Paula Carolei
Site Educacional/USP carolei@sti.com.br
Tema: Formação de profissionais para Educação a
Distância
Categoria:Educação Corporativa
RESUMO:
Relato de experiência sobre uma oficina sobre textos e hipertextos
realizada num curso de Instructional Design para funcionários de uma
empresa de treinamento, destacando as habilidades de comunicação
necessárias a este profissional e as escolhas pedagógicas que
ele deve fazer de ferramentas e do material textual utilizado para que os objetivos
educacionais de melhorar as habilidades de leitura e escrita dos usuários
sejam efetivamente atingidos. As atividades desenvolvidas tiveram como importantes
resultados a mudança de visão dos grupos de participantes que
utilizam modelos fechados de cursos online, percebendo a importância dos
processos de autoria e das ferramentas colaborativas para uma aprendizagem real
1- INTRODUÇÃO
Este trabalho é um relato de experiência sobre uma oficina presencial elaborada num curso de Design Instrucional promovido pela SITE Educacional - empresa incubada no CIETEC/IPEN/USP - para a equipe de e-learning de uma empresa em São Paulo.
A empresa contratou esse curso com a finalidade de formar sua equipe de Designers Instrucionais. Os membros dessa equipe foram recrutados entre os webdesigners responsáveis pela adaptação de vários cursos em CBT (auto-aprendizado) comprados pela empresa. A demanda de treinamento dessa empresa aumentou muito no último ano e a opção foi a de criar seus próprios cursos, ao invés de comprar cursos prontos.
A empresa na qual o curso foi realizado treina pelo menos trinta mil funcionários por ano. Seu principal foco de treinamento é para o cargo de teleoperadores. Este é um cargo ocupado geralmente por jovens, a maioria em seu primeiro emprego, por isso, apresenta um alto grau de rotatividade e absenteísmo.
Dessa oficina participaram a gerente do grupo de e-learning, duas redatoras, três webdesigners e duas convidadas de empresas que desenvolvem parcerias nos cursos desenvolvidos por eles.
O objetivo do curso de Instructional Design foi o de formar profissionais que sejam capazes de planejar e implementar cursos à distância. O curso teve a duração de 14 sessões semanais de 4 horas cada uma. Cada módulo foi desenvolvido em forma de oficina, com exercícios mais práticos para que todos vivenciassem melhor cada etapa do Instructional Design (DI).
Entre as funções do Designer Instrucional está a de escolher e produzir textos e hipertextos, adaptando-os à proposta pedagógica de cada curso elaborado e à análise de tarefas do público-alvo. Este relato refere-se especificamente sobre essa oficina.
2- OFICINA SOBRE TEXTOS E HIPERTEXTOS
A importância dessa oficina foi a de sensibilizar os participantes para os diversos tipos de textos existentes, as habilidades de leitura que são exigidas em cada um deles e quais ferramentas do ensino à distância podem ser utilizadas para desenvolver habilidades de leitura e escrita.
Em oficinas anteriores eles tiveram noções relacionadas com as etapas de Diagnóstico e Planejamento, nas quais identificaram as características do seu público/cliente. Para escolher os elementos textuais que serão utilizados nos cursos online é importante o conhecimento desse público, analisar suas funções, ou seja, perceber quais as atividades que eles realizam na sua rotina de trabalho, e dentro disso identificar o que eles sabem fazer e o que não sabem.
Numa análise inicial o público-alvo principal, os teleoperadores, apresenta uma resistência à leitura e dificuldades na escrita. Essa análise generalista é encontrada em todos os níveis de educação, seja ela corporativa ou escolar.
Em um primeiro momento, foram levantadas as competências comunicacionais que se espera do próprio Designer Instrucional. Esta foi uma oportunidade para os participantes da oficina em DI refletirem sobre como são as suas principais formas de comunicação interpessoal e o quais as competências que lhes faltam para atuarem nesse papel. Segundo a IBSTPI (International Board of Standards for Training, Performance and Instruction) as bases da profissão de Designer Instrucional inclui:
Comunicar-se, efetivamente, por meio visual, oral e escrito:
Entre essas competências o grupo destacou, para a realização dessa função na empresa, a importância da comunicação através de mensagens claras e concisas, considerando que eles têm que atender uma demanda muito grande e precisam garantir a compreensão das mensagens por todos. Outro ponto considerado importante foi a escuta ativa, já que o Designer Instrucional é aquele que levanta a necessidades dos alunos/clientes e faz a mediação entre os vários membros da equipe de produção: conteudistas, gerentes, webdesigners, redatores e programadores; por isso, ele deve ser capaz de compartilhar as informações e coordenar as reuniões.
