SERGIO FERREIRA DO AMARAL
Faculdade de Educação da UNICAMP
amaral@unicamp.br
KARLA ISABEL DE SOUZA
Faculdade de Educação da UNICAMP
TEMA: Formação de Profissionais para Educação a Distância
CATEGORIA: Educação Fundamental, Média e Tecnológica
RESUMO
Neste artigo é apresentado o projeto em desenvolvimento pelo CPqD
e a Faculdade de Educação da UNICAMP visando o implantação de um serviço de
apoio ao professor em sala de aula, que utiliza a TV Digital Interativa como
ferramenta didático/pedagógico com conteúdo multimídia interativo. Esta ferramenta
será de fácil utilização pois utiliza como terminal de escolha e exibição um
televisor colocado nas salas de aula e controlado por controle remoto. O projeto
envolve duas escolas de Ensino Fundamental em Campinas - SP. O professor poderá
interagir com o conteúdo exibido no televisor de modo a obter uma programação
não linear que se desenvolverá conforme a dinâmica da aula e participação dos
alunos. As principais características do serviço são a facilidade de uso, fornecimento
de material educacional a distância com conteúdo multimídia interativo, baixo
custo de implantação. Este serviço é parte de um conjunto de serviços de teleducação
a distância que estão sendo desenvolvidos para o futuro Sistema de TV Digital
terrestre que será implantado no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE:
Educação a distância, TV Digital Interativa, Formação de Professores.
1. Introdução
O Brasil é um país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados com uma população aproximada de 170 milhões e que possui graves problemas na área de educação. Atualmente, segundo dados do IBGE, ainda existem cerca de 14% da população acima de 15 anos e 7% da população jovem analfabeta.
Aproximadamente 55 milhões de estudantes estão no ensino básico (creche, pré-escola, alfabetização, ensino fundamental, ensino médio e médio profissionalizante, educação especial e educação de jovens e adultos), em cerca de 214 mil estabelecimentos de ensino públicos e privados. A maioria (87,6%) está matriculada na rede pública. Se considerado apenas o ensino fundamental, são 90,8% dos alunos na rede pública.
Hoje o Brasil possui 2,4 milhões de funções docentes na educação básica, destes 259 mil são professores de pré-escola, 809 mil de 1ª a 4ª série, 801 mil de 5ª a 8ª Série e 468 mil no ensino médio.
Soluções relacionadas à Educação a Distância (EAD) podem ser vistas como uma grande oportunidade para a diminuição do problema educacional, pois além de possibilitar o acesso à educação para toda a população que atualmente não possui este acesso, ainda proporciona uma redução de custos, principalmente com relação à infra-estrutura.
Atualmente, a televisão possui o potencial de instrumento de apoio para a formação da população por estar presente em cerca de 88% dos lares brasileiros e possuir cobertura nacional. Além disso, a familiaridade que a população tem com a TV pode facilitar a adaptação ao uso desse aparelho para outras finalidades além do simples ato de assistir passivamente à programação.
São poucas as experiências nacionais na utilização da televisão como instrumento de apoio à formação da população, porém algumas experiências foram bem sucedidas, como por exemplo: Vila Sésamo, Sítio do Pica-Pau Amarelo, Rá-Tim-Bum e Castelo Rá-Tim-Bum, voltados principalmente ao público infantil, e o Telecurso 2000, que é o maior projeto de EAD em prática no Brasil, onde se tem mais de 8 mil turmas funcionando simultaneamente em todos os Estados do país.
O CPqD e seus parceiros, Universidades e Centros de Pesquisa, antecipando-se à esperada difusão da TV Digital, estão desenvolvendo tecnologias de serviços para esta plataforma de comunicação. Em função da sua importância, a teleducação, telemedicina e a inclusão digital foram escolhidas como temas principais. As tecnologias desenvolvidas não se limitam, no entanto, a somente essas aplicações, elas poderão e deverão ser aplicadas no desenvolvimento de novos serviços que abordem outros temas, tais como entretenimento, mensagem, comunicação, transação e informação. Os dados na forma de vídeo, áudio, gráfico e texto poderão utilizar a futura plataforma de TV Digital para serem acessados, baixados, armazenados e vistos mais tarde, de forma que a TV possa ser um meio tão rico de acesso à informação quanto o computador pessoal.
