A COMUNICAÇÃO TUTOR-ALUNO E DIFICULDADES DA PRÁTICA DOS TUTORES DE UM CURSO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL A DISTÂNCIA

Abril/2004

 

Maria de Fátima S. O. Barbosa
Universidade Estácio de Sá
fatimabarbosa@mls.com.br

Flávia Rezende
Universidade Federal do Rio de Janeiro/NUTES - UFRJ
frezende@nutes.ufrj.br

 

Tema: Educação a distância nos sistemas educacionais
Categoria: Educação Profissional

Esta pesquisa recebeu o apoio CAPES/PAPED– Programa de Apoio à Pesquisa em Educação a Distância.

Resumo:
Este estudo teve como objetivo investigar a prática dos tutores do Curso de Formação Pedagógica em Educação Profissional – Enfermagem do PROFAE, buscando responder às seguintes questões:  i) como os tutores se apropriam dos meios de comunicação para estabelecer a ação educativa a distância? ii) como se apropriam dos pressupostos pedagógicos do curso? iii) quais as principais dificuldades inerentes à sua prática? Os resultados obtidos pela aplicação de um questionário a uma amostra de 67 tutores e entrevistas com aluna, tutora e coordenadora indicaram que os meios de comunicação mais utilizados são telefone e correio eletrônico e que apesar de os tutores desempenharem diversas estratégias para fomentar a comunicação, muitas vezes o retorno do aluno é insatisfatório. Os tutores assimilaram os pressupostos teóricos do curso, fato que está representando a oportunidade de rever seu fazer docente e crescer profissionalmente.  Entretanto, enfrentam dificuldades próprias do processo educativo a distância, como por exemplo a falta da cultura de EaD, e do contexto da Educação Profissional, como por exemplo o pouco tempo livre do aluno para cumprir as atividades.

Palavras-chave:
Educação a distância; Educação Profissional; Prática de Tutores; Enfermagem.

 


1. O Contexto do estudo

As políticas públicas de saúde e as reformas recentes neste setor, financiadas por organismos internacionais de apoio aos países em desenvolvimento, foram o contexto para a implementação, em 1999, do Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (PROFAE). Esse Projeto está estruturado em dois componentes de atuação: o Componente 1 (Profissionalização e Escolarização) que se ocupa da formação profissional e da complementação do ensino fundamental dos trabalhadores em Enfermagem, e o Componente 2 (Conhecimento e desenvolvimento em Saúde) que tem como objetivo “impulsionar as condições que darão sustentabilidade à política de Educação Profissional na área de Saúde” (Torrez, 2001).  Neste Componente  é oferecido o Curso de Formação Pedagógica em Educação Profissional na Área de Saúde: Enfermagem (CFPE), em nível de especialização, dirigido aos enfermeiros que exercem a docência nos cursos oferecidos pelo Componente 1.

O CFPE é oferecido em todo o Brasil utilizando a modalidade de EaD, para graduados, pós-graduados e licenciados em Enfermagem, com carga horária prevista de 660 horas e com encontros presenciais entre tutor e aluno e provas presenciais. É coordenado pela equipe do Programa de Educação a Distância da ENSP-FIOCRUZ. O curso tem como objetivos suprir a necessidade urgente de formar professores especializados no campo da ação educativa na área de Saúde  (Enfermagem), ampliando e contextualizando a formação para a docência e oferecer uma alternativa de atualização para os docentes que almejam alcançar melhores níveis de qualificação profissional e autonomia, mediante a utilização dos meios tecnológicos de comunicação e informação. O CFPE privilegia o desenvolvimento de atitudes que além de contribuírem para uma formação crítico-reflexiva do aluno-enfermeiro-professor, poderão contribuir também para o desenvolvimento das competências sócio-políticas desse aluno.

Os objetivos do CFPE presumem a aprendizagem orientada para a cidadania, para a participação ativa e para o desenvolvimento do pensamento crítico. Para isso, o modelo pedagógico do curso utiliza a abordagem problematizadora como geradora de temas de discussões e debates entre o tutor e aluno e o grupo, consoantes com a prática cotidiana de um profissional de Enfermagem. A prática em Enfermagem deve ser orientada pelo comprometimento com o outro, com o social, contemplando um currículo aberto, com possibilidade de trocas entre os atores e deve orientar seus tutores-professores e alunos-professores para incentivarem a que o aluno seja sujeito de sua práxis pedagógica. (EaD/ENSP/Fiocruz, s/d).