O Designer Instrucional, nessa escuta ativa, precisa ser capaz de dialogar com o conteudista para definir quais são os conceitos principais presentes em cada tema. A partir daí pode selecionar a melhor metodologia para que esses conceitos sejam compreendidos pelos aprendizes. O DI estabelece também pontes comunicacionais com os webdesigners e com os produtores de mídias.
3- TIPOS DE TEXTOS:
Depois de levantadas as competências comunicacionais da equpe, iniciamos o trabalho de sensibilização, tentando levantar o que cada um deles “lê”, em determinados tipos de texto.
Foram apresentados vários tipos de textos:
Foi pedido para que eles refletissem sobre o trabalho mental que cada um dos textos exigia: se eles formavam imagens ou buscavam conceitos; se paralisavam a leitura quando não conheciam os termos; se conseguiam perceber o contexto e o que chamava mais a atenção em cada um dos textos.
Os textos que claramente induzem a formação de uma imagem mental são os narrativos e os situacionais. Essa constatação é importante, pois esse estilo de produção textual produz no leitor uma espécie de vivência virtual, uma vez que ele produz imagens.
Muitas vezes, o leitor imagina-se naquela situação, identifica-se com o personagem e reflete o que ele faria no lugar dos personagens.
O texto poético também tem a capacidade de gerar imagens. Ele tem características rítmicas, que muitas vezes não aparecem nos outros. O texto poético escolhido foi um texto antigo com muitas palavras de significado desconhecido, mas pelo ritmo é possível perceber qual é o contexto do poema.
Os termos desconhecidos do poema nesse momento também tiveram uma função importante no processo de sensibilização. A partir deles, foi possível identificar a capacidade de inferência de cada um. Assim, eles puderam perceber a sua postura diante de um texto, identificando como ele lidam com as dificuldades: se eles procuram a palavra, se eles tentar relacionar com o contexto e inferir o significado ou simplesmente desistem do texto. No grupo apareceram as três formas de agir.
Já os textos jornalístico, informativo, dissertativo e procedimental trabalham principalmente com idéias. Os participantes buscaram o encadeamento lógico quando fizeram a leitura, tentando identificar os conceitos envolvidos. As diferenças que existem nesses tipos de texto são os níveis de argumentação e a quantidade de pontos de vista presentes em cada um deles.
Os textos informativos são geralmente encontrados em livros didáticos e obras de referência como enciclopédias. Apresentam um texto factual pobre em argumentação. Consideram os fatos como dogmas, sem mostrar o caminho pelo qual essa informação foi construída e elaborada. Os textos jornalísticos geralmente mostram pontos de vista, mas muitas vezes são editados e produzidos com a finalidade de serem consumidos mais rapidamente pelo leitor. Já o texto dissertativo acadêmico oferece ao leitor uma possibilidade de análise mais profunda, pois o autor dialoga com diversos autores dentro do texto.
4- HABILIDADES DE LEITURA
Quais são as Habilidades de Leitura esperadas do Aluno?
O grupo percebeu no exercício de sensibilização uma habilidade importante que é a capacidade de inferência dos termos desconhecidos e o reconhecimento dos contextos ao qual esse texto está inserido. Outro ponto essencial é a identificação das articulações entre os parágrafos e frases. O objetivo fundamental foi o de ser capaz de identificar as palavras-chaves e idéias principais e secundárias.
Além das habilidades de leitura, é preciso também reconhecer os níveis de leitura (compreensão, interpretação e análise) que os educandos atingem e quais se espera que eles atinjam. Por exemplo, muitas vezes, quando falamos que nosso aluno tem dificuldades em ler, ou mesmo, não gosta de ler, isso significa que na maioria das vezes ele atinge, no máximo, o nível de compreensão, percebendo o sentido das palavras mas não elaborando as suas resignificações.
Normalmente o professor espera e até exige do aluno a capacidade de análise e síntese do texto. Mas o texto nem sempre é adequado ao nível de compreensão de leitura do aluno que faz uma leitura mecânica das palavras, sem conseguir compreender e interpretar o que está escrito.
Além de perceber o significado das palavras, compreendendo o texto, é importante que o aluno mobilize outros conceitos presentes no seu repertório, que vão além do texto, criando uma interpretação.
As etapas de análise e síntese dependem da capacidade do aluno de interpretação e avaliação dos conceitos, de relacionar o texto com outros textos e estabelecer comparações.
Mas como a escolha dos textos na etapa de planejamento pode favorecer isso?
