Paula Martini
SENAI – Departamento Nacional
paulamartini@dn.senai.br
TEMAS: C – Gestão de Sistemas de Educação a Distância
CATEGORIA: 4. Outras – Educação Profissional
Resumo
Nos últimos dez anos, surgiram várias redes de instituições brasileiras
atuando na educação a distância. O compartilhamento de recursos e a extensão
das redes objetivaram criar laços internos de cooperação e aumentar a competitividade
das organizações.
A partir de 2004, o SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
inicia a criação de uma rede interna para atuação em educação a distância.
O presente trabalho mapeia o ambiente externo, identificando as redes
já existentes, e evidencia a contribuição das relações de cooperação e do compartilhamento
da cadeia de valor para a estratégia competitiva do SENAI no campo da educação
a distância.
Palavras-chave:
Redes, educação a distância, cooperação, estratégia, cadeia de valor
1. A estratégia das redes
A educação a distância, utilizando novas tecnologias de comunicação e informação, situa-se na categoria dos negócios emergentes no qual mudanças tecnológicas revolucionam a prática tradicional e exigem a atualização das competências das organizações que pretendem atuar nesse campo. Também em termos gerenciais, novos modelos de estratégia competitiva têm sido incorporadas no planejamento e na organização das instituições educacionais.
Nesse sentido, instituições brasileiras de educação superior, públicas e privadas, têm procurado a articulação em rede, e até mesmo a criação de consórcios, para fortalecer sua presença no campo da educação superior a distância.
É o caso da UNIREDE, o maior e mais importante consórcio de instituições educacionais brasileiras. Ele foi criado oficialmente em 2000 e conta com, aproximadamente, 70 instituições públicas associadas. Seu objetivo é democratizar o acesso à educação de qualidade, por meio da oferta de cursos a distância, abrangendo os níveis de graduação, pós-graduação, extensão e educação continuada. A organização do consórcio visa possibilitar a cooperação entre os seus integrantes e evitar o isolamento e a duplicidade das iniciativas. A partir de 2003, um processo interno de reestruturação intensificou a criação de consórcios regionais e evidenciou uma atuação focalizada na formação de docentes.
Outro exemplo é a Rede Brasileira de Ensino a Distância - Instituto UVB.BR, que congrega 10 instituições de educação superior privadas, distribuídas pelas cinco regiões brasileiras, com maior concentração na região sudeste. Em 2003, o Instituto UVB.BR foi credenciado pelo Ministério da Educação e obteve autorização para oferecer alguns cursos de graduação a distância, focalizando sua atuação nos bacharelados.
Nos últimos cinco anos, foram criadas algumas outras redes de instituições para oferta de cursos a distância. É o caso da RICESU – Comunidade Virtual de Aprendizagem Rede de Instituições Católicas de Ensino Superior, composta por 10 instituições católicas de ensino superior, e o VEREDAS – Formação Superior de Professores, consórcio de instituições de ensino superior de Minas Gerais (públicas, comunitárias, particulares e confessionais), criado com o objetivo de oferecer um programa especial, a distância, para formar os professores leigos que estavam atuando nas séries inicias do ensino fundamental.
Essas redes brasileiras de educação a distância fazem parte do ambiente a ser analisado e atuam em segmentos de mercado que não se confundem com o foco do SENAI, que é a educação profissional.
No entanto, para sustentar a criação de uma nova rede de educação a distância, mesmo num segmento de mercado diferenciado, é necessário identificar o posicionamento da rede diante dos concorrentes e as contribuições dessa forma de organização para a criação de valor.
2. As estratégias das redes de cooperação
A atuação de redes de cooperação de empresas no Brasil tem sido estudada por Nelson Casarotto Filho. A questão inicial proposta por Casarotto é que um bom projeto estratégico parte de uma boa estratégia e, para isso, a combinação de análises do ambiente externo (oportunidades e ameaças) e interno (pontos forte e fracos) resultam num mix estratégico a ser constantemente avaliado pela empresa.
Esse modelo tem como base a divisão da empresa em UENs – Unidades Estratégicas de Negócios, já que as diferenças mercadológicas, de produção ou por outra variável, exigem estratégias diferentes. Nesse sentido, recomenda-se que instituições que atuam na educação de forma presencial construam uma análise específica para a educação a distância. Esse exercício tem o objetivo de identificar as particularidades desse segmento da atuação institucional e dele derivar uma estratégia específica para posicionar a empresa diante de seus concorrentes na educação a distância e, ao mesmo tempo, integrar esse segmento de negócio ao todo institucional.
No mix de estratégias empresariais a ser adotado, destacam-se quatro tipos que serão explicitados a seguir: a estratégia competitiva, a estratégia de produto/mercado, a estratégia de utilização de meios e a estratégia de produção.
Estratégia competitiva
Estratégia competitiva é o posicionamento da empresa diante da questão: ter ênfase na diversificação, com grande potencial para flexibilizar e com preços mais elevados, ou ter ênfase na padronização, oferecendo preços mais baixos e com menor flexibilidade de produção. Classicamente, a pequena empresa focalizava na diversificação e a grande empresa, na padronização. Quando se propõe uma rede de pequenas empresas, mantendo sua diversidade, é possível criar mecanismos de barateamento dos preços.
