Profa. Dra. Eliana M. do Sacramento Soares
Universidade de Caxias do Sul – RS
emsoares@ucs.br
Profa. Naura Andrade Luciano
Universidade de Caxias do Sul – RS
nalucian@ucs.br
Formação de profissionais para a Educação a distância
Educação Universitária
Resumo:
Nosso estudo tem como objetivo caracterizar a maneira como o professor está
lidando com as mudanças advindas da presença dos recursos digitais
em seu ambiente de atuação e identificar as transformações
e acoplamentos estruturais que estão ocorrendo com esses professores
na busca para apresentar novas condutas em seu fazer docente. A teoria que foi
escolhida para dar suporte a esse estudo é a biologia do Conhecer Maturana.
Os resultados obtidos servirão de base para planejar programas de capacitação
de professores no uso de recursos tecnológicos, em seu âmbito de
atuação.
Palavras-Chave:
Formação de professores. Tecnologias digitais.
Contexto do estudo
Em geral, o modelo pedagógico dos cursos universitários estão
baseados em modelos de transmissão de conhecimento, onde o professor
expõe e o aluno acompanha. A conseqüência dessa forma de ensinar
é que os alunos desenvolvem uma conduta passiva e dependente, pois durante
anos de vida acadêmica ele é submetido a copiar, decorar e reproduzir
informações. Mudar esse paradigma educacional é necessário
para que possam ser formados profissionais criativos e com conduta que revele
autonomia e autoaprendizagem, competências relevantes para lidar com a
realidade em constante transformação nesse início de século.
Essa mudança exige uma nova visão de sujeito, de mundo e de conhecimento.
A tecnologia poderá contribuir para essa mudança e para a construção
de um sujeito atuante, crítico e cooperativo se sua utilização
for associada a uma reflexão crítica e não simplesmente
submeter-se às imposições técnicas da informatização.
O uso das tecnologias digitais no contexto educacional pode levar a falsa idéia de que a simples presença desses recursos, como ferramenta didática garante o desenvolvimento da aprendizagem de forma inovadora. Isso não é verdadeiro, pois em muitos casos o que se percebe é que são utilizados recursos digitais para mediar estratégias e modelos pedagógicos ultrapassados. Sob esse enfoque esses recursos podem ser utilizados apenas para repassar informações e instruções. Por outro lado o desconhecimento de como utilizar esses recursos, que permeiam cada vez mais os ambientes de atuação, pode criar uma geração de “analfabetos digitais” que poderá formar uma classe menos favorecida à margem da sociedade.
Assim é importante refletir sobre esse cenário: os recursos digitais permeando os ambientes de atuação e de formação de profissionais; a necessidade de mudanças na visão pedagógica, a necessidade de analisar como o uso dos recursos digitais podem auxiliar nessa mudança. Ou seja, é preciso promover uma reflexão crítica sobre a prática pedagógica a fim de conceber o processo de aprendizagem e o papel do professor num novo enfoque, que conceba a aprendizagem como construção e transformações estruturais que possibilitem aos professores e alunos (interagentes no processo pedagógico) novos papéis: mais dinâmico, interativo e reflexivo. Sob esse ponto de vista a tecnologia digital pode ser concebida como ferramenta didática que amplia as possibilidades de interação entre os interagentes e o conhecimento.
A maioria dos problemas atualmente existentes na área educacional persistem há várias décadas. Um deles diz respeito às ações implementadas para capacitação dos professores, que em geral, não provocam mudanças significativas (mudanças de estruturas internas) que revelassem mudanças no seu fazer docente. Duas hipóteses podem ser consideradas para explicar essa ausência de mudanças: não foram considerados alguns aspectos relacionados a forma como o professor “transpõe o conhecimento aprendido (ou informado)” ou não aconteceram mudanças internas, no sistema de estruturas cognitivas do professor, capazes de propiciar transformações que possam ser percebidas na conduta deles.
A contribuição desse estudo para auxiliar em programas de capacitação
docente, é entender como os professores estão lidando com o seu
cenário de trabalho, frente ao uso de ferramentas digitais como recursos
didáticos, buscando caracterizar como estão ocorrendo (se é
que estão) as mudanças estruturais capazes de possibilitar transformações
por parte dos professores em exercício.
Assim nosso propósito será o de identificar e caracterizar em
que condições os professores se estruturam e se relacionam no
seu/com o seu ambiente de atuação, influenciado e modificado pelas
tecnologias digitais caracterizando formas de convivência capaz de efetivar
mudanças estruturais.
A biologia do Conhecer de Maturana pode ser uma ferramenta conceitual capaz
de ajudar no entendimento de como podem ocorrer as mudanças estruturais
necessárias para a mudança de conduta dos professores. Essa teoria
permite inferir que mudanças e transformações não
são resultados de ações externas ao sujeito. Nesse sentido,
para haver mudanças é preciso criar um espaço de convivência
e de interações. Esses fluxos de interação e de
convivência é que poderão possibilitar mudanças estruturais
(internas).
