Martha Kaschny Borges
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
marthakaschny@hotmail.com
Tema: D - Educação a Distância nos Sistemas Educacionais
Categoria: Educação Universitária
Resumo
Este artigo relata uma experiência de inclusão digital realizada
junto a estudantes de um curso de extensão universitária intitulado
“Educação e Tecnologias Digitais”, destinado aos estudantes
do Curso de Pedagogia na modalidade a distância da Universidade do Estado
de Santa Catarina. Vale ressaltar que estes estudantes são, ao mesmo
tempo, professores que atuam na rede estadual de ensino. A partir da elaboração
e realização do curso de extensão realizamos uma pesquisa,
do tipo pesquisa-ação, no sentido de investigar como os estudantes
se apropriam dos instrumentos tecnológicos e em que medida esta apropriação
pode possibilitar uma modificação em sua prática pedagógica,
tanto enquanto estudante (em seus processos de aprendizagem) como enquanto professor
(em seus processos de ensino). Outro objetivo da pesquisa foi o de avaliar o
curso na perspectiva de seu aprimoramento e continuidade.
O objetivo principal do curso de extensão foi o de oportunizar aos estudantes/professores
uma formação inicial para o uso das tecnologias digitais que transcendesse
à dimensão puramente técnica destes instrumentos, que contemplasse
também sua dimensão pedagógica. Para isto, esta experiência
se fundamentou na abordagem dos Projetos de Trabalho, proposta por Hernadez
(1998), na noção de instrumento antropotécnico e de gênese
instrumental, de Rabardel (1995).
Palavras-chave:
Formação de professores, Tecnologias digitais, Projetos de
trabalho, Inclusão digital.
Introdução
A sociedade atual, chamada de sociedade do conhecimento, vive momentos de transformações em seus mais variados setores: político, econômico, tecnológico, científico, social, cultural, etc. Um dos fatores que influenciou de forma significativa estas transformações foi a popularização dos instrumentos informáticos, ou seja, dos computadores e, principalmente, o advento da Internet.
Porém observa-se que este processo de apropriação destes instrumentos pela população não ocorre de forma igualitária, ao contrário, ele revela, repete e reforça a desigualdade social existente, principalmente em países não desenvolvidos como é o caso do Brasil.
De acordo com a pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (Mapa da Exclusão Digital, FGV, 2003), atualmente, somente 12,46% da população brasileira tem acesso a computadores e apenas 8,31% à Internet. Este dado mostra que, aproximadamente, 150 milhões de brasileiros ainda se encontram marginalizados do processo de apropriação das tecnologias digitais, processo este denominado por alguns autores como “apartheid digital” (FGV, 2003; PAIVA, s/d). E mais, o Mapa da Exclusão Digital monstra ainda que a exclusão digital está intimamente relacionada com a exclusão social e econômica de uma determinada camada da população. Por exemplo: a média de escolaridade dos incluídos digitalmente é de 8,7 anos, ou seja, o dobro da média de escolaridade da população brasileira como um todo. Enquanto a renda média mensal do primeiro grupo é de R$ 1677, a renda média do total da população economicamente ativa é de R$ 569. Somente citando estes dados podemos afirmar que, no Brasil, os “apartheids digital, social, econômico e cultural” andam de mãos dadas.
Diferentes iniciativas em prol da inclusão digital foram e estão sendo realizadas, adquirindo diferentes perfis, de acordo com os órgãos nela envolvidos. Tais iniciativas são apresentadas por diversos setores da sociedade, têm origens, objetivos e campos de ação diferenciados. Entretanto é importante destacar aqui que, à medida que constatamos que a exclusão digital nada mais é do que uma faceta da exclusão social, faz-se necessário que as iniciativas que têm como objetivo possibilitar a inclusão digital considere aspectos relativos também à inclusão social.
Inicialmente acreditava-se que bastaria democratizar o acesso à informação para garantirmos a inclusão digital da população, ou seja, bastaria distribuir equipamentos em pontos estratégicos, permitindo aos sujeitos o acesso à Internet e a utilização das ferramentas básicas de utilização de programas que estes se apropriariam dos instrumentos informáticos, utilizando-se destes instrumentos cotidianamente.