O serviço apresentado neste artigo faz parte do Projeto de TV Digital Interativa que está sendo desenvolvido com CPqD e a Faculdade de Educação da UNICAMP, com recursos do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel).
2. TV Digital Interativa
A TV Digital Interativa, embora seja uma sucedânea da televisão convencional, possui um conjunto de características que a diferenciam significativamente dessa, motivo pelo qual faz-se necessária a introdução de alguns conceitos e termos mais adequados a esse novo ambiente.
Na televisão convencional, canal e programação se confundem, pois às vistas do usuário, referem-se à mesma coisa. Na Televisão Digital, entretanto, elas referem-se a coisas distintas. Canal é o meio através do qual as programações são transmitidas. No caso do Brasil, em radiodifusão, “canal” refere-se a uma janela de freqüências com largura de 6 MHz, localizada na faixa de VHF ou UHF. Por exemplo, o canal 2 refere-se à janela de 54 a 60 MHz, o canal 3 de 60 a 66 MHz, etc. Já o conteúdo transmitido através desse canal é denominado de programação.
Na televisão convencional, a programação é composta por um conjunto seqüencial e ininterrupto de programas, incluindo os intervalos comerciais. Todo programa está associado a uma programação, e vice-versa, assim como toda programação está inequivocamente associada a um canal e vice-versa.
Na Televisão Digital, embora o usuário possa estar assistindo a uma seqüência ininterrupta de informações, a composição das programações não é tão estanque. No exemplo da Figura 1, a Programação “A” é composta dos Programas 1, 4, 6 e 7. A Programação “B” é composta pelos programas 2, 6 e 8. Já a Programação “C” é composta pelos Programas 3, 5, 6 e 7. Ou seja, inexiste uma relação biunívoca entre programas e programações, como ocorre na televisão convencional.
Figura 1 - Programas e programações em ambiente de TV Digital
Um programa de televisão convencional é composto de imagens e sons. Já um programa de televisão digital, pode ser composto por imagens, sons e dados, estes últimos referindo-se a textos, gráficos, ícones, programas executáveis ou quaisquer outros tipos de informações. Cada um desses “componentes” de informação é denominado de elemento de informação.
Os elementos de informação de natureza visual (imagens, ícones), ao serem reproduzidos na tela do televisor, podem atuar como uma interface “clicável”, ou seja, receberem comandos do usuário, convertendo tal instrução em alguma ação. Denomina-se de objeto clicável a todo elemento que possua tal característica. A Televisão Digital Interativa é um sistema capaz de receber e executar comandos do usuário. Tais comandos são geralmente (mas não necessariamente) vinculados a algum objeto clicável.
As possibilidades criadas pela tecnologia digital, aliadas à natureza aleatória de como os usuários podem acionar os comandos clicáveis, introduz uma nova característica aos programas de TV Digital Interativa, que podem diferenciá-los significativamente dos programas de televisão convencional. Nestes, os programas são lineares, ou seja, existe um ponto de início, um ponto de término e um único enredo interligando os mesmos. Já os programas de Televisão Interativa, conforme ilustrado na Figura 2, podem ser altamente não-lineares, significando com isso que eles podem ter diversos pontos de entrada e saída, e diversos roteiros interligando os mesmos.
Essas características da Televisão Digital Interativa trazem uma série de oportunidades, como o pay-per-view, o vídeo sob demanda, guia eletrônico de programação (EPG), acesso a maiores informações sobre a programação, teleducação e acesso à Internet.
3. TV Digital como Ferramenta para o Ensino
Uma das principais dificuldades, na utilização da televisão como meio de transmissão de conhecimento, é a visão majoritária que este é um meio de difusão de entretenimento e não de educação. Apenas 31% dos brasileiros assistem freqüentemente a programas ou canais educativos na TV e os principais motivos alegados por quem não assiste esse tipo de programa/canal é a falta de interesse (31%), falta de tempo para assisti-los (25%) e o fato do programa passar muito cedo (25%). Além disso, os programas educacionais são considerados “chatos” por muitas pessoas, não se tornando um atrativo capaz de levar lazer e entretenimento.