Esse estudo faz parte do grupo de pesquisa Lavia, Laboratório de Ambientes
Virtuais de Aprendizagem (www.ucs.br/lavia), equipe multidisciplinar, que analisa
de forma compartilhada as possibilidades reais e os limites no uso das alternativas
tecnológicas, examinando estratégias educacionais, avaliando o
processo de aprendizagem em decorrência das interações e
interoperações em ambientes virtuais de aprendizagem.
A formação de professores para a utilização das tecnologias digitais da informação
Conforme destaca Moraes (1997), não é suficiente apenas ensinar o uso de novas ferramentas, mas sim desenvolver saberes que promovam o surgimento de para uma "nova cultura que integra um processo de comunicação de interação e interdependência e que amplia a capacidade das pessoas de se conectarem com outras pessoas e ao mesmo tempo, se constituírem e agirem como parte de um todo altamente habilitado e interdependente, dominando a tecnologia, contribuindo para o desenvolvimento da ciência e se apropriando do conhecimento para o seu próprio beneficio e de sua sociedade".
Dessa forma preparar os professores para a mudança de cultura necessária, no contexto desse estudo, significa levá-los a conviver em ambientes onde isso possa estar ocorrendo e fazer com eles possam observar e refletir sobre o próprio processo de interação e de transformação. Ou seja, é preciso que os professores possam operar como observadores do próprio processo de capacitação e de sua re-organização estrutural. Criar estratégias e condições para que isso ocorra é fundamental para que mudanças aconteçam no fazer docente dos professores.
Assim, partindo do pressuposto de que o professor precisa ser observador do próprio processo para realizar as mudanças estruturais um programa de capacitação docente precisa possibilitar isso e nossa estratégia é que os professores realizem essa observação num ambiente virtual criado para esse fim. Sob esse ponto de vista, o contexto promotor dessa mudança é a convivência nesse ambiente virtual, onde o professor interaja e reflita sobre seu próprio processo de atuação e transformação, tornando-se um observador de si mesmo, percebendo aspectos que não enxergava antes tornando-se um novo professor num novo domínio de existência.
Por isso a proposta desse estudo é a criação de ambientes virtuais de aprendizagem que possam servir de cenário de convivência e de interação capazes de levar os professores a desenvolver operações que levem a sua capacitação, no sentido de transformações e mudanças. Nesses ambientes os professores precisam ser levados a realizar diferentes operações que promovam mudanças estruturais. Conforme destaca Maturana, a tarefa do educador é criar um espaço de convivência para o qual se convida o outro, de modo que o outro esteja disposto a conviver conosco, por um certo tempo, espontaneamente.
Estrutura do ambiente virtual de aprendizagem
Ambientes virtuais de aprendizagem são espaços na Web constituídos de hipertextos, de links de acesso a informações e de ferramentas de comunicação. São espaços possíveis de interações sociais sobre ou em torno de um objetivo comum, que nesse caso é a produção de conhecimento e o desenvolvimento de aprendizagem e de saberes. Não é a interface em si o mais importante e sim as operações que a interface permitem que ocorram e o plano pedagógico que sustenta o processo de aprendizagem. Essas operações estão relacionadas à apropriação do ambiente, à percepção dos espaços existentes e aos fluxos de comunicação que permitem que ocorram as interações e co-operações entre os aprendentes.
Assim ,o espaço ser desenvolvido para o curso de capacitação previsto, deverá seguir uma estrutura de hipertextos, contendo informações sobre o curso, textos de estudo e espaços para mediar as interações entre os professores, entre eles e o objeto de conhecimento, numa interface que possibilite a navegação de forma simples e intuitiva. Esses espaços de mediação deverão conter fóruns de discussão (para interação assíncrona), portfólios coletivos, diário de bordo e biblioteca virtual.
Essa idéia de cenário pretende evocar os aprendentes enquanto sujeitos em ação, em transformação. A representação do ambiente de aprendizagem pode ser feita através de interfaces baseadas em hipertextos ou nos mais complexos espaços 3D. No entanto o fundamental não é a configuração em si mesma, mas aquilo os aprendentes fazem com e nessas configurações. O importante é que os interagentes se tornem atores do processo de construção do ambiente e do processo de aprendizagem, no caso de sua capacitação, podendo operar na linguagem e realizar as transformações que possam ser transpostas para o seu fazer docente.
Uma das estratégias para possibilitar que as transformações aconteçam, nessa convivência no ambiente virtual de aprendizagem, é incentivar os professores a: descrever e analisar seu processo de apropriação dos cenários do ambiente, suas dificuldades, seus obstáculos e suas formas de lidar com isso, registrando suas reflexões em fóruns denominados “diário de bordo”; elaborar em em co-autoria projetos colaborativos e estudo de caso, tendo como ponto de partida seu ambiente de atuação docente. A leitura e análise desse registo pode levar o professor a sair de seu próprio sistema de atuação criando um novo sistema, que o envolve. Dessa forma ele está interagindo com seu entorno, com seu meio de convivência e de aprendizagem. Do ponto de vista da Biologia do Conhecer, essas operações podem levar as transformações estruturais.
