVIDADE 4, esta individual. Após a
leitura de um texto sobre teorias de aprendizagem e EaD, cada estudante deveria
opinar sobre os prós e contras de uma ferramenta informática para o Ensino a
Distância, já eleita para ele trabalhar. Foram indicadas oito ferramentas a
saber: correio eletrônico, fórum, newsgroup, chat, quadro de
avisos, vídeo-conferência, informação hipermídia (hipertexto, WWW) e upload
- também distribuídas por ordem alfabética da listagem de matrícula.
Desta forma, cada ferramenta foi analisada por sete alunos.
O
procedimento de interação entre os grupos ficou a critério dos mesmos, à
escolha dos que eles se sentissem mais confortáveis. Poderia ser usado qualquer
tipo de ferramenta da Web (e-mail, groupware), ou as ferramentas disponíveis
nos ambientes da disciplina (fórum, caixa de mensagens) ou do curso (correio e chat).
A ressalva era que o professor deveria ser incluído como destinatário em
qualquer mensagem enviada ou em qualquer groupware criado, para que ele
pudesse monitorar as atividades.
Não
foi adotado sessões síncronas (chat) como atividade obrigatória, por
se considerar que a heterogeneidade e o elevado número de alunos inviabilizava
um processo produtivo. O chat foi usado entre cada grupo, quando este
sentiu necessidade.
As
tarefas eram entregues, disponibilizadas no link “Material” do site
da disciplina pelo próprio grupo, ficando, assim, visível a todos e disponível
para download.
Ao
final de cada semana, todas as interações eram rastreadas para formar os
documentos “Frases da Semana” e “Impressões da semana”.
Nas
“frases da semana” eram selecionados registros significativos dos estudantes
sobre o conteúdo estudado, acompanhados da foto do autor, capturada nos
arquivos do curso, como mostra o exemplo abaixo:
“Sabe
qual é a melhor metodologia? É aquela que melhor atender aos objetivos
educacionais, por isso é preciso você conhecer bem a metodologia que
norteia o ‘projeto pedagógico’ da instituição que você está
trabalhando”. “Fulano de tal”, em 22/07/2002,
10:48:18 pm – via fórum |
Cabe
registrar alguns comentários acerca desse procedimento:
“Foi
super-legal ver os colegas e relembrar o que eles disseram. É isto aí, estamos
crescendo como uma grande turma.” [Aluno V], em 31/07/2002, 09:00:53 am –
via fórum.
“Aprendi
mais uma. A motivação e valorização da fala através do reforço positivo.
Gostei de me ver e de ver os colegas nas fotos!” [Aluno X], em 31/07/2002,
12:09:58 am – via fórum.
Nas
“Impressões da Semana” era apresentado aos alunos uma espécie de avaliação
das atividades e do curso em si, a
fim de que todos tivessem uma visão global da disciplina, bem como do que
ocorre na EaD. O objetivo era fazer um exercício de análise de como as coisas
podem acontecer quando eles também forem trabalhar a EaD com seus alunos, com
uma equipe do trabalho ou com qualquer outro grupo virtual. Ao ler o documento,
o aluno poderia opinar, se quisesse, registrando também a sua impressão.
Em
“Impressões da Semana I”, por exemplo, foram registrados: um balanço de
alunos matriculados e alunos freqüentes; reflexões acerca da “ausência
virtual”; análise das habilidades adquiridas no uso das ferramentas informáticas
para a realização das tarefas; as dificuldades e as soluções encontradas.
entre outros.
Na
segunda semana, após a primeira vivência de atividade em grupo – tanto da
disciplina como do próprio curso – os estudantes já dominavam as ferramentas
informáticas e desenvolviam suas atividades com mais desembaraço. Em
“Impressões da Semana II” o destaque foi para o nascimento de uma
verdadeira comunidade virtual. Através das atividades colaborativas,
desenvolveu-se um relacionamento virtual onde os sentimentos eram quase que palpáveis.
Com isso, tinha-se a sensação de que todos já se conheciam como que
presencialmente. Foi realmente impressionante! Era possível captar os ânimos e
assim, poder ajudar, confortar e até mesmo “brincar” uns com os outros.
Foram registrados neste documento: dedicação, impaciência, angústia,
otimismo, ocupação, satisfação, alívio, sufoco, ânimo, incentivo, discrição,
organização, espírito de equipe, interesse, disposição, ponderação,
desespero, animação, boa vontade, indignação, persistência, alegria, doação
e preocupação.
