Formação Contínua de Professores em Cursos a Distância: Lições De Três Experiências

ABRIL/2004

 

Lúcia Regina Goulart Vilarinho
Universidade Estácio de Sá – lvilarinho@estacio.br ; lgvilarinho@netbotanic.com.br

 

Tema: Educação a Distância nos Sistemas Educacionais
Categoria: Educação Universitária

Resumo
Diversas experiências de formação de professores a distância vêm sendo implementadas em nosso país. Muitas delas têm sido objeto de investigação. Poucas pesquisas, no entanto, estabelecem relações entre os resultados dessas experiências, buscando oferecer subsídios ao aprimoramento de propostas neste campo. Este trabalho, caracterizado como um estudo “ex-post facto” de três processos de formação continuada a distância de professores, teve como objetivo básico identificar acertos e dificuldades apontados por sujeitos desses cursos em relação a aspectos do ensino-aprendizagem. Os dados coletados nos relatórios de pesquisa das experiências foram estudados em seu todo para, em seguida, serem agrupados em cinco categorias de análise, a saber: proposta pedagógica, material didático, tarefas de aprendizagem, relação professor-aluno e sistemática de avaliação. A expressão dos sujeitos dessas pesquisas, agrupada nestas categorias, foi, então, analisadas à luz de autores que têm oferecido significativas contribuições ao campo educacional, entre eles: Ilma Veiga, Angeles Soletic, Maria Elizabeth Bianconcini Almeida, José Armando Valente, Paulo Freire, Charles Hadji. A análise revelou que o desconhecimento da proposta pedagógica e dos critérios de avaliação constitui sério problema, dificultando a plena participação no curso.

Palavras-chave:
educação a distância – formação contínua de professores – acertos e dificuldades.


1. Formação Docente: novas perspectivas

As inovações tecnológicas, particularmente o computador e a rede, como elementos que muito têm contribuindo para as mudanças radicais da contemporaneidade, ao invadirem o cotidiano, nos impõem novas perspectivas e necessidades. Introduzidas no campo educacional afetam a organização escolar, o ensino, a docência.

Segundo Nóvoa (1995), os professores encontram-se em uma encruzilhada que aponta para a reformulação de sua identidade. Diz ainda este autor que a construção de uma cultura profissional é processo longo, que só tem sentido se for assumido em uma perspectiva crítico-reflexiva, promovendo o pensamento autônomo e a vivência de dinâmicas de autoformação participada. Para ele, um dos caminhos que leva à formação da identidade do professor é a reflexão sobre a prática nas suas dimensões complementares: prática individual e prática coletiva.

Situando a questão da formação docente em um plano bastante político, encontramos Giroux (1997) e Freire (2003). O primeiro afirma que repensar e reestruturar a natureza da atividade docente implica em conceber este profissional como intelectual transformador, ou seja, como alguém que saiba unir, de forma inextricável, pensamento e ação, buscando sempre “uma contra-ideologia para as pedagogias instrumentais” (p.136), que impedem a incorporação de concepções capazes de promover a emancipação crítica. Freire também destaca a importância da formação docente alicerçada na reflexão crítica sobre a prática, de tal sorte que surjam rupturas e novas posições. Afirma ele que a missão do professor é, sobretudo, lutar contra qualquer tipo de discriminação, contra a dominação econômica de indivíduos ou classes sociais, contra os desenganos que consomem e imobilizam.

Já Morin (2000) chama atenção para o esgotamento do paradigma da simplificação, também designado de paradigma da racionalidade científica, que tem produzido a “inteligência cega”, isto é, uma visão de mundo fragmentada, superespecializada. A obsolescência deste paradigma exige uma nova forma de pensar, o pensamento complexo, ainda em estruturação. Para este filósofo, a crise da contemporaneidade convida a educação a repensar o seu papel e, obviamente, a formação de professores, especialmente quando esta se dá em contextos educacionais que incorporam as tecnologias da informação e comunicação (TIC). Este repensar ganha maior importância com a expansão da educação a distância (EAD) que, na condição de uma modalidade de ensino alternativa à presencial, tem aceitado e buscado a inovação educacional.