Na prática, vimos que este tipo de estratégia não garantiu a inclusão digital. Portanto é fundamental ampliarmos tal conceito, aprofundá-lo, pois, como já discutimos anteriormente, a inclusão digital passa necessariamente pela inclusão social dos sujeitos. Segundo Fabiana Paiva (s/d):
A exclusão só acaba no momento que o usuário aprende que o computador é um meio de acesso à educação, ao trabalho, ao contato e troca com a sua comunidade, ao pensamento crítico e ao exercício pleno de sua cidadania. O fim aqui não é disponibilizar tecnologia, mas sim a integração perfeita de indivíduos na sociedade. Incluir os usuários na mídia digital é também gerar renda. Inclusão digital é construção de conhecimento, apropriar-se do instrumento para incluir-se socialmente.
1. Uma proposta de inclusão digital destinada a professores em formação
A Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, uma instituição pública em funcionamento desde 1963, mantida pelo Governo Estadual, oferece à comunidade do Estado de Santa Catarina o Curso de Pedagogia na Modalidade a Distância, desde 1999.
O Curso representa uma alternativa na qualificação dos quadros docentes, em especial àqueles que não dispõem de condições para ter esta formação na forma presencial. O Programa atende as exigências sociais e pedagógicas de educação, favorecendo a demanda de professores da educação básica que necessita de formação.
Ele se faz presente em mais de 160 municípios, atendendo aproximadamente
12 mil alunos em todo o Estado e licencia professores para atuarem no magistério
das Séries Iniciais e/ou da Educação Infantil, estruturado
de acordo com as novas diretrizes curriculares.
Diversos instrumentos mediáticos são utilizados visando a participação
e a interlocução entre os alunos e os professores, tais como:
caderno pedagógico, vídeo-aula, teleconferência, debates
via canal de TV aberto e a plataforma UDESC virtual (http://virtual.udesc.br).
Porém, na prática, o que se verifica é que mesmo sendo um curso na modalidade a distância, a maioria dos estudantes/professores não possui acesso fácil e freqüente às tecnologias digitais, como computadores conectados à Internet. Segundo a pesquisa realizada no Centro de Educação a Distância da UDESC, sobre o perfil dos alunos do Curso de Pedagogia na modalidade a distância, apenas 35% dos 7470 alunos entrevistados possuem computadores em casa. E mais, a pesquisa revela ainda que 48,4% dos alunos percebem uma renda familiar compreendida entre um e três salários mínimos por mês, lembrando que o número de pessoas que dependem dela é de quatro pessoas por família (MELO, 2003, p. 16). Ora, podemos afirmar que estes alunos também se encontram em situação de exclusão social e digital, segundo as delimitações apresentadas anteriormente e apontadas na pesquisa da Fundação Getúlio Vargas.
Com o intuito de promover iniciativas no sentido de combater tal exclusão, durante o desenvolvimento da disciplina “Tecnologia, Educação e Aprendizagem”, realizamos encontros informais com alguns alunos do Curso, em laboratórios de informática disponíveis na cidade de Florianópolis. O objetivo principal destes encontros era proporcionar aos alunos uma formação inicial em informática e um primeiro contato com o ambiente virtual de aprendizagem do Curso. Neles, percebemos as dificuldades reais dos alunos em utilizar o computador, em acessar as ferramentas informáticas básicas e também em utilizar o próprio ambiente virtual de aprendizagem do CEAD, disponibilizado aos alunos da educação a distância. Os encontros nos revelaram, na prática, as mesmas tendências apresentados na pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2003).
Ora, constata-se aqui uma contradição: como é possível garantir a qualidade do Curso, que se fundamenta no ambiente virtual de aprendizagem, quando um número significativo de alunos não tem acesso à Internet e declaram não terem participado de nenhum processo de formação para a utilização destes instrumentos em seu processo de aprendizagem?