Essa estratégia merece, ainda, um pouco mais de detalhamento pois existem duas formas muito distintas de como as pequenas e médias empresas se associam para atuar em rede.
No primeiro tipo, formam-se redes topdown, ou seja, quando uma empresa-mãe possui uma rede de empresas fornecedoras e suas dependentes. Nesse caso, a rede consegue competir por liderança de custos diante das grandes empresas concorrentes.
No segundo tipo, as empresas dominam o negócio de forma semelhante e conseguem competitividade diante do mercado por manterem potencial de flexibilização e, ao mesmo tempo, razoável capacidade para competirem por preço. São as redes flexíveis de empresas. Essa é a abordagem é a origem dos consórcios italianos de pequenas e médias empresas, que têm demonstrado serem competitivos no mundo globalizado.
A representação do lugar estratégico das redes flexíveis é apresentada por Casarotto, a partir do diagrama original de Porter, conforme pode ser visto a seguir:
Figura 1: Curva “U” e estratégias competitivas genéricas ampliadas, desenvolvida
a partir do diagrama original de Porter
Fonte: Casarotto, 2001
Destaca-se que, no lado esquerdo da curva “U” estão as pequenas e médias empresas isoladas, sobrevivendo no mercado pela ênfase no produto, ou seja, pela sua capacidade de flexibilização e diferenciação para atender o cliente. No lado direito da curva, estão as grandes empresas que dominam maiores parcelas do mercado e que atuam com ênfase no processo, ou seja, com produtos padronizados que lhes garantem liderança de custo. Nessa curva “U”, quanto mais alto está o gráfico, maior é retorno do investimento.
Os dois círculos do gráfico são as redes de pequenas e médias empresas. Caso as empresas estabeleçam uma relação topdown, sua colocação no gráfico é mais à direita, pois essa rede tem uma tendência a competir por preço, apresentando uma performance no mercado comparada àquela das grandes empresas. Por outro lado, caso as empresas estabeleçam uma relação de rede flexível, seu posicionamento no gráfico é alto, havendo grande retorno de investimentos, já que essa rede apresenta tanto o potencial de flexibilidade como de concorrência por preço.
A rede flexível ou de cooperação é a abordagem estratégica que sustenta a proposição de criação de uma rede de instituições para atuar nacionalmente no campo da educação a distância. Com o estabelecimento de relacionamentos de cooperação, as organizações integrantes da rede podem oferecer preços mais acessíveis a seus clientes, compartilhando recursos internamente, e podem manter a diversificação de seus integrantes, flexibilizando a oferta de produtos.
Estratégia de produto/mercado
Estratégia de produto/mercado é a análise do portfólio da empresa ou da rede de empresas em comparação com a carteira de produtos oferecida pela concorrência, seja ela nacional ou internacional.
Estratégia de utilização de meios
Estratégia de utilização de meios é a análise do comportamento histórico do portfólio da empresa ou rede de empresas diante do mercado, isto é, é a identificação da fatia relativa de mercado e outras vantagens competitivas em cruzamento com o potencial de crescimento dessa fatia de mercado. O posicionamento de cada produto nos quadrantes vai indicar em qual deles investir, manter, passar a diante ou observar o comportamento no mercado.
Estratégia de produção
Estratégia de produção é a visão de longo prazo que se tem para cada produto. Se optar por uma visão conservadora, não se investe na melhoria do produto e amplia-se o mercado de consumo e a sua produção até o esgotamento do potencial de conquista. Se optar por uma visão de risco, investe-se mais recurso na melhoria do processo de produção e, baseado em estudos de potencial de conquista de mercado, prepara-se para o lançamento e conquista de mercado, com a conseqüente recuperação de investimentos. O ambiente de rápidas mudanças que se observa em todos os setores da economia e da vida social moderna indica a necessidade de, cada vez mais, utilizar a visão de risco para traçar o ciclo de vida desejado para os produtos.
3. O compartilhamento da cadeia de valor
Já foi dito que uma rede de cooperação surge quando empresas se unem para alcançar objetivos comuns, sejam eles amplos ou mais restritos.
Quando há formalização dessa rede, com a assinatura de um pacto entre os representantes de cada parte em relação a regras de conduta, responsabilidades, ética, diretrizes de qualidade, graus de liberdade etc., pode-se falar no surgimento de um consórcio (Casarotto, 2002). De maneira geral, a expressão rede é utilizada tanto nas situações formalizadas, como sinônimo de consórcio, como naquelas situações onde o pacto entre as empresas, para alcançar objetivos comuns, não gerou a assinatura de contratos.
O objetivo final de uma rede de cooperação de empresas é a agregação de valor aos produtos da rede; porém, para poder definir se a rede pode realmente contribuir para agregar valor aos produtos produzidos e comercializados pelos agentes, é necessário evidenciar a cadeia de valor do segmento de atuação das empresas consorciadas. O exercício de montar a cadeia de valor tem várias funções, dentre as quais pode-se nomear:
O resultado final esperado da análise da cadeia de valor e da implementação de mudanças por ela indicada é o aumento da competitividade dos agentes participantes da rede.