Essas considerações iniciais apontam a importância de se pesquisar a formação de professores em cursos a distância, posto que dela se espera uma reformulação significativa em termos de ensino e aprendizagem. Nesta linha de raciocínio, situamos como objetivo mais amplo do estudo: analisar três experiências de formação continuada a distância de docentes, determinando seus acertos e dificuldades a partir das variáveis que mais se destacam em um processo de ensino-aprendizagem, Essas variáveis, na realidade, constituem categorias didáticas, a saber: proposta pedagógica, material didático, tarefas de aprendizagem, relação professor-aluno e sistemática de avaliação. Por estarem presentes em qualquer curso superior de formação docente, permitem que relações sejam estabelecidas.

 

2. Procedimentos Metodológicos do Estudo

Na medida em que esta pesquisa se voltou para os resultados de três experiências em EAD, as quais já haviam sido objeto de investigação, podemos afirmar que ela se define como um estudo ex-post facto, isto é, trata-se de uma investigação que incide sobre fatos já passados. Gil (2002) afirma que o propósito básico deste tipo de pesquisa é verificar a existência de relações entre variáveis. Para discutir as categorias anteriormente mencionadas, optamos pela abordagem qualitativa, na medida em que permite comparar, confrontar ou estabelecer contrapontos entre características, situações, pontos de vista, expectativas.

Os dados foram coletados em duas dissertações, elaboradas no âmbito de um curso de mestrado, recomendado pela CAPES, oferecido por de uma universidade particular, localizada no Município do Rio de Janeiro, e em uma pesquisa institucional, implementada neste mesmo mestrado em parceria com professora do ensino de graduação, também vinculada a essa universidade. Cabe registrar que participamos diretamente dessas pesquisas, na condição de orientadora das duas dissertações e de coordenadora da pesquisa institucional.

A discussão das categorias de análise foi conduzida a partir dos seguintes procedimentos metodológicos: (a) leitura seletiva nas seções referentes aos resultados das pesquisas, procurando extrair tudo o que dizia respeito às categorias em tela; (b) leitura analítica do material selecionado com vistas a sumarizá-lo e ordená-lo, o que exigiu identificar as idéias-chave; e (c) leitura interpretativa, na qual se buscou ressignificar o que foi sumarizado e ordenado, dando-lhe uma nova configuração. Esta forma de leitura é recomendada por Gil (2002) para as pesquisas bibliográfica e documental, mas se aplicou ao nosso estudo na medida em que ele se valeu de investigações produzidas sob a chancela de uma universidade, as quais se transformaram em documentos de consulta. A interpretação dos dados coletados foi realizada à luz dos autores que ofereceram subsídios à construção do embasamento teórico que se segue.

 

3. Embasamento Teórico do Estudo

Toda pesquisa exige que sejam definidos, “a priori” e/ou ao longo de seu processo, alguns subsídios teóricos, os quais têm de ser considerados na análise dos resultados. Nesta perspectiva, encontramos, na literatura pedagógica, posições e propostas relativas às categorias de análise, aqui resumidas e, posteriormente, retomadas na última seção deste artigo.

A questão da proposta pedagógica é, hoje, preocupação de muitos educadores. Valemo-nos de Veiga (2000) para abordar a questão. Esta autora acredita que a falta de clareza acerca da proposta pedagógica (ou como designa - projeto político-pedagógico) reduz qualquer curso a uma grade curricular fragmentada, fazendo com que até as ementas das disciplinas e as bibliografias percam sua razão de ser. Afirma que “o projeto é uma totalidade articulada, decorrente da reflexão e do posicionamento a respeito da sociedade, da educação e do homem” (p.186); o que lhe dá sentido é a sua intencionalidade. Reconhece que o projeto é uma proposta de ação político-educacional e não um mero instrumento técnico, a qual deve estar sintonizada com uma nova visão de mundo, expressa no paradigma emergente de ciência e educação, tendo como objetivo mais amplo garantir uma formação crítica, capacitar para o exercício da cidadania, formar profissionais e promover o desenvolvimento pessoal. Ainda para Veiga, o projeto pedagógico só tem sentido quando, concomitantemente à sua implementação, é conduzida uma investigação para verificar em que medida se constitui em inovação educacional, ou seja, se traz em si os elementos que permitem a ruptura com o instituído que representa o imobilismo e o atraso pedagógico.