A TV Digital, por sua vez, representa uma revolução, combinando as características tradicionais da televisão analógica com as potencialidades do computador pessoal e com o impacto da Internet na sociedade. Além disso, ao utilizar parte significativa da infra-estrutura existente da televisão analógica, se beneficiará do alto grau de penetração dessa tecnologia.
Para a população a TV Digital incorporada ao dia-a-dia implicará em mudanças de hábitos, nova relação de consumo e outras alterações que serão provocadas ao longo da convivência com esta nova tecnologia, pois além do conhecido aparelho de TV e controle remoto, a TV apresentará novos componentes de interatividade, estabelecendo novos relacionamentos e novas formas de comunicação, abrindo mundos e possibilidades antes desconhecidos e limitados.
O uso da TV na escola possibilita o acesso dos alunos a trechos de vídeos, filmes, entrevistas ou quaisquer tipos de programas que podem agregar valor ao aprendizado, trazendo para dentro da sala de aula o mundo em que o aluno vive, seu cotidiano e a linguagem audiovisual na qual já está familiarizado, permitindo, assim, maior fluidez do aprendizado já que a leitura da imagem é mais livre e menos rigorosa que a palavra escrita. Com a TV interativa a utilização desse conteúdo em sala de aula se tornará mais interessante na medida em que não será um processo linear, o professor poderá navegar por diferentes conteúdos educacionais, conforme surjam dúvidas e comentários dos alunos, propiciando maior envolvimento tanto dos alunos quanto dos professores durante a aula
Um importante obstáculo à incorporação dessa nova tecnologia pelos professores no cotidiano escolar é a ausência de capacitação quanto a linguagem mediatizada pela TV em sua prática pedagógica. Porém, este desafio não pode ser considerado um obstáculo intransponível e para isto a capacitação dos professores é essencial. Outro ponto que, se não adequado, pode dificultar a incorporação da nova tecnologia, é a interface da ferramenta com o usuário, que deve ser simples, focada na facilidade e rapidez do uso e na busca de informações.
4. Serviço de Apoio ao Professor em Sala de Aula - SAPSA
Para o desenvolvimento projeto visando o do serviço - SAPSA será utilizado uma fundamentação teórica da produção de conteúdo educacional centrada numa pedagogia da comunicação que objetiva difundir e orientar produções audiovisuais realizadas pelos próprios professores e alunos à partir da utilização da TV Digital Interativa; abordagem da linguagem audiovisual a partir de análises dos gêneros televisivos. Uma pedagogia que seja capaz de desencadear ações em educadores interessados em formar alunos críticos e ativos para os novos meios.
O trabalho, será realizado a partir de uma metodologia ativa aplicado em 02 escolas do ensino fundamental da região de Barão Geraldo em Campinas - SP, e que seja capaz de fazer conhecer as condições e dificuldades de docentes e alunos na utilização e produção de conteúdos midiáticos a distância baseados na TV Digital Interativa.
Assim estaremos propiciando uma seqüência de atividades sistematizadas sobre o uso da TV Digital Interativa na sala de aula, de maneira que a educação audiovisual deixe de ser uma exceção no decorrer do ano letivo e se converta em um dos objetivos educativos da escola .
A proposta de trabalho é apoiada em três eixos fundamentais:
1) A exploração didática da TV Digital Interativa pela escola como meio reflexivo e motivador (a grande possibilidade tecnológica de qualquer um ser produtor de mensagens, os meios são mais democráticos ). No entanto, caberá a cada escola envolvida descobrir e formular os itinerários de produção e consumo úteis para o seu ambiente e, ao mesmo tempo projetar suas mensagens para fora;
2) A convergência da TV e da Internet como um desafio à escola atual, que precisa lutar para engajar nossos docentes e alunos no progresso tecnológico de nosso tempo, procurando desenvolver práticas alternativas visando usufruir os benefícios dos meios no processo de ensino e aprendizagem;
3) Desenvolver e estabelecer uma prática metodológica visando a produção de conteúdo programático utilizando-se da linguagem audiovisual digital interativa preparado pelos docentes e alunos das 02 escolas da região de Barão Geraldo em Campinas - SP.