Se apenas textos puramente informativos são trabalhados, é mais difícil o aluno perceber que o conceito é construído, dentro de pressupostos, que existe multiplicidade de pontos de vista e formas de interpretação.
É preciso que o texto chame o leitor a participar: mesmo que o ambiente não permita a inclusão de anotações para que o aluno selecione suas palavras chaves e deixe seus comentários. O texto, dependendo da sua estrutura, pode induzir o leitor à reflexão, fazendo-o perceber como aquele conteúdo se relaciona com a sua vida, deixando espaço para que ele pense.
Perguntas simples como: “Isso acontece com você?” “Isso prejudica o seu trabalho?” fazem o leitor imaginar, voltar o foco para si e buscar elementos que possibilitam a interpretação e até encaminhem uma análise.
Os textos narrativos e situacionais são, geralmente, mais palatáveis aos alunos porque trabalham com as imagens e não com conceitos. É mais fácil do educando identificar-se com os personagens, mas do mesmo modo é necessária a condução da reflexão, de perguntar o que ele faria nas situações e levar também à elaboração de conceitos e argumentações sobre as “vivências”.
Na educação à distância o uso de textos é muito comum, mas muitas vezes deixam-se textos à disposição e espera-se que os alunos discutam em fóruns ou criem sínteses. Mas o ponto importante trabalhado nessa oficina foi como perceber as habilidades que faltam nos educandos e como usar as ferramentas para desenvolvê-las.
Por exemplo, um fórum bem conduzido sobre um texto pode desenvolver a capacidade de argumentação e análise. A apresenção de diversos pontos de vista, seja como comentários em fóruns, bate-papo e diários virtuais desenvolvem essa percepção de multiplicidade de pensamento e da necessidade de identificar quais são os pressupostos de cada um deles e construir uma síntese própria.
A construção de textos colaborativos também trabalha a capacidade de análise e síntese.
Mas se o aluno apresenta dificuldade até no nível de compreensão é necessário começar com as anotações, pedir para que ele identifique as palavras-chave e ir passo-a-passo, sempre elaborando perguntas que levem a reflexão daqueles conceitos para a vida prática dele.
Falamos muito de textos, mas a habilidade de leitura não inclui apenas textos alfabéticos, as imagens também são textos incluindo fotos: ilustrações, mapas, animações, tabelas, gráficos. No próprio texto existem também as saliências gráficas (negritos, itálicos, aspas, etc.) que também podem facilitar a compreensão destacando as palavras-chaves e os pontos principais.
As imagens necessitam de uma interpretação diferente da leitura alfabética. A imagem cria um ambiente, ela envolve, é com um espaço onde se espera que o expectador sinta-se imerso. Não cabe falar em leitura de imagem, temos que ver a imagem e não ler. As imagens mobilizam muito mais do que sensações visuais. Muitas delas, especialmente as que apresentam ilustrações em três dimensões, despertam no expectador sensações tácteis que geram uma maior integração (interação) do usuário. (Kerckhove, 1997)
Os textos também podem ser apoiados por sons, que podem incluir desde sons que ambientem o texto ou a própria leitura do texto. O uso de som, em geral facilita a elaboração de imagens mentais, através da pontuação e do ritmo que a leitura falada confere ao texto.
Segundo Tapscott (1999) os alunos de hoje não são mais leitores nem expectadores, eles são usuários e acredito que isso não se estenda apenas à forma de aprendizado, mas ao modo de encarar a própria existência. O usuário experimenta várias vidas, vários caminhos, várias sensações. Pertence a vários grupos ao mesmo tempo.
Para solucionar problemas, o usuário muitas vezes usa a tentativa e erro e não tem medo de errar. Ele usa estratégias, mas não tem um plano tático muito elaborado, pois precisa de uma capacidade de adaptação muito grande.
Mas como o usuário lê? Ele precisa ler?
Uma habilidade não exclui a outra e elas se complementam. A leitura é um processo mais exigente e possibilita a construção de imagens e conceitos. O expectador recebe as imagens prontas e o usuário seleciona os conceitos e brinca com eles.
Como integrar? O aluno deve produzir, deve caminhar no sentido da autoria e da autonomia. É importante que brinque com os conceitos, que tenha uma postura de solucionar desafios diante dos obstáculos, mas também é fundamental que produza suas próprias imagens e construa seus argumentos.
5- HIPERTEXTOS
Na sociedade em rede tentamos ir além do texto, buscamos o hipertexto que é uma materialidade do pensamento. O nosso cérebro é uma rede e funciona de uma forma hipertextual, organizando o pensamento não de uma forma hierárquica ou linear, mas de uma forma multidimensional através de nós e links. Os neurônios ligam-se através das sinapses e estas vão sendo reforçadas na medida que são usadas. Um neurônio pode receber e fazer várias sinapses, assim o nosso próprio cérebro funciona em rede.