Estes
registros foram criados a partir das próprias falas dos alunos –
naturalmente, sem identificá-los - e ilustrados conforme alguns exemplos
abaixo:
DEDICAÇÃO “...
precisei viajar e ficar dois dias fora e hoje, sábado, estou lendo
algumas coisas para tentar contribuir para o trabalho e com o grupo.
Pretendo dar uma virada de noite e apresentar alguma coisa ao grupo amanhã,
domingo.” Em 28/07/02, 01:18 – via e-mail |
SOLIDÃO “Fiquei
no ar ontem o dia todo e hoje até de madrugada e
não encontrei ninguém pra conversar sobre o trabalho. Não
sei o que aconteceu!” Em 29/07/02, 10:51 – via e-mail |
ALÍVIO “Como
vão depois do corre-corre? Me parece que estão dando uma trégua,
heinnnnn!!!!! Mas, vem mais trabalho aí pela frente. Já viram a proposta
do TRIBUNAL – ATIVIDADE 02???” Em 30/07/02, 15:44 – via e-mail |
INCENTIVO “Estamos esquematizando o desafio 2. Já
temos as coisas ±
arranjadas. Não esqueçam de ir no ambiente de discussão.
Colegas que ainda não se manifestaram, estamos esperando por vocês,
temos muito o que aprender juntos!!!” Em 31/07/2002, 06:01:32 pm – via fórum |
DESESPERO “Estou
perdidinha neste novo ambiente... num estou conseguindo encontrar os
textos... Você não me responde... vocês viram que aceitei responder as
acusações da pergunta 3???”Em 01/08/2002, 09:37:53 am – via fórum |
Na “Impressões da Semana III” foi possível, também a partir dos
registros nos ambientes da disciplina e da experiência vivenciada, formular
algumas considerações acerca de atividades colaborativas em ensino à distância.
Tais considerações são apresentadas, a seguir.
Sobre
este procedimento, registrou-se os seguintes comentários:
“Depois
de ler a mensagem "Impressões 3", não posso deixar de me manifestar.
Isto porque me identifiquei, pois eu também vivi esta emoção de
"sentir" o clima do curso. Em uma primeira experiência em EAD, estou
ficando admirando com o quanto é possível, mesmo no contato à distância,
trabalhar bem em equipe e ainda sentir o calor humano dos colegas”. [aluno Y],
em 06/08/2002, 21:29:16 – via fórum.
“Estes
lembretes são retratos vivos da experiência que estamos vivendo, e temos
consciência do quanto estamos evoluindo. Parabéns a todo o grupo, começamos
devagar (quase parando) e estamos com carga total; isto demonstra nossa força
de vontade e a paciência dos professores que estão nos acompanhando. Ainda
temos um caminho a frente mas somos conhecedores de nossa capacidade. Parabéns
a todos, e o aviso com os desenho ficou uma graça”. [Aluno Z], em 07/08/2002,
16:05:23 – via fórum.
Ao
final do curso, foi solicitado a cada estudante uma avaliação do seu grupo e
uma auto-avaliação.
4. Considerações
acerca de atividades colaborativas à distância
4.1. Sobre a frequência
do curso
Em
um curso virtual, existem muitas razões que podem justificar a ausência de um
aluno: problemas de saúde; problemas de acesso à Internet ou à página do
curso... Porém, essas ausências ou atrasos acarretam uma série de problemas a
todos:
ü
a si mesmo:
“Estou realmente perdido e, sinceramente, para um curso EaD, os prazos
são exíguos. Estou na chuva mesmo...” – e-mail enviado em 22/jul/2002;
ü
aos colegas:
“Como faremos a interação para o desafio se todos os componentes
ainda não fizeram a inscrição?” - e-mail enviado em 22/jul/2002;
ü
ao professor:
Qual o motivo da ausência ou não interação do aluno? É um problema
com o aluno, como o professor, o curso não motiva, problemas técnicos... ????
Sem saber a raiz do problema, como solucioná-lo?
Por
isso, é muito importante para “o professor” pensar muito, antes de tomar
alguma atitude, para que ela não seja injusta ou precipitada. É importante
também que “o aluno” se conscientize das suas responsabilidades: com ele
mesmo, com os colegas e com o professor. Deve-se sempre ter em mente que Ensino
a Distância é diferente de Ensino Presencial em mil aspectos e requer novas
atitudes, novos hábitos... de todos.
4.2. Sobre a adaptação
às novas tecnologias
A
Rede proporciona uma série de opções para comunicação virtual: e-mail, chat,
newsgroup, etc. Mas, geralmente, estamos mais acostumados à comunicação
assíncrona e um-a-um (e-mail).
Em
um curso a distância, pode ocorrer problemas de acesso:
“Tentei
acessar as aulas do módulo e não estou conseguindo, a informação é que não
se consegue localizar o arquivo no servidor.” – e-mail enviado em
22/jul/2002.