O aparelho de TV Digital Interativa utilizada em sala de aula, nada mais é do que um aparelho convencional de televisão ao qual é conectada uma caixa conhecida como Decodificador. Esse decodificador se encarregará de transformar os sinais digitais, captados por uma antena comum, em sinais apropriados para o aparelho de TV convencional. O sistema é semelhante às plataformas de televisão por assinatura via satélite. No futuro esse decodificador poderá ser integrado ao monitor de televisão, se assim se desejar.
O professor utilizará o serviço de maneira semelhante à navegação por um guia eletrônico de programação (EPG, do inglês Eletronic Program Guide) existente atualmente nos sistemas de TV por assinatura via satélite. Mas ao invés de navegar apenas por canais de televisão, navegará também por um guia de conteúdo educacional com endereçamentos do tipo Matemática, História, etc. Nesses endereços estará disponível o material educacional referente a cada assunto.
O material educacional multimídia será constituído por vídeos de curta duração, por animações, textos e gráficos, ou outras telas como a exibida na Figura 3 para ilustração. As telas acessadas pelo EPG conterão, quando necessário, hyperlinks para a navegação ao estilo Internet ou como em enciclopédias para computadores pessoais, utilizando botões existentes no controle remoto para esse fim. O serviço será capaz de realizar buscas, procurando localizar materiais já disponibilizados em períodos anteriores, ou utilizados em outras ocasiões pelo professor para a preparação da aula.
O conteúdo a ser exibido será constituído principalmente, e majoritariamente, por produções especialmente produzidas para a finalidade de educação, selecionadas e organizadas para sua posterior exibição em sala de aula.
Figura 3 - Exemplo de tela para a navegação na TV
Uma das características principais do SAPSA é a recepção por radiodifusão terrestre e não através de cabos coaxiais ou via satélite, como na TV por assinatura, diminuindo-se assim os custos de acesso para cada escola e ampliando-se o universo de escolas atendidas, devido a grande cobertura geográfica da televisão aberta no Brasil.
O sistema básico exige ao menos uma conexão a antena comum para o equipamento de sala da aula e da sala de professores, onde o professor poderá buscar material multimídia transmitido por radiodifusão para elaboração das suas aulas. Será necessária também ao menos uma linha telefônica à disposição em cada escola para o professor efetuar, através da televisão, a requisição do material desejado.
Portanto o SAPSA é essencialmente uma repositário de conteúdo educacional a distância. Acessível ao professor em sala de aula, através de uma televisão e mediante alguns poucos clikes em um controle remoto conforme é mostrado na Figura 4.
5. Conclusão
Devido ao fato que este projeto já nasce com uma elaboração participativa dos próprios professores das 02 Escolas e com o envolvimento efetivo dos alunos, tudo leva-nos a crer que tenhamos de fato uma concretização do desenvolvimento de um modelo de conteúdo educacional a distância mediatizada pela TV Digital Interativa.
A educação será a chave para resolver problemas econômicos e entre culturas, as gerações mais jovens é que precisarão encontrar soluções. Estamos todos cientes de que temos a responsabilidade de oferecer aos alunos de hoje as habilidades que eles precisarão para ter sucesso no ambiente de trabalho que, cada vez mais, baseia-se nas informações. Essas habilidades certamente incluem saber utilizar computadores; mais importantes ainda são as habilidades pessoais e sociais que devem ser desenvolvidas.
Os 03 professores envolvidos com o projeto, estarão descobrindo, inventando e compartilhando tipos de práticas e programas em suas próprias salas de aula que ilustram a verdadeira reforma educacional principalmente na centralidade da utilização de recursos de educação a distância. E, como a TV Digital Interativa é uma ferramenta de comunicação a distância, os professores envolvidos estarão compartilhando experiências uns aos outros.
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