No que tange ao material didático nos apoiamos em Soletic (apud LITWIN, 2001) por chamar atenção para a centralidade que os materiais escritos, ainda hoje, ocupam nos programas de EAD. Não importa se o curso se baseia em módulos ou se é apoiado pela rede, o fato é que os conteúdos estão escritos no papel ou na tela do computador, neste caso, muitos deles podendo ser impressa pelo sistema de download. Esta autora enfatiza que o suporte informático permite aos usuários acessar maior quantidade de informações, com a vantagem da rapidez e da interatividade, além de favorecer múltiplas formas de representação para transmitir significados, por usar variadas formas perceptivas, figurativas e não figurativas, textuais, musicais, animações, entre outras. A grande preocupação de Soletic, no entanto, está na qualidade deste material. A tendência atual não é privilegiar o material auto-suficiente, apresentado como “único, unânime e seguro” (p.76), que tem acabado por petrificar e coisificar o conhecimento, mas sim um material diversificado, atualizado, com boa bibliografia. Na elaboração de materiais para cursos a distância Soletic recomenda um cuidado especial com a comunicação mediatizada, a qual deve expressar, sobretudo, uma “educação dialogada” (p.78). Lembra, também, que o material didático não é um texto científico. A sua elaboração requer: a identificação do nível de compreensão dos alunos, o uso de linguagem clara e acessível, a contextualização do conteúdo, tanto no plano de sua recepção quanto da produção.
Já a problemática das tarefas de aprendizagem vem encontrando nos autores que discutem a importância da problematização e dos projetos de aprendizagem campo fértil para se renovar. Educadores que trabalham em uma perspectiva construtivista admitem que a problematização é um dos elementos imprescindíveis à construção do conhecimento, desde que os problemas em estudo estejam relacionados à vida real. Contextualizar os problemas significa, também, dimensionar o que os alunos já sabem sobre eles (VALENTE, 2003). A aprendizagem que parte de problemas tende a se fazer via pesquisa, envolvendo o pensamento reflexivo; daí sua relevância. Prado (2003, p.7) situa a “pedagogia de projetos” como um desafio para os professores na medida em que exige a integração de conteúdos de várias áreas do conhecimento. Este desafio, no entanto, pode redundar em ganhos de aprendizagem para os alunos, particularmente quando ele se concretiza no âmbito da EAD, espaço privilegiado para a desformalização do ensino. Para essas autoras, os projetos de aprendizagem facilitam o aprender-fazendo, levando o aluno a reconhecer a própria autoria no que produziu. Assim, a produção discente acaba nascendo de problemas capazes de impulsionar a contextualização de conceitos já conhecidos e de promover a descoberta de outros. Podemos afirmar que a pedagogia de projetos se alimenta da problematização.

A relação professor-aluno, desde a ampla divulgação da obra de Paulo Freire, vem deixando de ter a marca da verticalidade para se fazer na perspectiva dialógica. Freire (2003) esclarece que escutar o aluno vai muito além da capacidade auditiva; implica em amorosidade, respeito ao outro, tolerância, humildade, abertura ao novo e à justiça, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa ao fatalismo. Para Palloff e Pratt (2002) o diálogo pode se expandir nas comunidades virtuais de aprendizagem por força das atividades colaborativas, redundando na (re)construção de modelos mentais. Para esses autores é importante que o professor saiba estimular o diálogo e um bom começo para tal é fazer boas perguntas. Com o diálogo aberto, franco, transparente horizontaliza-se a relação professor-aluno. Em um clima de segurança, os sujeitos dialógicos conservam a sua identidade, crescendo uns com os outros.

Finalmente, cabe sumarizar os pontos que julgamos relevantes em relação à quinta categoria didática: sistemática de avaliação. A avaliação da aprendizagem dos alunos vem sendo considerada sob outros enfoques vinculados, obviamente, às novas formas de compreender e praticar a docência. As duas perspectivas que vêm marcando a avaliação referem-se à negociação e à auto-avaliação. A visão de “negociar” os conceitos ou notas se baseia na perspectiva dialógica anteriormente mencionada. Quando o professor assume o diálogo como prática sistemática em suas aulas, não pode mais impor o seu conceito: é preciso ouvir o que o aluno tem a dizer sobre o seu processo de aprendizagem. Dialogando, trocando suas visões, aluno e professor assumem o melhor conceito. Este diálogo exige que o aluno se auto-avalie, o que acaba por gerar um processo interno pelo qual o sujeito toma consciência dos diferentes aspectos e momentos de sua atividade cognitiva. Isto significa metacognição, ou seja, “autocontrole refletido das ações e condutas do sujeito que aprende” (HADJI, 2001, p.103).

