Ensino e Aprendizagem de Física no Ciberespaço

Abril/2004

 

Sérgio Szpigel
Universidade Presbiteriana Mackenzie, szpigel@mackenzie.com.br

Pollyana Notargiacomo Mustaro
Universidade Presbiteriana Mackenzie, polly@mackenzie.com.br

Mariana Levit Kaufmann
Universidade Presbiteriana Mackenzie, mariana_lk@mackenzie.com.br

 

Projeto em Andamento: B- Planejamento, Elaboração e Avaliação de Materiais Didáticos para Educação a Distância; 2. Educação Universitária.

Resumo:
A Educação na “Sociedade do Conhecimento” está passando por profundas mudanças. O surgimento do Ciberespaço e o desenvolvimento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s) estabeleceram formas de comunicação mediadas por computador que têm sido amplamente exploradas como recursos educacionais. Pesquisas recentes em Ensino de Física têm mostrado que, em geral, essas tecnologias só contribuem para uma aprendizagem mais eficiente quando integradas a metodologias pedagógicas consistentes. Neste trabalho, apresentamos um panorama geral sobre o uso das TIC’s na Educação e descrevemos as características e resultados preliminares de um ambiente virtual de ensino-aprendizagem desenvolvido para complementar as atividades presenciais das disciplinas de Física Geral ministradas na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Palavras Chaves:
Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, Ensino-Aprendizagem, Educação a Distância (EAD), Ciberespaço, Ensino de Física.

 


1. O Monolito Negro: uma metáfora para a educação mediada por tecnologias digitais

Um dos mais intrigantes e simbólicos artefatos da Ficção Científica é o Monolito Negro de 2001: Uma Odisséia no Espaço, escrito por Arthur C. Clarke e transformado em filme por Stanley Kubrick em 1968. O Monolito Negro é um enorme totem de forma retangular, perfeitamente polido e reluzente, que surge na Terra há cerca de quatro milhões de anos e, misteriosamente, provoca a transformação de um grupo de primatas, disparando o gatilho evolucionário que leva ao aparecimento da raça humana e ao desenvolvimento da civilização e da tecnologia. No final do século XX, o Monolito Negro é encontrado novamente, desta vez na Lua, dando início às aventuras dos astronautas Dave Bowman e Frank Poole e do computador HAL 2000.

O Monolito Negro de 2001: Uma Odisséia no Espaço pode ser utilizado como uma metáfora bastante apropriada para o Ciberespaço, um dos mais significativos ícones da virtualização mundial. Em nossos primeiros contatos com as tecnologias utilizadas para o acesso ao Ciberespaço, sentimo-nos ao mesmo tempo fascinados e inseguros, como os primatas diante do Monolito Negro. Não obstante, tudo indica que esses artefatos serão os principais responsáveis pela formas como nos comunicaremos, ensinaremos e aprenderemos neste século que se inicia.

O termo Ciberespaço foi conceituado em 1984 pelo escritor William Gibson em seu romance de ficção-científica Neuromancer (Gibson, 1991): “Uma alucinação consensual, vivida diariamente por bilhões de operadores legítimos em todas as nações, por crianças a quem estão ensinando conceitos matemáticos...”.

A cultura do Ciberespaço, denominada Cibercultura, é definida por Pierre Lévy (1999) como sendo “o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do Ciberespaço”. A Cibercultura provocou uma profunda revolução nas comunicações com conseqüências em todas as esferas de interação humana. “A idéia visionária de um sistema global de informação mobilizou a imaginação das pessoas mais do que qualquer outra inovação no campo da informática” (McCormack et al., 1998).

O Ciberespaço instituiu novas configurações espaço-temporais para a comunicação, criando uma dimensão simbólica, explorada através do uso de aparatos tecnológicos, que possibilita a realização de várias atividades e interações virtuais caracterizadas pela desterritorialização. Essas novas e complexas formas de comunicação e interação têm afetado particularmente a educação no século XXI, dando origem a uma série de questionamentos, sobretudo em relação às potencialidades do Ciberespaço para transformar e melhorar a Educação. O estabelecimento de estratégias consistentes, que assegurem a utilização eficiente das tecnologias digitais, representa um enorme desafio para as instituições de ensino, já que a simples disponibilização dos recursos digitais não implica numa melhora do ensino. Dentro desta perspectiva, algumas instituições e seus professores têm incorporado aos seus sistemas educacionais uma das mais importantes mudanças de paradigma propostas na Educação: foco no estudante ao invés de foco no professor. “Pensar em termos de quanto os estudantes aprenderam em oposição a quanto material foi apresentado é uma mudança de perspectiva fundamental e necessária” (Sutherland et al., 1996).