Entre os recursos de comunicação utilizados, além do serviço postal, o curso dispõe de uma Linha 0800, fax e tem o apoio complementar de um site na Internet, ambiente para veicular informações sobre eventos e seminários, troca de informações entre alunos e tutores, contendo uma biblioteca virtual na qual os alunos têm acesso às notas, aos textos complementares dos módulos impressos e o Fale conosco. Este ambiente é acessado pelas senhas dos tutores, coordenadores e alunos. Existe ainda a extranet do qual são extraídos os relatórios, são feitas as inscrições, etc. O material didático do curso visa a apoiar as atividades pedagógicas do tutor e do aluno e foi desenvolvido por especialistas das áreas de Educação e Enfermagem que privilegiaram conteúdos programáticos que garantem estreita e concomitante relação entre teoria e prática.

A modalidade da EaD representa para os profissionais da saúde, uma alternativa viável de formação continuada, na medida em que eles não precisam se afastar de seu local de trabalho para estudar, fator de grande relevância para essa clientela, com múltiplos vínculos de trabalho (ENSP-Fiocruz, 2000).

Tendo em vista o caráter inovador do Projeto PROFAE, seja no que se refere à Educação Profissional na área de Enfermagem, aos princípios pedagógicos adotados no CFPE ou à utilização da modalidade de EaD por profissionais que estão desempenhando pela primeira vez o papel de tutores, é importante investigar a prática desses tutores no sentido de realimentar a própria implementação do Projeto.

 

2. A prática do tutor: funções e estratégias

Nos primórdios da EaD, quando os cursos eram oferecidos por correspondência, o ensino se inspirava no modelo fordista de divisão de tarefas, baseadas na transmissão de informação e calcadas no cumprimento de objetivos. O aluno estudava por módulos instrucionais, que tinham a função de ensinar e a figura do tutor era praticamente inexistente e sem muito valor, já que ele desempenhava apenas o papel de ‘acompanhante’ do processo de aprendizagem do aluno.  Esse modelo de ensino repercutiu muito negativamente na aceitação da EaD como modalidade porque eram identificados em seus processos os elementos de produção industrial do modelo fordista de produção em massa (Belloni, 1999).

A partir da década de 80, novas concepções pedagógicas de ensino e aprendizagem passam a influenciar projetos e programas na modalidade a distância (Maggio, 2001). A ênfase que era dada à transmissão de informação e ao cumprimento de objetivos foi substituída pelo apoio à construção do conhecimento e dos processos reflexivos, aparecendo a idéia de tutor como aquele que dá apoio à construção do conhecimento.

Segundo Belloni (1999), passam a coexistir, a partir de então, duas orientações teórico-filosóficas no campo da Educação e particularmente da EaD. O modelo antigo, baseado nos processos “fordistas” de ensino, e o modelo mais moderno, cujos objetivos e estratégias visam a se afastar do behaviorismo de massa em direção a um modelo mais aberto, flexível e humanista e menos tecnocrata (Belloni, 1999). Nesse percurso da EaD, a tutoria passa ser considerada como um dos fatores fundamentais para o bom desempenho do aluno.  Assim o tutor tem recebido diversas denominações, de acordo com as concepções pedagógicas do curso no qual ele está envolvido, tais como: orientador, professor, facilitador da aprendizagem, tutor-orientador, tutor-professor, e até mesmo animador de rede.  Entretanto, o perfil de tutor ainda não está completamente configurado e nessa indeterminação de funções, o professor é quem tem ocupado este lugar.  Belloni (1999) lista funções que o professor está assumindo para desempenhar o papel de tutor na EaD, tais como: Professor formador, que é aquele que orienta o estudo e a aprendizagem do aluno; Conceptor e realizador de cursos e materiais, que é aquele que prepara os planos de estudos, currículos e programas; Professor pesquisador, aquele que deve pesquisar e se atualizar em sua disciplina; Professor tutor, aquele que orienta o aluno em seus estudos; Tecnólogo educacional, aquele que organiza pedagogicamente os conteúdos adequados a cada suporte técnico; Professor “recurso”, aquele que deve providenciar respostas às dúvidas do aluno; e  Monitor, aquele que orienta e coordena grupos de estudo nas ações presenciais de EaD.