As categorias aqui discutidas, devidamente articuladas no contexto de uma formação docente a distância, contribuem para ampliar a construção da autonomia do aluno, que é, sem dúvida, uma das grandes finalidades educacionais da EAD.


4. As Pesquisas Como Objeto de Estudo

A primeira dissertação, aqui designada de Estudo A (EA), focalizou um curso de formação pedagógica, dirigido a docentes-enfermeiros, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz / Escola Nacional de Saúde Pública (FIOCRUZ/ENSP), atingindo todo o território nacional pela intermediação de 49 instituições de ensino superior, todas elas com ensino na área da enfermagem. A pesquisa, conduzida em 2003, obteve seus dados através de questionário aplicado a 79 sujeitos (7,9% do total de alunos - 1064 - que estavam cursando). Cabe salientar que tais sujeitos se apresentaram como voluntários para responder ao questionário, sendo eles, em certa medida, representativos do universo de alunos por estarem matriculados no curso via universidades localizadas em diferentes regiões geográficas, a saber: (a) federais – Pará, Rondônia, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Rio de Janeiro; (b) estaduais – São Paulo e Londrina. O objetivo geral desta pesquisa foi: “investigar as percepções que docentes-enfermeiros fazem de uma formação pedagógica construída a distância, mais especificamente, dos processos de aprendizagem e de avaliação que nela se inserem” (PROVENZANO, 2003, p.21). Cabe registrar que este curso, tendo em vista sua abrangência e, portanto, a heterogeneidade da clientela, priorizou o material impresso (módulos de ensino), sem deixar de valorizar e trabalhar com outras tecnologias: telefone, fax, computador e rede.

A pesquisa institucional, conduzida no período setembro de 2002 a maio de 2003, designada de Estudo B (EB), focalizou um curso on-line de formação docente, em nível de especialização, na área da Informática Educativa, oferecido por uma universidade federal da região sudeste. Esta experiência atendeu a propósitos do Programa Nacional de Informática na Educação (ProInfo), atingindo três estados da região sudeste e todos os da região sul, tendo como objetivo mais amplo: investigar como seus alunos vêem uma formação on-line no que tange aos principais componentes do processo didático: objetivos de ensino, ferramentas e ambiente virtual, tempo para a aprendizagem, temas e textos de estudo, propostas de atividades, relação teoria-prática, papel do tutor e do aluno na aprendizagem a distância, momentos presenciais e avaliação da aprendizagem e do curso como um todo (VILARINHO e SANDE, 2003). Todos os 26 sujeitos selecionados pela rede pública de ensino do Rio de Janeiro, para obterem a especialização em Informática Educativa, participaram da pesquisa.

O Estudo C (EC), relativo à segunda dissertação, foi conduzido no período agosto de 2003 a março de 2004 e teve como propósito investigar um curso on-line de especialização em Gestão da Educação a Distância, promovido por outra universidade federal da região sudeste, enfocando mais especificamente as alternativas de ensino-aprendizagem que emergem em uma experiência dessa natureza (ARGENTO, 2004). Participaram da pesquisa 26 sujeitos (52% do total de alunos matriculados no curso), cabendo registrar que alguns não eram docentes, mas todos atuavam na área da educação. A procedência desses sujeitos variava:13 eram de Minas Gerais, 8 do Rio de Janeiro, 3 de São Paulo e 2 de Santa Catarina. Dos 8 professores que atuaram em diferentes disciplinas, 7 responderam a entrevista com teor semelhante a dos alunos, possibilitando, assim, o estabelecimento de relações entre as visões desses atores.

É indispensável salientar que em todas as três experiências houve momentos presenciais, porém a maior parte da carga horária desses cursos se enquadrava na modalidade a distância.

 

5. Resultados do Estudo

A leitura e interpretação de todas as parte das três pesquisas relativas às cinco categorias didáticas selecionadas para confronto nos levou às seguintes inferências:

Proposta Pedagógica – EA foi o curso que teve sua proposta mais bem articulada, na medida em que esta foi resultado de um trabalho respaldado por uma intenção política do Ministério da Saúde no sentido de profissionalizar cerca de 250.000 trabalhadores da área da saúde (PROVENZANO, 2003, p.71). Tal proposta, elaborada por um grupo de especialistas de diferentes áreas, foi registrada em documento próprio da FIOCRUZ/ENSP, o qual se constituiu em um módulo do próprio curso, o que significa ter sido objeto de estudo dos alunos. Cabe salientar que esta proposta, além de estar sendo acompanhada pela coordenação do curso, já ensejou a construção de dissertações de mestrado com recortes diferentes sobre aspectos da experiência. Este acompanhamento atende ao destacado por Veiga (2000) sobre a necessidade dos projetos pedagógicos serem investigados ao longo de sua implementação, com vistas a se definir em que medida constituem inovação educacional. Não se pode, no entanto, deixar de supor que a articulação da proposta muito tem a ver com a dimensão do curso, atingindo todo o território nacional. Nos demais cursos, EB e EC, as propostas pedagógicas, embora tenham sido elaboradas por conjunto de docentes especialistas nos conteúdos, não foram colocadas como objeto de estudo dos alunos e tutores. Em EB a proposta foi sumarizada no primeiro encontro presencial e, a partir daí, não foi retomada para a avaliação em processo. Em EC somente os objetivos do curso foram divulgados no próprio ambiente virtual. Desse modo, podem ser situadas como um “pacote de intenções pedagógicas”.

Material Didático – EB e EC, por serem experiências de ensino on-line, possibilitaram uma riqueza de materiais didáticos. Os textos foram disponibilizados na rede, de modo que podiam ser lidos na tela do computador ou na forma impressa; além disso, o que era produzido no Fórum e no Chat, em muitas situações, oferecia subsídios à realização das tarefas. Havia também a biblioteca virtual, com a indicação de outras fontes de informações: livros, artigos e sites importantes, as quais foram sendo ampliadas ao longo do processo. De um modo geral, os alunos desses dois cursos afirmaram que os textos de estudo eram de muito boa qualidade. As poucas críticas incidiram sobre o aspecto eminentemente teórico dos textos. Já no caso de EA, em que o material impresso (na forma de módulos) se constituiu na principal fonte de informação, os alunos não salientaram a riqueza das informações, mas sim a qualidade dos textos. Em diversos depoimentos de alunos, especialmente naqueles de moradores de cidades distantes das capitais, encontrou-se o registro da satisfação de poder ter acesso a conteúdos importantes. A questão da qualidade do material é fundamental, conforme apontou Soletic (apud LITWIN, 2001) e no caso de EA veio atrelada à democratização do conhecimento. Ao que tudo indica, esta categoria didática foi bem articulada no âmbito das três experiências.

Tarefas de Aprendizagem – O curso de especialização em Informática Educativa (EB) privilegiou o ensino via projetos de aprendizagem. Os alunos, divididos em grupos, após escolherem temas de interesse comum, tinham como tarefa elaborar um projeto de ensino para ser desenvolvido com alunos do ensino médio. Em alguns casos, o projeto se constituiu em uma simulação, em outros foi concretamente aplicado. Este projeto perpassou todo o desenvolvimento do curso, gerando um trabalho monográfico de final de curso. Assim “aprenderam – fazendo” a metodologia de projetos, conforme preconiza Prado (2003). A concretização do projeto ensejou problematização, interatividade e aprendizagem colaborativa, todas essas atividades adequadas ao ambiente virtual. Os projetos geraram CD-Roms e textos impressos com o detalhamento do conteúdo. Já em EC, os grupos de discussão e as tarefas colaborativas conduzidos na rede se constituíram na forma mais usual de aprendizagem. Neste curso a problematização esteve presente pela via da discussão. Nele também foram solicitados alguns projetos, porém restritos ao escopo das disciplinas. Em EA as tarefas estavam no próprio módulo, podendo ser realizadas individualmente ou em grupo. Por ser um curso de formação pedagógica, com grande carga horária, comportou estágio supervisionado, concebido diferentemente da perspectiva tradicional, ou seja, envolvendo a simulação. Segundo Provenzano (2003), a problematização crítica fez parte dos textos e tarefas, ficando nítida a intenção dos elaboradores de situar os materiais como uma obra em construção, de tal modo que os alunos pudessem completá-los com suas sínteses. Assim, as tarefas se tornavam aprofundamento dos textos de ensino.