As interações nesses ambientes serão alimentadas pelas discussões dos interlocutores, exigindo esforço na compreensão e no fazer-se entender pelo outro, exigindo clareza na escrita que é base da comunicação nesse contexto. Isso deverá exigir mudanças para possibilitar a passagem da oralidade à escrita. Outro aspecto que deverá surgir nesse cenário é o desafio de interagir sem a presença física do outro. Para superar essa dificuldade, que poderá ser um dos impasses, uma das estratégias poderá ser o desenvolvimento de laços de amizade e de confiança que podem acontecer a partir de trocas em fóruns do tipo “recanto” ou “café-virtual”, onde os participantes podem trocam idéias, se conhecem e identificam pontos de interesse comum.
Etapas previstas para o desenvolvimento do estudo:
Nessa fase estamos realizando estudos para sistematizar as concepções que servirão de base teórica para posteriormente realizar uma pesquisa intervenção. Esses estudos enfocam os conceitos de autopoiese, de acoplamento estrutural e de convivência nos ambientes construídos, buscando criar indicadores teóricos que possibilitem identificar e caracterizar as operações desenvolvidas pelos professores em seu ambiente de atuação.
Na fase seguinte pretende-se definir ou identificar o grupo de professores que serão alvo do estudo, que será realizado mediante pesquisa intervenção utilizando dados e informações obtidos por meio da atuação desses professores num curso de capacitação mediado por um ambiente na Web com as características mencionadas anteriormente. Nesse processo deverão surgir os observáveis que permitirão inferir sobre as mudanças estruturais e transformações ocorridas.
Os dados serão analisados de forma qualitativa. Pretende-se realizar o cruzamento dos diversos indicadores construídos com o objetivo de dar maior clareza ao objeto estudado. A análise qualitativa será realizada com base na Biologia do Conhecer de Maturana e na concepção de transposição didática Chevallard (1982) e Perrenoud (2002).
O que já percebemos
Em alguns cursos que coordenamos, concluímos que os professores atribuíram a pouca interação havida ao contexto aberto e autônomo do ambiente, onde o interagente poderia decidir que tarefa realizar, onde navegar e sugerir e propor atividades. Ou seja, o cenário de co-autoria que o ambiente permitia não fazia parte das estruturas dos professores participantes, e tudo indica que o pressuposto pedagógico diretivo era a base de seus modelos didáticos. Alguns verbalizaram que sentiam falta de ter alguém para dizer o que fazer, como e quando fazer.
Outro aspecto identificado foi que os grupos de estudo, formado pelos professores encontraram-se presencialmente para desenvolverem os projetos nos quais estavam envolvidos. A isto os participantes atribuiram, dentre outros motivos, à necessidade de integração e a busca de cumplicidade entre os envolvidos nos projetos.
Os dados analisados, por ocasião desses cursos, indicaram também a necessidade, para alguns professores, de um tempo maior para imersão no ambiente, reflexão pessoal e individual para depois realizarem as tarefas cooperativas e as discussões com o grupo.
Ao longo desses cursos os professores utilizaram ferramentas da Web para planejamento de seu trabalho docente, isso foi percebido através da análise dos projetos produzidos. No entanto não temos indicativos de que mudanças estruturais ocorreram, apenas podemos inferir que um processo de construção coletiva se iniciou. É preciso enfatizar que isso não é suficiente para que mudanças substanciais ocorram, por isso estamos propondo o presente estudo para dar continuidade ao trabalho e criar estratégias mais adequadas para a promoção das modificações nas estruturas e nas condutas.
A reflexão sobre o desenvolvimento desses cursos, nos permitiu constatar a necessidade de criação e elaboração de estratégias que motivem o professor a refletir sobre o próprio fazer constituindo um observador de si próprio.
Os resultados preliminares que já obtivemos obtidos e o estudo em andamento poderão dar subsídios para criação de cursos de formação de professores, no uso de recursos tecnológicos, baseados em modelos pedagógicos socio-interativos.
BIBLIOGRAFIA
CHEVALLARD, Y. La Transposición Didáctica: del saber sabio al
saber enseñado. Editora Aique, Argentina, 1991
MATURANA, H. A ontologia da realidade. Belo Horizonte. Editora UFMG, 1999.
MATURANA, H. e VARELA, F. De máquinas e seres vivos: autopoiese - a organização
do vivo. 3a. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
MATURANA, H. Uma nova concepção de aprendizagem. Dois Pontos,
vol 2 no. 15 1993.
MORAES, M. C. O Paradigma Educacional Emergente. Campinas: Papirus,1997
PERRENOUD, P. A prática reflexiva no oficio de professor Porto Alegre:
Artmed, 2002
http://www.ucs.br/lavia