Uma das chaves para essa mudança é o desenvolvimento de métodos eficientes de comunicação e colaboração entre professores e estudantes.

“Aprendizagem cooperativa é uma das melhores estratégias de ensino pesquisadas. Os resultados mostram que estudantes que têm oportunidades de trabalhar colaborativamente aprendem mais rápido e eficientemente, apresentam maior retenção e sentem-se mais positivos em relação à experiência de aprendizagem. Desnecessário dizer que não basta colocar os estudantes em um grupo e determinar um projeto a ser executado. Há métodos muito específicos para assegurar o sucesso do trabalho em grupo, e é essencial que ambos, professores e estudantes, estejam atentos a eles”  (New Horizons for Learning, 1998).

Nesse cenário, as tecnologias da informação e comunicação (TIC’s) constituem instrumentos poderosos ao alcance das instituições de ensino.

 

2.  Cursos On-line 

Os cursos on-line podem ser definidos como ambientes virtuais, criados com base na tecnologia Web, para o desenvolvimento de tarefas educacionais. Esses ambientes virtuais consistem essencialmente em um Sistema de Gerenciamento de Aprendizagem (LMS - Learning Management System) ao qual é incorporado o material didático do curso. Os LMS’s são programas que envolvem ferramentas para a distribuição e gerenciamento de conteúdos, informações e aplicações em multimídia, recursos de comunicação e colaboração e instrumentos de acompanhamento e avaliação.

Embora seja um elemento fundamental dos cursos on-line, a tecnologia por si só não garante sua efetividade. Usar a Web apenas como um “quadro negro eletrônico”, simplesmente disponibilizando conteúdos em formato tradicional, é desprezar as reais potencialidades do Ciberespaço para a Educação.

As tecnologias só contribuem para uma aprendizagem mais eficiente quando integradas a metodologias pedagógicas que atendam às necessidades dos estudantes e professores que as utilizam.

 Particularmente na área de Ensino de Física, vários estudos (Hake, 1998; Redish et al., 1997; Christian e Belloni, 2001a) têm sugerido o uso de estratégias de aprendizagem ativa:

“Atividades construtivistas em que os estudantes sentem que estão no controle, através de ferramentas com as quais podem realizar suas próprias explorações, são muito mais efetivas do que atividades em que os resultados são simplesmente mostrados aos alunos, não importa o quão eloqüente ou clara é a forma de apresentação” (Redish, 1993).

Neste sentido, o desenvolvimento de materiais didáticos, metodologias e dinâmicas de comunicação para cursos on-line deve ser orientado com base em métodos em que os estudantes e seus processos de construção do conhecimento constituem os elementos centrais. Além disso, é importante utilizar instrumentos que permitam observar e interpretar o comportamento dos estudantes e a forma como eles interagem com os conteúdos disponibilizados no ambiente virtual, diagnosticando suas dificuldades e avaliando a eficiência do material pedagógico sobre a aprendizagem.

Um método que vem sendo utilizado no desenvolvimento de materiais pedagógicos específicos para o Ensino de Física é o processo cíclico implementado pelo Grupo de Ensino de Física da Universidade de Washington (McDermott, 1991). Esse método é baseado em um modelo chamado “Roda de McDermott” (Figura 1). Nessa representação, o eixo de rotação corresponde ao Modelo de Aprendizagem utilizado como base para a pesquisa.

Figura 1 – “Roda de McDermott”

Um modelo bastante adequado para a aplicação desse método é o Modelo Construtivista de Cognição, desenvolvido nas últimas décadas a partir das idéias e métodos experimentais de Piaget, Vygotsky e Luria, entre outros. Quatro princípios básicos podem ser extraídos desse modelo (Redish, 1996):

Esses princípios evidenciam questões geralmente negligenciadas pelos métodos tradicionais de ensino e que devem nortear o desenvolvimento de novos materiais pedagógicos e novas metodologias para o ensino on-line:

Um outro aspecto importante que deve ser considerado no desenvolvimento de cursos on-line é forma como os conteúdos são organizados. A estruturação dos elementos do material instrucional, como Objetos de Aprendizagem (LO’s – Learning-Objects), é uma arquitetura de conteúdos que vem sendo cada vez mais utilizada no Ensino On-line. Os LO´s podem ser definidos como objetos digitais (ou conjuntos de objetos) independentes que podem ser combinados, utilizados e reutilizados de maneiras distintas no processo de ensino-aprendizagem para a motivação, apresentação e avaliação de um determinado assunto, adequando-se a diferentes metodologias pedagógicas (Nunes, 2002).

O desenvolvimento de materiais pedagógicos baseados na tecnologia Web tem evoluído no sentido da criação de um padrão universal de indexação, armazenamento e distribuição de LO’s através de metadados - informações incluídas no arquivo que contém o objeto, tais como título, autor, data, descrição.