Garcia Aretio (2001) apresenta três tipos de funções para o tutor: a função orientadora, mais centrada na área afetiva, a função acadêmica, mais relacionada ao aspecto cognoscitivo e a função institucional, que diz respeito à própria formação acadêmica do tutor, ao relacionamento entre aluno e instituição e ao caráter burocrático deste processo.

A função orientadora se apóia nos processos de integralidade – orientação dirigida a todas as dimensões da pessoa; universalidade – orientação dirigida a todos os orientandos; continuidade – orientação durante todo o processo de ensino-aprendizagem (planejadamente); oportunidade – orientação nos momentos críticos da aprendizagem; e participação – todos os tutores devem participar do processo de aprendizagem do aluno matriculado em mais de uma disciplina na mesma instituição. Segundo Garcia Aretio (2001), existem instituições nas quais pessoas diferentes assumiriam as funções para a primeira e para a segunda função. Nestas instituições, a função orientadora estaria mais diretamente ligada ao que chamamos de tutor. Em outras instituições a mesma pessoa pode desempenhar os diferentes papéis acima. Mas, para desempenhar a função orientadora, o tutor deve realizar as tarefas apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1: Tarefas do tutor com função orientadora

  • Informar os alunos sobre os diversos aspectos que configuram o sistema de educação a distância.
  • Evitar que o aluno se sinta só, proporcionando o contato entre os atores envolvidos.
  • Familiarizar-se com a metodologia e com o uso de materiais e ferramentas disponíveis para o estudo.
  • Ajudar a clarear os objetivos de cada um, respeitando as diversidades e particularidades de cada aluno.
  • Estimular os alunos a fim de evitar a ansiedade.
    • Orientar o ritmo e intensidade do estudo do aluno quanto aos aspectos: necessidade e interesse, capacidades e limitações e dificuldade com a matéria do curso.
  • Conhecer bem seus alunos.
  • Incentivar a interação do grupo.
    • Propor diversas técnicas de trabalho, visando a facilitar a aquisição de conhecimentos e habilidades.
    • Comunicar-se pessoalmente com cada aluno (fazendo uso dos diversos meios de comunicação).
  • Averiguar a existência de problemas pessoais que possam interferir na aprendizagem.
  • Motivar e incentivar o estudo mediante diversos tipos de ações, apresentando tarefas que possam apresentar melhores resultados.

As tarefas do tutor podem ser desempenhadas presencialmente ou a distância. Segundo Garcia Aretio (2001), a modalidade Presencial visa a elucidar questões referentes às dificuldades de conteúdo e dúvidas na metodologia do curso. Os contatos presenciais podem ser individuais ou em grupos. Nestes encontros são resolvidas tanto as dúvidas relativas ao conteúdo e à metodologia do curso, quanto aos aspectos estruturais do curso, tais como provas, trabalhos acadêmicos a realizar, etc. Garcia Aretio (2001) alerta, porém, que nem sempre o aconselhamento pode ser feito por correio postal ou eletrônico dado que nem tudo pode ser expresso facilmente por escrito, uma vez que nem todos têm facilidade para redigir uma carta ou mensagem eletrônica.  O autor aponta o telefone como um meio recomendável já que permite uma relação imediata e interpessoal com a mesma rapidez com que a relação aconteceria numa sala de aula. Além de poder transmitir informações, resolver problemas pontuais, gerando idéias e reflexões (Garcia Aretio, op.cit), a tutoria por telefone em muitos casos é um meio de superar a sensação de solidão do aluno nesta modalidade de ensino, além de resolver dúvidas, dar/receber orientação, conectar oralmente tutor e aluno e, em casos específicos, evitar deslocamentos (viagens). A tutoria por telefone tem muitas das funções da tutoria presencial.