Relação Professor-Aluno – Em EA verificou-se nitidamente a importância atribuída à relação presencial, Os alunos, ainda que elogiando o pronto atendimento dos tutores, em inúmeras situações expressavam a “falta que sentiam do professor junto a eles”. Por se tratar de um curso que privilegiou o material impresso, deixando livre a relação via rede, podemos supor que isto tenha contribuído para “ampliar a distância” do tutor. Já em EB e EC, por serem cursos on-line, encontramos o fortalecimento dos grupos de estudo, fazendo com que tanto os participantes de um mesmo grupo como os de grupos diferentes se apoiassem mutuamente. Em EC foi criado um Fórum dos Alunos (somente os alunos participavam dele) onde eram discutidas as dificuldades e as críticas ao curso; estas depois eram repassadas à Coordenação. Não resta dúvida que a relação professor-aluno nas três experiências se horizontalizou, isto é, se tornou menos formal. É valido concordar com Palloff e Pratt (2002) que a liberdade de expressão permitida pelo Fórum e Chat estimula o diálogo, Resta saber em que medida os professores estão abertos a esse diálogo crítico.

Sistemática de Avaliação – Em todos os três cursos a avaliação foi a categoria mais problemática. As principais dificuldades, na ótica dos alunos, foram: (a) muito conteúdo para ser avaliado; (b) pouco tempo para dar conta do conteúdo; (c) desconhecimento dos critérios de avaliação, que deveriam ter sido explicitados logo no início do curso; (d) pouco feedback ao longo do processo. No caso de EA, embora as provas presenciais fossem elaboradas para funcionarem como um momento de aprendizagem (com trabalho em grupo, consulta aos textos e repostas individuais), verificou-se uma insatisfação da parte de 22% dos sujeitos. Estes registraram “muito conteúdo e questões confusas”. Tudo indica que essa forma de avaliar deveria ter sido mais explorada durante o curso. Em EB a reclamação dos alunos se concentrou na construção da monografia, o que acabou por exigir atendimento redobrado dos tutores. Em EC os alunos registraram uma falta de coesão entre os critérios das diferentes disciplinas, gerando avaliações muito díspares. Portanto, em nenhuma dessas experiências se verificou a negociação da avaliação, a auto-avaliação com vistas à metacognição, conforme salientou Hadji (apud LITWIN, 2001).

Conclusivamente podemos dizer que todos os três cursos são esforços importantes no âmbito do nosso sistema de ensino superior, dignos de respeito pelo pioneirismo. Dificuldades e acertos sempre existirão. O estudo evidenciou avanços nas categorias: tarefas de aprendizagem, material didático e relação professor-aluno. No que tange à proposta pedagógica e sistemática de avaliação ficou patente a necessidade de se repensar o que vem sendo feito. Acreditamos que a ampla divulgação da proposta pedagógica e da sistemática de avaliação, aliada a um convite de participação no sentido de aperfeiçoamento, deve fazer parte desses cursos. Somente assim, poderemos atender melhor às expectativas dos alunos.

 


Referências

ARGENTO, H. T. Ensino online e formação continuada: redimensionando a prática pedagógica. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro, 2004.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e terra, 2003.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

GIROUX, H. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

HADJI, C. Avaliação desmistificada. Porto Alegre: ArtMed, 2001.

MORIN, E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

NÓVOA, A. O processo histórico de profissionalização do professorado. In:
NÓVOA, A. (Org.) Profissão professor. Lisboa: Porto Editora,1995.

PALLOFF, R.; PRATT, K. Construindo comunidade de aprendizagem no ciberespaço. Porto Alegre: ArtMed, 2002

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PROVENZANO, M. E. Reflexões sobre uma experiência: o que pensam docentes-enfermeiros da formação pedagógica a distância? Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro, 2003.

SOLETIC, A. A produção de materiais escritos nos programas de educação a distância: problemas e desafios. In: LITWIN, E. Educação a distância: temas para o debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: ArtMed, 2001.

VEIGA, I.P.A. Projeto político-pedagógico: continuidade ou transgressão para acertar? In: CASTANHO, S. ; CASTANHO, M.E.L,M. (Orgs.) O que há de novo na educação superior - do projeto pedagógico à prática transformadora. Campinas (SP): Papirus, 2000.

VALENTE, J.A. O papel do computador no processo ensino-aprendizagem. In: Boletim O Salto para o Futuro. Brasília, MEC / SEED, tv Escola – Salto para o Futuro, p.18-30,2003.

VILARINHO, L.R.G.; SANDE, I.C. Formação continuada de professores em cursos online: novas perspectivas no processo ensino-aprendizagem? In: Simpósio Brasileiro de Informática na Educação, XIV, 2003, Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro Anais dos Trabalhos, p.5-14.