Genericamente, pode-se identificar seis funções-chave para uma cadeia de valor. Também é possível nomear algumas atividades, conforme listagem a seguir:
Essas funções-chave da cadeia de valor e suas atividades são representadas graficamente por Casarotto, numa adaptação da proposta de Porter, onde o sentido da esquerda para a direita acompanha as etapas do processo produtivo:
Figura 2: Cadeia de valor genérica em negócios industriais
Fonte: Casarotto, 2001
A divisão das atividades nas funções-chave é especialmente interessante para qualificar cada uma delas em relação ao conjunto pois “à medida que o mundo dos negócios foi adquirindo complexidade, a cadeia de valor foi-se expandindo para a frente e para trás, e suas competências centrais de produção, foram-se tornando insuficientes para manter a produtividade” (Casarotto, 2001).
Dessa constatação se deduz uma outra: as funções iniciais e finais da cadeia de valor são as que agregam maior valor ao produto e, ao mesmo tempo, são funções mais onerosas para pequenas e médias empresas atuarem de forma isolada. Por esse motivo, a tendência dos consórcios é concentrarem-se nas extremidades da cadeia de valor, enquanto as funções intermediárias, na maioria das vezes, permanecem sob responsabilidade direta das empresas parceiras. Quer dizer, a contribuição dos consórcios para agregar valor aos produtos é, mais comumente, resultado da sua atuação nas extremidades da cadeia de valor, como demonstra a figura abaixo:
Figura 3: Cadeia de valor genérica em negócios industriais e marcação das
áreas de consórcio
Fonte: Casarotto, 2001
4. Conclusão
A literatura sobre redes de cooperação de empresas pode ser utilizada como referência para a definição da estratégia competitiva de uma rede educacional voltada para a oferta de cursos e programas a distância.
Nesse sentido, o primeiro estágio da criação da rede é a definição de sua abrangência, definindo quais as atividades pertinentes à administração da rede e quais as atividades que permanecerão sob responsabilidade das empresas integrantes da rede.
Em conseqüência da abrangência da rede, o segundo estágio é a definição da estrutura organizacional da rede. Teoricamente, há propostas mais simples, onde os laços de compromisso para atuação em rede são estabelecidos de comum acordo, mas há pouco compartilhamento de recursos. No outro extremo, há a possibilidade da administração da rede se constituir numa empresa específica, administrando recursos próprios e com grande ingerência sobre a atuação dos seus integrantes. Soluções intermediárias também podem ser estabelecidas.
O estágio final para definição da estratégia de atuação da rede é através do detalhamento da cadeia de valor da educação a distância e do posicionamento da rede, como um todo, e de cada um de seus integrantes. Nesse sentido, alguns textos publicados recentemente estão iniciando o mapeamento da cadeia de valor do e-learning no Brasil atual e podem ser utilizados como referência para as instituições educacionais se posicionarem diante de seus concorrentes e se apresentarem para o cliente de forma diferenciada.
5. Referências
AZEVÊDO, Wilson. Panorama atual(izado) da educação a distância no Brasil; versão 2003. Acessado em 29/02/2004. Disponível em: http://www.aquifolium.com.br/educacional/artigos/panorama2.html
BIROCCHI, René. O sistema de valor do e-learning: mapa das empresas fornecedoras que atuam no Brasil. In: SILVA Marco (organizador). Educação online: teorias, práticas, legislação, formação corporativa. São Paulo: Loyola, 2003. 512p.
______________. O valor na indústria de e-learning. In: Revista Ensino Superior, nº 62. Acessado em 14/04/2004. Disponível em: http://www.revistaensinosuperior.com.br/apresenta2.php?edicao=62&pag_id=392
CASAROTTO FILHO, Nelson. Projeto de negócio: estratégias e estudos de viabilidade: redes de empresas, engenharia simultânea, plano de negócio. São Paulo: Atlas, 2002. 301p
CASAROTTO FILHO, Nelson e PIRES, Luis Henrique. Redes de pequenas e médias empresas e desenvolvimento local: estratégias para a conquista da competitividade global com base na experiência italiana. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. 173p.
SENAI. DN. Caracterização da educação a distância no SENAI. Versão preliminar. Brasília: 2001. 69p.
Site da UniRede. Acessado em 30/08/2003. Disponível em: http://www.unirede.br/index.html
Site do CEDERJ - Acessado em 29/02/2004. Disponível em: http://www.cederj.edu.br/cecierj
Site do CVA-RICESU; Comunidade Virtual de Aprendizagem - Rede de Instituições Católicas de Ensino Superior. Acessado em 14/04/2004. Disponível em: http://www.ricesu.com.br/
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VIANNEY, João, TORRES, Patrícia e SILVA, Elizabeth. A universidade virtual no Brasil; os números do ensino superior a distância no país em 2003. Apresentado no Seminário Internacional sobre Universidade Virtuais na América Latina e Caribe; Quito, 2003. 132 p.