Uma vez adotada a modalidade de tutoria mais adequada para os objetivos de cada curso, o tutor deve elaborar suas estratégias de trabalho para incentivar, apoiar e manter seu tutorando ligado ao curso. Nesta perspectiva, Garcia Aretio (2001) aponta estratégias que o tutor deve desenvolver em sua prática para alcançar bons resultados com seu tutorando, tais como: planejar e organizar a informação e o contato com os alunos, motivar para iniciar e manter o interesse por aprender, ser claro quanto aos objetivos que se pretende alcançar, apresentar conteúdos significativos e funcionais para o aluno, solicitar a participação dos estudantes, ativar as respostas fomentando uma aprendizagem ativa e interativa, incentivar a auto-aprendizagem, potencializar o trabalho colaborativo, facilitar a retroalimentação, reforçar a auto-estima e respeitar a diversidade do grupo, promover a transferabilidade da aprendizagem e avaliar o progresso do aluno.

 

3. A Prática do Tutor do Cfpe

O CFPE pode ser visto como um modelo de EaD que apresenta em sua estrutura as características de transição do modelo fordista de ensino para o modelo mais flexível, dinâmico e descentralizado. Ao mesmo tempo em que utiliza materiais didáticos em larga escala, envolvendo uma equipe multidisciplinar na elaboração desse material, distribuídos para uma grande massa de usuários, tem uma proposta fundamentada na prática pedagógica crítica e reflexiva, mais humanista e menos tecnocrata de seus tutores, baseada numa relação dialógica que centraliza o processo de ensino-aprendizagem no aluno e na qual o papel do tutor é o de ser parceiro desse processo.

O modelo pedagógico do CFPE prevê que o desenvolvimento do processo pedagógico, mediatizado pelas atividades propostas, seja realizado “com apoio de tutoria, a distância e em momentos presenciais, tendo o aluno como centro do processo educacional e o movimento reflexão-ação como caminho na construção do conhecimento” (EaD/ENSP/Fiocruz, 2000). Esta prática pedagógica poderá contribuir para o enriquecimento das experiências dos alunos, substituindo a visão unilateral do tutor e se constituindo em estímulo e desafio motivador de aprendizagem e de incentivo à reflexão.

O CFPE prevê que, além da formação acadêmica, o tutor tenha um papel diferenciado para atender aos princípios pedagógicos do curso. Para tal, o tutor recebe uma formação inicial que é oferecida na Oficina de Tutores de modo a garantir sua preparação, e continuada, propiciada por espaços próprios que visam a incentivar a troca e construção de conhecimentos entre o grupo de tutores.

De acordo com os pressupostos pedagógicos do CFPE, o tutor deve capacitar seu aluno para que este possa ser gestor de seu próprio conhecimento, assim como dominar um conjunto de técnicas que lhe possibilite planejar seus estudos no que se refere à pesquisa, estruturação de carga horária semanal ou diária de estudo, agendamento dos encontros presenciais, etc. Este planejamento insere-se no âmbito da construção da autonomia desse aluno, que ao final do curso deve estar apto a: i) atuar como agente multiplicador de concepções de saúde compatíveis com os pressupostos do Sistema Único de Saúde; ii) disseminar uma maneira de cuidar que resgate a dignidade do usuário, que desperte sua consciência social e que respeite sua cidadania.

Em relação à dimensão da comunicação, o CFPE pretende estabelecer entre tutor-professor e aluno-enfermeiro-professor um diálogo criativo, viabilizado pelos meios de comunicação, de modo a tornar a ausência física uma presença quase real. Este diálogo se alicerça nos pressupostos de Freire (1997) nos quais a comunicação dialógica assume as perspectivas filosófica, social, antropológica e histórico-crítica.

O tutor do CFPE tem como tarefa formar professores-profissionais “que formarão, por sua vez, cuidadores de pessoas”. Isto exige dele compromisso ético que neste contexto é a responsabilidade social inerente a quem atua na área de educação, incluindo aí a adoção de relações pautadas no diálogo, no respeito, na justiça e na solidariedade (EaD-ENSP), haja vista que as situações-problemas que surgem como desafios para o profissional de saúde não podem ser resolvidos apenas com conhecimento técnico-científico. A prática em saúde requer ações que extrapolam o âmbito puramente científico no qual a utilização de métodos e técnicas seriam suficientes para dar conta dos resultados a alcançar. 