Segundo Pierre Lévy, existem seis critérios para se caracterizar o Hipertexto: Metamorfose, Multiplicidade, Heterogeneidade, Topologia, Exterioridade e Mobilidade dos centros. Então para construir hipertextos é preciso renegociar sentidos com dados heterogêneos quantitativamente e qualitativamente, organizados de uma forma fractal, sem unidade, num fluxo constante de uma forma espacial rizomática.
Não parece algo muito complexo para um público que segundo o diagnóstico, tem níveis apenas de compreensão de texto?
De uma certa forma sim, mas é preciso aprender a viver na complexidade e na incerteza, como diz Morin: “O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade”. Não podemos reduzir o conhecimento a formas simples, desconectadas. Para aprender numa sociedade em rede é preciso entender que tudo está conectado a tudo, que precisamos escolher caminhos e a autoria está em descrever o caminho escolhido.
Depois da apresentação do conceito de hipertexto e da reflexão sobre as possibilidades do seu uso nos cursos em que a equipe estava, a questão da construção rizomática foi o ponto central da discussão. Pois eles afirmaram que nunca tinham pensado nessa forma, os cursos desenvolvidos até então eram lineares, com respostas prontas e esperadas, não havia a preocupação com a produção do aluno.
6- CONCLUSÃO
Apesar do objetivo inicial da equipe ter sido desenvolver suas habilidades em Design Instrucional para atender uma demanda de massa, eles perceberam durante a oficina que simplesmente apresentar os textos, elaborar questões e esperar que os alunos apontem uma resposta pronta não irá desenvolver as habilidades de leitura esperada.
Pudemos refletir juntos sobre estratégias de mediação. No caso da empresa citada, a demanda de treinamento é grande, e costumam trabalhar com modelos prontos. Mas nessa oficina o grupo percebeu que é importante a estrutura não ser totalmente fechada, e sim que haja, no mínimo, momentos em que o educando possa fazer alguma anotação, destacar as palavras-chave. Os tutores devem mediar o processo, identificando os caminhos trilhados pelos educandos e dando retorno nos e-mails e fóruns.
Outro ponto que o grupo concluiu foi a importância da escolha dos textos e da elaboração de questões, sempre pensando no que o aluno sabe, no nível de leitura que ele atinge, nos comandos de questão que conhece.
O grupo concluiu que uma estrutura rizomática é muito mais rica e possibilita um processo de autoria, apesar de achar complicado essa estrutura para os treinamentos em massa, mas surgiu idéias de cursos para grupos menores, principalmente para gerentes e supervisores que precisam aprender a tomar decisões e, na maioria das vezes, criar caminhos e não apenas escolher.
Os participantes também perceberam a importância da ampliação do número de leitores/autores para o desenvolvimento da leitura e da escrita. A escrita tem uma função social e quando se escreve para um público é preciso ter muito mais preocupação do que quando se apresenta um trabalho apenas para um professor.
Portanto, a possibilidade de deixar comentários para os outros e até criar textos colaborativos pode ampliar e muito a capacidade de escrita do aluno.
Essa experiência mostra como uma equipe, mesmo dentro de uma corporação que espera treinamentos em massa pode mudar seus conceitos de e-learning, percebendo as ferramentas de colaboração e cooperação com instrumentos fundamentais para o aprendizado efetivo. Nessa experiência ocorreu uma transformação na visão de educação dos participantes e eles perceberam que o educando só terá autonomia de aprendizado quando ele caminhar para a autoria e puder escolher seus caminhos e construí-los e não apenas seguir uma tarefa mecânica. Num mundo em constante mudança não há lugar para aprendizagens puramente mecanizadas, é preciso desenvolver as habilidades de trabalhar com o novo.
7- BIBLIOGRAFIA
KERCKHOVE, Derrick. A pele da Cultura. Ed. Relógio D’água,
Lisboa, 1997.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência. O futuro do pensamento
na era da Informática. Ed. 34, Rio de Janeiro, 1993.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à Educação.
Ed Cortez, São Paulo, 2001.
TAPSCOTT, Don. A geração Digital. Ed Makron, São Paulo,
1999.
KENSKI, Vani. Tecnologia no ensino presencial e a distância. Ed. Papirus,
Campinas, 2003
http://www.abed.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm-
Dominios, Competência e Padrões de Desempenho do Design Instrucional
(DI)- 05/02/04