E mais, vale lembrar que estes alunos do Curso são, em sua grande maioria, professores que atuam na rede de ensino fundamental, que estão atuando nas escolas brasileiras e são responsáveis pela formação das crianças em idade escolar. Assim, como subsidiar estes professores para a necessária reflexão sobre a inovação em educação, frente às novas tecnologias?
2. Ponto de partida da pesquisa: o curso de extensão “Educação e Tecnologias Digitais”
Diante deste contexto uma equipe de professores vinculados ao Curso de Pedagogia elaborou e executou um curso em nível de extensão intitulado “Educação e Tecnologias Digitais”. Este curso teve como objetivo possibilitar aos alunos do Curso de Pedagogia a Distância uma formação inicial para a utilização das tecnologias digitais e, principalmente, uma reflexão sobre a dimensão pedagógica do uso destes instrumentos, uma vez que os alunos do curso de pedagogia são professores que atuam na rede estadual de ensino. Assim, nossa intenção era de que estes alunos/professores obtivessem uma formação que lhes “instrumentasse” (teórica e metodologicamente) para a inovação nos seus processos de aprendizagem (enquanto alunos do curso) e de ensino (enquanto professores da rede de ensino).
Para atender a estes objetivos, o curso de extensão propôs atividades
práticas e teóricas que aliaram, de forma complementar, as noções
básicas sobre as principais ferramentas informáticas disponíveis
(Windows, editor de texto Word, PowerPoint, ambiente virtual de aprendizagem
do CEAD, Internet) com a abordagem de Projetos de Trabalho proposta por Fernando
Hernández (1998).
Portanto, o diferencial desta proposta de curso foi que ele priorizou o enfoque
pedagógico do uso dos instrumentos tecnológicos e ainda, o fez
a partir das necessidades dos alunos interessados, ou seja, considerou o que
eles queriam aprender e com qual finalidade, ao contrário dos cursos
clássicos de introdução à informática que,
em sua maioria, oferecem um “pacote” fechado, não considerando
nem os conhecimentos prévios dos alunos, nem suas necessidades reais.
Com o objetivo de investigar em que medida um processo de formação sobre noções básicas de informática e de acesso à Internet vinculadas à uma discussão pedagógica destes instrumentos, através da prática de Projetos de Trabalho (HERNANDEZ, 1998), modifica o processo de aprendizagem dos alunos de um curso de graduação na modalidade a distância e modifica também a prática pedagógica destes alunos enquanto profissionais da educação, utilizamos o curso de extensão como “pretexto” para a realização de uma pesquisa do tipo pesquisa-ação (De KETELE e ROEGIERS, 1998; TRIVIÑOS, 1997). Outro objetivo da pesquisa foi realizar uma avaliação (qualitativa e quantitativa) do próprio curso de extensão com a intenção de aprimorá-lo, com vistas à uma possível continuidade junto a novas turmas de alunos.
2.1. Projetos de Trabalho
A abordagem de Projetos de Trabalho, proposta por Hernandez (1998), apresenta um dimensão que transcende à uma simples estratégia metodológica, que provoca uma mudança de atitude, possibilitando a manutenção da coerência necessária entre o conhecimento, o ensino e a aprendizagem (HERNANDEZ, 1998, p. 33). Os projetos de trabalho têm como objetivo romper com a fragmentação do conhecimento escolar e promover assim, a aprendizagem significativa (LEONTIEV, 1988) e colaborativa (BORGES e FONTANA, 2003; SILVA, 2001).
Esta abordagem valoriza de forma significativa a participação ativa dos alunos/professores uma vez que tem como ponto de partida a formulação de problemas e de questionamentos que os próprios alunos apresentam, quer sobre a seus processos de ensino e de aprendizagem, quer sobre os processos de seus alunos. Assim, nosso papel enquanto professores do curso de extensão foi o de resgatar as experiências dos alunos, auxiliá-los na identificação e delimitação dos problemas, nas reflexões sobre eles e na concretização destas reflexões em ações.