Neste sentido, o CFPE estabelece que a prática de seus tutores deve estar pautada em um conjunto de competências, que se baseiam nas competências humanas para a Saúde e que estão em sintonia com as funções do tutor, apresentadas por Belloni (1999), e estratégias do tutor, apresentadas por Garcia Aretio (2001).

Dentre suas atividades, o tutor deverá propor situações-problemas do cotidiano do aluno, cerne da metodologia do curso, corrigir os trabalhos apresentados, dar respostas às mensagens eletrônicas dentro da maior brevidade possível, providenciar as avaliações das atividades, registrar as avaliações do aluno no site do curso, estar presente (virtualmente) esclarecendo suas dúvidas, gerir a aprendizagem do aluno, estimulando-o a buscar informações,  formulando hipóteses, incitando-o à curiosidade. Essas ações não são pré-definidas e nem pré-modeladas, cada tutor fará seu próprio percurso, carregado de sua experiência como docente, de acordo com a necessidade do aluno e com a situação que ele enfrenta.

 

4. Metodologia 

O objetivo da pesquisa foi caracterizar a prática dos tutores do CFPE em diferentes contextos regionais de atuação, tendo como eixos as seguintes questões: i) Como os tutores se apropriam dos meios de comunicação para estabelecerem a ação educativa a distância? ii) Como se apropriam dos pressupostos pedagógicos do curso? e iii) Quais são as principais dificuldades enfrentadas?

Para compreender a prática dos tutores do CFPE foi elaborado um questionário cujas seções foram delineadas de acordo com as questões de estudo. Foram realizadas entrevistas com uma aluna, uma tutora e com uma coordenadora e a observação de uma oficina de acompanhamento do processo de implementação do Projeto para aprofundar os dados coletados com o questionário.  A soma dos resultados gerados por esses instrumentos irá compor um quadro amplo da prática dos tutores do CFPE,  possibilitando fazer interpretações e aprofundar questões específicas envolvidas na realidade estudada.

Uma amostra de 67 tutores (do total de 377) respondeu ao questionário de duas formas: (i) via correio eletrônico e (ii) via correio postal.  Os questionários respondidos foram analisados segundo critérios quantitativos e qualitativos. 

As entrevistas foram gravadas em fita K-7. A transcrição foi literal e todo o conteúdo foi analisado, seguindo as etapas de pré-análise, de exploração material e de tratamento dos resultados (Bardin, 1977). A fase de análise e interpretação dos resultados caracterizou-se pelas inferências e interpretações realizadas a partir do levantamento dos temas e categorias da análise de conteúdo. Para isso, foram considerados temas que exprimissem percepções dos tutores sobre a experiência de tutoria.

 

5. Resultados do estudo

5.1 A comunicação tutor-aluno

O telefone fixo é, sem dúvida, o meio mais utilizado pelos tutores para comunicação com o aluno, seguido do correio eletrônico, celular, fax e correios. Apesar da infra-estrutura do curso oferecer todos esses meios para que a comunicação se efetive, nem sempre os alunos respondem satisfatoriamente. O tutor do CFPE utiliza o telefone com o aluno tanto para tirar as dúvidas sobre as atividades do curso, quanto para  incentivá-lo a permanecer no curso e estabelecer uma relação imediata e interpessoal. Garcia Aretio (2001) aponta o telefone como um meio recomendável por ter muitas das funções da tutoria presencial, já que permite uma relação interpessoal com a mesma rapidez com que aconteceria numa sala de aula e também porque nestes contatos telefônicos podem ser resolvidos problemas pontuais, bem como podem ser geradas idéias e reflexões (Garcia Aretio, op.cit).

A ferramenta “Fale conosco” do site do curso não é utilizada pois os tutores preferem utilizar seus próprios endereços eletrônicos para comunicação com os coordenadores, alunos e gerência.