A
dificuldade de acesso não deverá nunca ser empecilho para o aluno “freqüentar”
o curso. No exemplo, o aluno não conseguia acessar a sala virtual.
Provavelmente foi um problema em seu PC (e não do site) uma vez que os outros não
tiveram este problema. Uma solução seria ele interagir com todos por e-mail,
até que o problema fosse resolvido. Mas ele deve incluir o professor na lista
de destinatários, para que ele possa observar as atividades desse aluno.
Outro
dado é a familiarização com as ferramentas:
“Já
me inscrevi, mas não estou achando o documento ‘Apresentando a
comunidade’” – e-mail enviado em 28/jul/2002.
Somente
depois que nos familiarizamos com as ferramentas, conseguimos otimizar os
trabalhos. Isto é tão óbvio, que cabe ao professor “aguardar” até que as
interações comecem a fluir normalmente. Esse momento não dura mais que duas
interações, na maioria das vezes. Mas cabe ao aluno não se irritar ou
desanimar. Em um curso a distância, não se justifica “se acostumar” só
com um tipo de ambiente ou com um tipo de meio de comunicação.
Quando
nos deparamos com atividades em grupo... se presencialmente é difícil,
virtualmente é muito mais:
“Minha
preocupação é a construção coletiva do texto. Você tem alguma dica da
melhor forma?” – e-mail enviado em 22/jul/2002.
Dominando
as ferramentas, começamos a descobrir a melhor forma de usá-las:
“Apenas
à guisa de opinião, acho que devíamos usar o link ‘Material’ apenas para
entregar a versão final de nossas atividades. Esse ambiente parece estar
destinado a ser um repositório para nossos trabalhos, e se fizermos a discussão
(todas as versões) através dele, ficará muito carregado, vocês não
acham?” – e-mail enviado em 28/07/2002.
4.3. Sobre a
escolha de procedimentos metodológicos com os novos meios
As
opções de comunicação para o trabalho em grupo devem ser definidas pelo próprio
grupo, e não pelo professor. Afinal, eles é que estão interagindo e sabem o
que é mais confortável para eles:
“Sugiro
que cada um de nós, após realizar alguma tarefa, as envie por e-correio para
os demais, sem ser pela página do curso. Acredito que essa troca será eficaz
para conseguirmos findar nosso trabalho.” – e-mail enviado em 23/07/02.
Nada
impede que uma ferramenta seja adaptada. Nesta experiência, dois alunos
promoveram um “chat assíncrono” através do fórum na sala virtual:
“Acho
que, sincronicamente falando, estamos no mesmo local e ao mesmo tempo!!???!!!”
– “É, cara, estamos real time mesmo, já percebi isso. Concordo com você,
mando a sinopse e você manda a tabela. Como obteremos a concordância da
galera? Tem mais alguém por aqui?” - dia 07/28/2002
das 10:43:22 pm até 07/27/2002 às 12:01:49 am, com 16 mensagens.
4.4. Sobre o
planejamento do curso
É
imprescindível que o professor tenha o seu curso delineado previamente, para
que os alunos possam se organizar... tipo de tarefas, prazos definidos, etc.
Isto não significa que não possam ocorrer alterações. Entretanto, é mais fácil
alterar do que inventar:
“Teremos
outras atividades com este mesmo grupo? Pergunto pois gostaria de contatar meus
colegas e definir a melhor forma de trabalharmos, seja no ambiente oferecido ou
talvez criando um grupo de discussões. Neste caso seria válido caso tenhamos
outras atividades no mesmo grupo” – e-mail enviado em 20/07/02.
É
natural que, em se tratando de experiências novas, os objetivos propostos
comecem a aparecer lentamente. Observamos que na primeira semana do curso
tivemos apenas três debates sobre o conteúdo propriamente dito (as teorias de
aprendizagem), e algumas questões não foram discutidas pelos colegas
A
maioria das interações na primeira etapa do curso se voltaram para ‘como
construir coletivamente um texto?’:
“Acho
ótima a idéia e ontem andei analisando o que recebi sobre a tabela e
conjugando as idéias. Acho que estamos todos caminhando no mesmo rumo e as
respostas estão muito parecidas. Eu estou me dispondo a organizar o que já
temos e enviar a tabela depois de enviar a todos e obter um Ok. Até agora
recebi 3 tabelas, fora a minha, sendo que uma eu não consegui acessar porque
está no yahoo grupos e não consegui abrir. Acho que para terminar este
trabalho eu precisaria disponibilizar o trabalho até as 15:30 para que todos
pudessem me dar o Ok e eu enviar para a professora. E aí, combinado?” –
e-mail enviado em 29/07/02.