Ao mesmo tempo em que era importante delimitarmos temas de trabalho impregnados da vivência e experiência dos alunos, era também importante considerar que tínhamos conteúdos específicos da informática para serem desenvolvidos no curso. Porém vale ressaltar, que estes conteúdos informáticos tinham um caráter de suporte, de recurso, de meio através dos quais nossos alunos iriam desenvolver seus temas e realizar suas ações. Assim, os instrumentos informáticos apresentam uma concepção de instrumentos centrada nos sujeitos (abordagem antropotécnica dos instrumentos) e não na técnica (abordagem tecnocêntrica dos instrumentos), como nos propõe Rabardel (1995).
Que modificações os instrumentos informáticos discutidos dentro de uma perspectiva pedagógica e antropotécnica, proporcionam aos sujeitos que deles se apropriam, ou seja, como ocorre a gênese instrumental (RABARDEL, 1995)?
2.2. As tecnologias digitais como instrumentos antropotécnicos
2.3. o processo de gênese instrumental das tecnologias digitais
A abordagem teórica dos instrumentos tecnológicos, que fundamenta essa pesquisa, prioriza a dimensão cognitiva e social de uso desses instrumentos, uma vez que ela se refere à criação e ao uso de uma ferramenta informática de produção escrita e colaborativa, num ambiente coletivo de ensino e aprendizagem.
Tradicionalmente, os objetos tecnológicos têm sido pensados e analisados segundo sua performance técnica. Os objetos são compreendidos como instrumentos superiores ao homem, pois realizam um maior número de atividades em menos tempo e são mais eficazes. Eles se constituem em uma espécie de “próteses” para suprir as insuficiências ou deficiências dos operadores. Nessa abordagem, os objetos não cometem erros, ao contrário, impedem os sujeitos de os cometerem. O pesquisador francês Pierre Rabardel (1995) chama essa abordagem de téchnocentrique (ou tecnocêntrica). Nela, os objetos, os artefatos tendem a ocupar o lugar dos homens, no sentido de uma automatização da atividade humana. Essa percepção reflete uma visão pessimista da tecnologia com relação às intervenções humanas, que se limitam apenas em atividades residuais (RABARDEL, 1995, p. 18).
Porém, o desenvolvimento de instrumentos tecnológicos (principalmente na área da inteligência artificial) deu impulsão a pesquisas relativas ao estudo das relações estabelecidas entre esses instrumentos, as atividades humanas e a sociedade em geral. Dessa forma, o instrumento se torna um sistema sócio-técnico, que não se constitui mais, apenas, na atividade individual, mas também na atividade coletiva.
Essa outra abordagem dos instrumentos, apontada por Rabardel, é chamada de abordagem anthropotécnique (antropotécnica) dos instrumentos. Nela, o homem retoma seu lugar central no processo de concepção, criação, modificação e usabilidade dos instrumentos. Mas nesse processo, o homem também se modifica ao apropriar-se dos instrumentos, em termos cognitivos e comportamentais. Assim, a noção de instrumento se modifica, o instrumento não é mais pensado apenas à partir de sua dimensão técnica, mas como sendo uma entidade mista, que contempla o seu aspecto técnico mas também o sujeito. Segundo Rabardel:
O instrumento compreende, dentro dessa perspectiva:
• um artefato material ou simbólico produzido pelo usuário ou por outros sujeitos;
• um ou mais esquemas de utilização associados, resultantes de uma construção individual ou de apropriação de esquemas sociais pré-existentes. (RABARDEL, 1995, p. 117)
Na verdade, a apropriação dos instrumentos pelo sujeito não ocorre de forma espontânea, mas através de um processo de gênese instrumental (RABARDEL, 1995). Esse processo é o resultado de um duplo processo de apropriação dos instrumentos:
• um processo de instrumentalização, relativo ao artefato: onde o sujeito seleciona, re-agrupa, modifica e produz funções, atribui propriedades aos artefatos, transforma suas estruturas, seu funcionamento, etc. O sujeito “enriquece” o artefato.