A comunicação com o aluno não é satisfatória e os motivos que contribuem para isso podem ser por não conseguir localizar o aluno ou pela falta de infra-estrutura de telecomunicações de alguns municípios, que impede a comunicação por telefone fixo e correio eletrônico. Mas, mesmo quando os meios estão disponíveis, a comunicação é insuficiente, talvez pela falta da cultura inerente ao processo educativo a distância.

Os tutores utilizam estratégias para motivar o aluno visando a atingir sua auto-estima, valorizando seu processo de aprendizagem e seus ganhos pessoais ao realizar o curso. Este incentivo/estímulo é emitido por meio de mensagens eletrônicas, postais ou presencialmente. Já as estratégias operacionais incentivam o aluno a desenvolver atividades práticas, como relatórios, seminários, utilização das ferramentas tecnológicas disponíveis no NAD, visando também à colaboração entre eles.

Pôde-se perceber na análise da entrevista com a aluna que os aspectos metodológicos do curso e a interação entre ela e sua tutora foram os fatores que mais contribuíram para a conclusão do curso satisfatoriamente, diferentemente de outros casos dos quais ela teve notícias por meio de outros aluno. A metodologia enfatizada pelos pressupostos teóricos do CFPE foi posta em prática quando a tutora propôs a análise de um problema real, trazido pela aluna, que gerou discussões e posteriores atividades coerentes com a metodologia da problematização. A atuação da tutora foi considerada pela aluna como grande impulsionadora do desempenho no curso já que criava situações interacionais entre o grupo, mobilizando os alunos para a discussão e buscando deles o envolvimento nas tarefas. Para isso, a tutora estimulava o processo comunicacional, estando acessível a qualquer momento que o aluno precisasse.

A coordenadora entrevistada enfrentou sérios problemas administrativos para facilitar a comunicação entre tutores e alunos, criando pólos estratégicos para oferecer condições de o aluno participar das atividades presenciais do curso.

5.2 Dificuldades da prática

Os tutores já utilizavam os pressupostos pedagógicos do CFPE no ensino presencial e não apontaram dúvidas neste aspecto. No entanto, há uma certa contradição nas respostas, na medida em que muitos indicaram o Núcleo Contextual como o mais difícil sendo justamente neste Núcleo onde são discutidos os pressupostos filosóficos e teóricos da Educação, os quais fundamentam a formação pedagógica dos alunos do CFPE.  Não há como desconsiderar que a apropriação dos pressupostos do curso é algo que, no mínimo, exige dedicação dos tutores.

A falta de tempo é o principal obstáculo que os tutores têm de vencer para dar conta de suas atividades. Os tutores do CFPE dão plantões de quatro horas semanais para atendimento presencial nos NADs onde atuam, complementado pela orientação a distância ou presencial de duas a 16 horas semanais. Esse número díspare de horas dificulta o entendimento sobre qual seria o número real de horas de trabalho dos tutores, fato que deve ser levado em conta para o futuro da atividade de tutoria do CFPE. Eles ainda dedicam de duas a quatro horas semanais para o estudo do material didático que somada à sobrecarga de atividades cotidianas e profissionais torna o trabalho do tutor um exercício oneroso. Entretanto, apesar destas variadas atividades para cumprir, segundo os tutores, a metodologia de EaD é mais difícil de ser assimilada pelo aluno do que por eles.

Muitas atividades que o tutor e o aluno desempenham no seu cotidiano são difíceis para ambos, acarretando em dificuldades tanto cognitivas, como por exemplo não dominar “o processo de Internet” ou  “entender o processo de EaD”, quanto operacionais, como por exemplo “a falta de comunicação com aqueles que não têm email”.  Em razão da falta de infra-estrutura de alguns municípios brasileiros, os tutores do nordeste enfrentam mais dificuldades para exercer a tutoria do que os de outras regiões.

Embora os tutores tenham considerado a modalidade de EaD como uma oportunidade para sua formação continuada e uma chance para rever conceitos sobre sua prática, indicaram como dificuldades ainda a transpor, ter de lidar com a distância física entre eles e o aluno e a falta de autodisciplina dos alunos.