O
delineamento prévio do curso assegura, antes de tudo, segurança, tanto para o
professor como para o aluno. Deve-se ter o cuidado de não formular “missões
impossíveis”! Os prazos são o termômetro. Sem prazos... sem compromisso!
“Aguardar
os momentos”, como já foi dito anteriormente, é fundamental para todos.
Nesta experiência, se o professor cobrasse um debate sobre o conteúdo da
disciplina na primeira semana, este seria improdutivo, uma vez que os colegas
estavam totalmente envolvidos em como otimizar o trabalho em equipe. Mas, ele
deve ter em mente que “o momento dos conteúdos” é o próximo passo, e
nenhuma questão deve passar em branco.
O
alcance de um objetivo pode ter vários caminhos. Nesta experiência, por
exemplo, a ausência de uma discussão sobre as teorias na primeira etapa não
significa que todos não “trabalharam”
o conteúdo. Muito pelo contrário. Por isso, o professor deve abrir os
horizontes! Aliás, além desse, outros objetivos estão sendo alcançados: a
aprendizagem da construção virtual e coletiva de texto, a aprendizagem em EaD
na prática...
4.5. Sobre a
postura no trabalho colaborativo
Em
um trabalho colaborativo, cada um é único, é humano e passa por
dificuldades...
“Pessoal,
será que alguém poderia me ajudar e me dizer o que está acontecendo? Tive mil
problemas por esses dias: perdi meu principal emprego, meu acesso estava com
problemas e outras coisas pessoais. (...) Estou tentando me situar no curso, mas
acho que estou ficando para trás. Praticamente preciso me logar em 3 lugares
diferentes para descobrir o que tenho de fazer (o ambiente inicial, o EAR e
nossa lista). Perante a tudo o que está acontecendo comigo nas últimas 2
semanas, tá difícil... (...) Eu peço, encarecidamente, a meus colegas que me
ajudem e me digam o que posso fazer, pois tudo o que vejo é uma chuva de emails
que eu leio e entendo "bulufas" do que está se passando. A [colega]
me falou que tenho um prazo para até hoje à noite para elaborar minha defesa,
mas como as coisas se organizam? Onde eu entro e sobre o que escrevo? Por favor,
me ajudem nessa fase ruim que prometo que daqui pra frente tudo será
diferente... Conto com vocês.” Em 08/08/2002, 13:23 – via e-mail
Por
o grupo reconhecer o outro como único, entende que ele é membro importante e
essencial ao grupo. Por isso, cabe ao grupo, ajudá-lo a superar os obstáculos,
para que todos caminhem juntos. O lema é "um por todos e todos por
um":
“Oi
[colega], estamos com você nesse barco! Você não tem do que se envergonhar.
Pelo contrário. Percebi que você acabou de entrar na sala virtual. Seja bem
vinda! Qualquer coisa nos avise. Ps. O [colega] está com problemas no
e-mail?” Em 07/08/2002, 01:27 – via e-mail
Em
um trabalho colaborativo, se cabe ao grupo socorrer cada membro, cabe a cada
membro se esforçar para merecer atenção. Os obstáculos não devem servir
de justificativa para a não realização de sua tarefa:
“Boa
noite pessoal. Acabei de chegar da viagem. Estou morto... Vou imprimir as
defesas, vou lê-las e amanhã cedo estarei a postos. O que precisarem, podem
contar. Parece que estão faltando algumas defesas. Como disse, vou ler as que
estão prontas, amanhã cedo envio outro e-mail. Estou disponível.” Em
10/08/2002, 21:44 – via e-mail.
Em
um trabalho colaborativo, é fundamental que as atividades sejam discutidas
em conjunto, ainda que as tarefas sejam divididas para sub-grupos. o todo só
será coerente se as partes estiverem afinadas, isto é, todos os membros devem
ter conhecimento e "colaborar" no desenvolvimento de cada parte do
projeto:
“[colega],
acrescentei dois pequenos tópicos entre seus parágrafos. Coloquei no ambiente
da Sala Virtual.” Em 08/08/2002, 14:00 – via e-mail
Em
um trabalho colaborativo, o reconhecimento do trabalho do colega é o
melhor incentivo para a realização das tarefas.
“Sua
defesa, para mim, está adequada pelo conteúdo que apresenta e pela forma como
relacionou os argumentos. Deu até para me inspirar...” Em 07/08/2002,
06:36:26 PM – via fórum
Em
um trabalho colaborativo, o grupo deve ser a referência e o ponto de apoio
de cada integrante.