• um processo de instrumentação, relativo ao sujeito: onde o sujeito cria, produz, re-produz, modifica, atualiza seus esquemas de utilização dos artefatos e de ações instrumentadas, ele coordena, assimila e transforma seus esquemas de utilização associando-os a novos artefatos. O sujeito “enriquece” seus esquemas mentais de uso. (RABERDEL, 1995, p. 137)
Desta forma, entendemos que iniciativas no sentido de possibilitar a inclusão digital dos alunos do curso pressupõe, necessariamente, um processo de gênese instrumental, no sentido de apropriação dos instrumentos antropotécnicos (RABARDEL, 1995). Com o intuito de investigar este processo de inclusão digital e de gênese instrumental no momento de apropriação dos instrumentos informáticos dos nossos alunos do Curso de Pedagogia na modalidade a distância, através do curso de extensão universitária, realizamos a presente pesquisa. Ela nos possibilitou investigar as mudanças (cognitivas e emocionais) que um processo de formação inicial em informática dentro de uma perspectiva pedagógica (e não puramente técnica) pode provocar, tanto nos processos de aprendizagem dos alunos do Curso como na pratica pedagógica destes sujeitos.
3. A metodologia adotada
A metodologia adotada nesta pesquisa foi a elaboração, aplicação e análise de dois instrumentos de pesquisa: um questionário inicial, aplicado antes do início do curso de extensão e um questionário posterior. Estes questionários foram analisados de forma quantitativa, identificando idade, sexo, formação e conhecimentos prévios em informática e também de forma qualitativa, identificando as expectativas dos alunos em relação ao curso e suas concepções relativas aos instrumentos informáticos.
O curso de extensão se realizou a partir de encontros presenciais com os alunos em um laboratório de informática e também a partir de discussões e de atividades não presenciais, onde os alunos realizaram atividades previamente solicitadas aos alunos, em momentos autônomos de trabalho, via o ambiente de aprendizagem on-line. Nesta primeira etapa do Curso, que teve uma duração de 7 semanas, perfazendo um total de 42 horas de atividades, foram atendidas seis turmas de oito alunos cada, totalizando 48 alunos.
Elaboramos e utilizamos, além dos equipamentos informáticos, um material impresso em módulos para consulta dos alunos durante o curso, que apresentava e discutia os aspectos técnicos e informáticos das principais ferramentas de utilização do computador e da Internet, como Introdução à informática a Windows, Introdução ao PowerPoint Internet – ferramenta de busca, Ambiente Virtual Udesc (NIED/UNICAMP/CDISP; MATUZAWA e DELPIZZO, 2002), assim como a abordagem dos Projetos de Trabalho de Hernandes (1998).
4. Principais resultados
A partir da análise dos questionários de avaliação, verificamos que 77,55% de um total de 49 dos inscritos, concluíram o curso. Destes, 81,57% enviaram a avaliação final do curso, correspondendo a 31 alunos. Considerando que são alunos do Curso de Pedagogia a Distância e muitos atuam como professores, observamos que o foco do curso pode ter contribuído para o aprimoramento da sua prática docente. A metodologia do curso, abordando a informática através de projetos de trabalho, segundo a avaliação dos alunos, possibilitou uma nova relação com estas ferramentas tecnológicas, ou seja, os alunos puderam contextualizar o uso do computador nestes projetos, superando a relação meramente técnica que tende a predominar em cursos de inclusão digital, pois aprenderam os recursos através de suas necessidades.
No questionário encaminhado no início do curso, 65% dos alunos explicitaram que tinham como expectativa principal apenas aprender a utilizar algumas ferramentas, como o Word (76% afirmaram não dominar ou não conhecer esta ferramenta), e o Power Point (73% afirmaram não ter nenhum conhecimento no uso deste recurso). O que nos chama a atenção nestes dados é que, apesar de 62% dos alunos afirmarem ter computador em casa, a falta de conhecimento no uso do Word é bastante significativa, principalmente por ser um editor de textos e um recurso diretamente relacionado ao uso deste equipamento. Esse resultado nos leva a analisar que apenas a oferta não garante o uso efetivo da ferramenta pelos sujeitos, sendo necessário um processo de formação que o leve a compreender a importância da informática no seu dia-a-dia e na sua prática profissional.