 

3.  Física On-Line

O projeto Física On-Line (Szpigel e Masson, 2003) tem como objetivo a implantação de um ambiente virtual de ensino-aprendizagem que combina recursos da tecnologia Web e metodologias baseadas em resultados da Pesquisa em Ensino de Física. Esse projeto vem sendo desenvolvido no Laboratório de Ensino Digital da Faculdade de Ciências Biológicas, Exatas e Experimentais (LED-FCBEE) da Universidade Presbiteriana Mackenzie e destina-se à complementação das atividades presenciais das disciplinas de Física Geral e Experimental.

O ambiente virtual desenvolvido (Figura 2) consiste em um LMS ao qual são incorporados tutoriais contendo o material do curso. O LMS utilizado é o programa WebCT (http://www.webct.com/).


      Figura 2 – Homepage do ambiente virtual criado com o WebCT

O material é organizado em quatro módulos seqüenciais, divididos em tutoriais referentes a cada tópico específico do programa das disciplinas de Física Geral e Experimental dos quatro primeiros semestres.

Os aplicativos multimídia, dispostos nos tutoriais, são recursos extremamente eficientes na implementação de estratégias de aprendizagem ativa, constituindo uma parte essencial do material instrucional desenvolvido no projeto Física On-Line. Entre os aplicativos utilizados, destacam-se os Physlets: Java Applets para o Ensino de Física desenvolvidos por Wolfgang Christian e sua equipe de colaboradores no Davidson College (Christian e Belloni, 2001b). Vários trabalhos de pesquisa (Dancy et al., 2001; Belloni et al., 2002) mostram que os Physlets enriquecem o entendimento conceitual, resultando em um significativo ganho cognitivo.

Os Physlets podem ser integrados aos tutoriais de três formas diferentes: Ilustração, Exploração e Problemas. Na Figura 3 é mostrado um exemplo de utilização dos Physlets como Ilustração. As animações são utilizadas para introduzir novos conceitos ou apresentar aos estudantes simulações dinâmicas de situações físicas. Todas as informações necessárias são fornecidas ou podem ser obtidas através de interações descritas no texto do aplicativo.

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Figura 3 – Physlets utilizados como Ilustração.

Na Figura 4 são mostrados exemplos de utilização dos Physlets como Exploração. Os estudantes são guiados por um roteiro que os orienta a observar o efeito da mudança de parâmetros e a fazer previsões que devem ser analisadas e comparadas com as observações.

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                            Figura 4 – Physlets utilizados como Exploração

Na Figura 5 é mostrado um exemplo de utilização dos Physlets como Problema. As animações são utilizadas como parte integrante do processo de solução de problemas propostos aos estudantes, sem a orientação fornecida nos aplicativos utilizados como Ilustração e Exploração.

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Figura 5 – Physlet utilizado como Problema

 

4.  Resultados Preliminares

            Durante o primeiro semestre de 2003 foram realizados testes preliminares do ambiente virtual do projeto Física On-Line. Participaram do teste estudantes do terceiro semestre de Engenharia Elétrica, Física e Matemática, todos cursando a disciplina Física III com o mesmo professor. Para a realização desses testes foram disponibilizados no ambiente virtual dois tutoriais com conteúdo explanatório, exemplos e exercícios utilizando Physlets, cobrindo os tópicos Carga Elétrica e Força Eletrostática. Os estudantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos: Grupo A (50 estudantes) e Grupo B (48 estudantes). Os estudantes do Grupo A tiveram acesso ao ambiente virtual durante um mês. Os estudantes do Grupo B, considerados como grupo de controle, não tiveram acesso ao ambiente virtual.

            Ao final do período, foi aplicado a todos os estudantes um teste com questões referentes aos tópicos abordados nos tutoriais disponibilizados no ambiente virtual. A nota média (de 0 a 10) para o grupo A foi 6,1 (desvio padrão igual a 2,1) e para o grupo B foi 3,9 (desvio padrão igual a 2,3). Na Figura 6 são mostradas as distribuições de freqüência das notas para os grupos A e B.


Figura 6 – Resultados do teste para os grupos A e B

            Observa-se que a maior parte dos estudantes do grupo A obteve notas acima da média, ao contrário dos estudantes do grupo B. Esses resultados mostram um desempenho significativamente superior dos estudantes que acessaram o ambiente virtual em relação aos que não acessaram.

Dando continuidade ao projeto, pretende-se disponibilizar tutoriais contemplando o conteúdo completo das disciplinas de Física Geral e utilizar o ambiente para o desenvolvimento de atividades colaborativas.

 


Referências Bibliográficas

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