“Pessoal,
estou enviando as perguntas/acusações enviadas para o grupo 3, que deverão
ser respondidas e postada até o dia 12/08. Seria interessante enviar para o
grupo as respostas antes de postar aqui no ambiente... Qualquer dúvida, entrem
em contato com o grupo.” Em 06/08/02, 10:16 – via e-mail
Em
um trabalho colaborativo, sábio será a chamada às responsabilidades,
mas sempre de forma respeitosa e gentil.
“E
aí galera do grupo 2, até agora somos três dispostos a trabalhar. E os
outros, cadê vocês? HELP,
HELP, HELP!!!!!!” Em
05/08/2002, 14:52 – via e-mail
Em
um trabalho colaborativo, a definição natural de papéis é de grande
valia para o desenvolvimento das atividades e, em geral, são aceitas com
respeito e satisfação. Em um grupo coeso, não se necessita de imposições
desta natureza.
“[colega],
sua participação tem sido fundamental para o sucesso de nosso grupo. Você é
uma líder que muito TEM NOS AJUDADO. Você tem clareado nossas dúvidas.
Obrigado. Conto com você nos próximos desafios. Vou refletir sobre minha
defesa e depois envio para vocês.” Em 06/08/2002, 20:04 – via e-mail
Em
um trabalho colaborativo, é importante o respeito ao grupo. Dar uma
satisfação sobre possíveis impedimentos na realização de sua tarefa, é
condição para que não se perca a confiança do membro. Mas, nem por isso, sua
obrigação deve ser negligenciada. "Antes tarde do que nunca".
“Tenham
um pouco mais de paciência comigo, pessoal, pois estou tendo uma semana dura no
trabalho e está faltando tempo para consolidar a defesa que me cabe. Mas
acreditem: Não vou falhar! Encaminharei o material logo, loguinho.
Desculpem-me, mas ainda não deu para fazê-lo.Um abraço.” Em 07/08/2002
06:36:26 PM – via fórum
Em
um trabalho colaborativo, as tarefas devem ser distribuídas de maneira a não
sobrecarregar ninguém. Desta forma, deve-se levar em consideração as condições
de trabalho de cada um e as condições do grupo como um todo. "democracia
acima de tudo":
“Bom
dia grupo, o importante é que temos uma tarefa a executar, portanto tem
trabalho para todos. Os que não participaram antes, junte-se a nós e vamos
trabalhar.”
Jorge
Luiz Costa, 06/08/2002, 10:13 – via e-mail
5. Conclusão
O
estilo digital engendra, obrigatoriamente, não apenas o uso de equipamentos
para a produção e apreensão de conhecimentos, mas também novos
comportamentos de aprendizagem, novas racionalidades, novos estilos perceptivos.
Características como simulação, virtualidade e acessibilidade às novas
informações demandam concepções metodológicas muito diferentes daquelas
utilizadas tradicionalmente no ensino, baseadas majoritariamente num discurso
científico linear e cartesiano.
Se
pensarmos na proposta de uma sociedade em Rede, com inteligência coletiva ou
distribuída, a Rede e os ambientes virtuais devem promover mais do que a
colaboração, pois a construção social do conhecimento envolve uma mudança
nas relações sociais que ela promove, exigindo modelos de interação com
projeções renovadoras muito mais complexas e com um alcance cada vez maior.
Se
pensarmos que, da mesma forma que aplicativos como editores de texto, gráficos,
planilhas, bases de dados, etc. abstraíram a maior parte das camadas menos amigáveis
da computação pessoal, a computação em Rede espera por idéias que explorem
seu potencial abstraindo a distância, a rota e o processamento da informação.
O
potencial da computação em rede está sub-explorado, e urge investir esforços
para se pensar a Rede na forma de novas aplicações para as redes sociais, os
coletivos e as instituições. Devemos entender a rede como a dimensão técnica
dos coletivos, e aí devemos incluir a educação: a EaR – Educação
Assistida por Redes – e a EaD – Educação a Distância – como a dimensão
técnica dos coletivos da educação. Trata-se de repensar o valor das redes
eliminando barreiras e hierarquias, encurtando a distância entre educadores e
educandos e, gerando as condições de uma validação do saber como produção
colaborativa.
A
colaboração abre um espaço de crescimento e valorização positiva para os
indivíduos, pois além de obter resultados diferenciados em relação com
aqueles obtidos mediante esforço individual, a relação entre os membros do
grupo opera sobre uma dependência construtiva em termos de valorização do
outro, que induz um cuidado e uma identificação coletiva dentro de uma rede
distribuída de dimensões mundiais.
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