A não presença física ainda é uma questão não resolvida pelos tutores e alunos do CFPE. Em alguns casos, alunos vão ao NAD somente para ter contato presencial com o tutor. Por parte dos tutores, parece que a modalidade de EaD também não foi completamente assimilada já que alguns consideraram que a interação com o aluno é fria e sentem falta do  “olho no olho”. Uma das interpretações para isso poderia estar na questão cultural. O brasileiro privilegia o contato físico, a comunicação, as relações de vizinhança, diferentemente de outras culturas européias, nas quais muito se baseia o ensino a distância.

Além disso, os tutores consideram muito trabalhoso desempenhar a tutoria, seja por representar uma sobrecarga de trabalho, seja por ser uma nova experiência para a qual não há modelo predefinido a ser seguido. Para eles, dar conta de todas as exigências que o processo educativo a distância impõe e ainda manter a constante interação com o aluno é um grande desafio.

 

6. Conclusões e Recomendações

Os tutores do CFPE desempenham um conjunto de funções que se aproxima do que Garcia Aretio (2001) considera como função orientadora, que é aquela que além de orientar em todas as dimensões da pessoa humana, orienta planejadamente todo o processo de ensino-aprendizagem do aluno. Esse resultado indicou que a prática dos tutores é coerente com o que foi idealizado pela coordenação do curso.

Por ser o meio de comunicação mais utilizado pelos tutores estudados, recomenda-se que o uso do 0800 seja assegurado pelo Projeto PROFAE em todos os NADs e sugere-se a investigação dos aspectos metodológicos envolvidos na tutoria por telefone. Plantões do tutor exclusivamente para atendimento ao telefone deveriam também ser criados, visando a enfrentar a barreira da não presença física na EaD estabelecendo o tipo de contato que mais se aproxima do que ocorre no encontro presencial com o aluno.

A questão da dificuldade de tutores e alunos em lidar com a não presença física também precisa ser objeto de estudos futuros. Nesse sentido, cabe entender se questões culturais envolvidas no processo de EaD contribuem para que os alunos busquem o apoio do tutor na sua presença física.

A questão do uso das Tecnologias da Informação e Comunicação precisa ser discutida no âmbito do CFPE, na medida em que há problemas relativos tanto ao tutor que não usa o “Fale Conosco” do curso, quanto ao aluno que não usa o correio eletrônico satisfatoriamente, mesmo quando dispõe do recurso. Essa questão poderia estar relacionada com a falta da cultura de EaD, à falta da apropriação da tecnologia e à falta de condições ideais de alunos e tutores, principalmente do tempo livre necessário para o envolvimento no processo educativo a distância.

Na Educação Profissional a distância, o fator tempo é de suma importância, na medida em que tanto tutor quanto aluno têm mais de um emprego, sobrecarga que impede o bom andamento do curso. Portanto, recomenda-se que um curso na modalidade de EaD, oferecido para profissionais com perfil como o dos Enfermeiros, deve considerar o tempo como uma das maiores dificuldades a serem enfrentadas. Neste sentido, recomenda-se que a estrutura de um curso a distância de formação profissional ofereça certa flexibilidade nos prazos de envio de tarefas ou de provas, o que poderia diminuir a sobrecarga de trabalho de tutores e alunos.

Visando a criar uma memória da prática pedagógica dos tutores do CFPE, recomenda-se o registro pela coordenação do CFPE, das experiências destes tutores, de modo a gerar um banco de dados a ser disponibilizado tanto em material impresso quanto no site do curso. A divulgação mais ampla deste banco de experiências poderia servir também de base para a prática de tutores de outros cursos a distância que tenham como contexto a Educação Profissional.

 


7. Bibliografia

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa-Portugal: Edições 70, 1977.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.  (Coleção Leitura)

GARCIA ARETIO, L. La educación a distancia: de la teoría a la práctica. Barcelona, Ariel Educación, 2001.

MAGGIO, Mariana. O tutor na educação a distância. In: LITWIN, Edith. Educação a distância: temas para um debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: Artmed, 2001. 

TORREZ, Milta N.F.B. Formação pedagógica em educação profissional a distância: profissionalizando o docente em saúde. Olho Mágico: Londrina, v.8, n.3 p.11-13. set./dez., 2001.