Como trabalho final do curso os alunos elaboraram um projeto de trabalho, o desenvolveram e como conclusão, apresentaram aos demais estudantes os projetos e seus resultados. No total, os estudantes realizaram 21 projetos de trabalho, abordando as mais diferentes temáticas, como por exemplo, o trabalho infantil, a bolsa escola, a higiene bucal, o folclore, a educação inclusiva, o fundo do mar, o papel do professor frente às novas tecnologias, etc. E ainda, alguns destes projetos tinham como objetivo a preparação de materiais didáticos para serem trabalhados junto aos alunos das escolas do estado.
Sobre as mudanças de comportamento dos alunos em relação ao uso do computador, percebemos que dados significativos podem ser ressaltados a partir do acompanhamento dos alunos no decorrer do curso e na avaliação final encaminhada pelos mesmos. Dessa análise podemos perceber que, do total de alunos que responderam ao questionário final, 16% disseram ter mudado de comportamento em relação ao computador, superando seus medos e resistências diante deste recurso tecnológico, através da prática no laboratório. Inicialmente apenas 8%, do total de alunos inscritos, tinham como motivação principal para a realização do curso, a utilização pedagógica dos instrumentos informáticos. Entretanto, no questionário final, esta porcentagem aumentou, 19% dos alunos também passaram a apreendê-los como importantes ferramentas pedagógicas, demonstrando uma mudança na sua concepção sobre o computador, a Internet e a educação. Quanto ao uso destes recursos, 23% afirmaram perceber a possibilidade do seu uso em suas atividades diárias, alteando a discussão levantada anteriormente sobre a necessidade dos projetos em inclusão digital destacar, tanto o aspecto técnico, quanto os aspectos sociais e culturais em relação ao uso dos recursos tecnológicos. Além disso, 10% dos alunos que responderam ao questionário final, afirmaram dizer que ‘descobriram’ no computador um importante instrumental pedagógico que pode possibilitar uma nova prática dos professores no processo ensino-aprendizagem, utilizando-os como potencializadores da aprendizagem.
5. Prolongamentos da pesquisa e conclusões
Os principais resultados apresentados nesta pesquisa nos fornecem subsídios (teóricos, metodológicos, práticos e didáticos) para avaliarmos nosso percurso enquanto pesquisadores em educação e também enquanto professores que atuam no meio universitário. Esta avaliação nos permite identificar as potencialidades que uma formação em informática, que transcende à uma discussão puramente “técnica” de apropriação dos instrumentos informáticos (treinamento), que contemple também a dimensão pedagógica destes instrumentos, possibilita aos sujeitos envolvidos. Mas, ao mesmo tempo, a pesquisa nos permite identificar as limitações de tal formação, apontando possíveis caminhos, prolongamentos para o aprimoramento de nossas estratégias e ações construídas até o momento.
A pesquisa reforça a importância da discussão pedagógica do uso dos instrumentos informáticos no processo de apropriação destes instrumentos (gênese instrumental, Rabardel, 1995) por sujeitos que se encontram em dois processos: de aprendizagem (enquanto alunos do Curso de Graduação) e de ensino (enquanto professores do ensino fundamental), modificando suas estruturas cognitivas e emocionais e instrumentalizando-os para uma mudança em sua prática pedagógica.
Desta forma, esta pesquisa terá como prolongamento a elaboração e a realização de novos cursos de extensão, os quais irão adotar a mesma metodologia do primeiro, ou seja, oferecer uma formação inicial em informática que contemple a dupla dimensão dos instrumentos: técnica e pedagógica, através dos Projetos de Trabalho. Para tal, alguns alunos que participaram do primeiro curso de extensão serão convidados à participarem dos próximos cursos, mas agora como monitores e não mais como alunos, assumindo assim, o papel de multiplicadores desta formação junto a seus colegas.
Considerando que nosso universo de alunos é composto por aproximadamente 12 mil alunos, distribuídos em diferentes localidades, os próximos cursos de extensão serão dirigidos à formação de multiplicadores e não mais à formação inicial dos alunos em geral. Assim, os alunos que participarem das próximas formações deverão possuir algum conhecimento nas ferramentas básicas da informática e ainda, assumirem este compromisso de multiplicadores. Com isto, pretendemos “estender”, mais rapidamente, este processo de inclusão digital e pedagógica.
Outra modificação, oriunda dos resultados da pesquisa, diz respeito ao tempo de duração da formação. É nossa intenção oferecer cursos de extensão mais prolongados, uma vez que a maioria (52%) declara que poderiam ter um melhor aproveitamento se o curso tivesse uma carga horária maior.
Para finalizar, é nossa intenção realizar uma pesquisa do tipo longitudinal (de acompanhamento) junto aos alunos que participaram ou participarão dos cursos de extensão “Educação e Tecnologias Digitais” no sentido de investigar em que medida esta formação está possibilitando modificações nas práticas pedagógicas destes alunos no momento em que eles estão exercendo sua profissão, ou seja, enquanto professores que atuam no ensino fundamental.
Concluindo, podemos afirmar que ocorreu uma ação coletiva, a qual envolveu educadores, educandos, a instituições e a própria comunidade escolar, na medida em que muitos dos projetos desenvolvidos forma posteriormente trabalhados pelos alunos no exercício de sua profissão de professor, o que mostra uma real modificação na prática docente destes alunos.
Referências bibliográficas
BORGES, M. K. e FONTANA, K. B. (2003). Interatividade na prática: a
construção de um texto colaborativo por alunos da educação
a distância. In X Congresso Internacional da Associação
Brasileira de Educação a Distância – ABED. Porto Alegre:
ABED.
DE KETELE, J-M. e ROEGIERS, X. (1998). Méthodologie du recueil d’informations.
Fondements dês méthodes d’observations, de questionnaires,
d’interviews et d’études de documents. Paris : De Boeck &
Larcier.
HERNANDEZ, F. e VENTURA, M. (1998). A organização do currículo
por projetos de trabalho. O conhecimento é um caleidoscópio. Porto
Alegre: Artmed.
HERNANDEZ, F. (1998). Os projetos de trabalho e a necessidade de transformar
a escola. In Presença Pedagógica, v.4, mai/jun.
LEONTIEV, A. (1988). Uma contribuição à teoria do desenvolvimento
da psique infantil. In Vygostky, L. S. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem.
São Paulo: Ícone: Editora da Universidade de São Paulo.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (2003). Mapa da exclusão
digital. Rio de Janeiro: FGV/IBRE.
MATUZAWA F. L. e DELPIZO G. N. (2002). Udesc virtual: tutorial do ambiente.
Curso de pedagogia a distância. Florianópolis: UDESC/CEAD.
NIED, Núcleo de Informática Aplicada à Educação,
UNICAMP, Universidade Estadual de Campinas, CDISP, Comitê para a Democratização
da Informática de São Paulo. (s/d). Projeto pedagógico.
http://cdisp.org.br/pedagogico/proposta/apresent.htm.
Acesso em out 2003.
PALLOFF, R. M. e PRATT, K. (2002) Construindo comunidades de aprendizagem no
ciberespaço. Porto Alegre: Artmed.
PAIVA, Fabiana (s/d). Democratização da informação
ou inclusão digital ? In iColetiva. http://www.icoletiva.com.br/secao.asp?tipo=artigos&id=51.
Acesso em out 2003.
RABARDEL, P. (1995) Les hommes et les technologies. Approche cognitive des instruments
contemporains. Paris : Armand Colin.
RAMAL, A. C. (2002). Educação na cibercultura. Porto Alegre: Artmed.
SILVA, M. (2001). Sala de aula interativa. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Quartet.
TRIVIÑOS, A. (1997). Introdução à pesquisa em ciências
sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo:
Atlas.