A Arte da Sedução Pedagógica na Tutoria em Educação a Distância

Abril/2004

 

Matias Gonzalez de Souza
Ministério da Educação e Cultura – SEED - Proinfo
mathiassouza@mec.gov.br
magoso5@hotmail.com

 

A - Formação de Profissionais para Educação a Distância
1. Educação Fundamental, Média e Tecnológica

O objetivo do presente artigo é refletir os limites e possibilidades do educador na função de professor/tutor na modalidade de Ensino a Distância. As reflexões apresentadas advêm da leitura de obras dedicadas às práticas pedagógicas, essencialmente voltadas para o processo educacional não presencial, bem como da experiência adquirida no contexto acadêmico de instituições públicas e privadas.
A natureza deste artigo é didático-descritiva e procura abstrair alguns elementos da arte de seduzir pedagogicamente o aprendiz como forma de cumprir a contento a nobre missão de educar a distância. Invoca o estar presente de modo afirmativo, sem estar fisicamente ao lado do aluno, mas de modo marcante, suprindo a falta quase visceral que o processo ensino-aprendizagem impõe.
A educação sedutora, como expressa neste texto, é praticada pelos educadores comprometidos com a ética e o amor à missão pedagógica de facilitadora da apreensão do saber. É, em última instância, configura-se como uma alternativa competitiva com os meios de comunicação globalizantes, podendo atingir o âmago daqueles que anseiam pela autonomia do aprender libertando-se das amarras de suas próprias limitações.

PALAVRAS-CHAVE
Educação a Distância; Motivação; Pedagogia progressista libertária; Pedagogia libertadora; Psicopedagogia; Reforço negativo; Recompensa; Tutoria.


A notável relevância e complexidade do papel do tutor nos programas de Educação a Distância, demonstra a necessidade de um perfil profissional com habilidades e competências quase paradigmáticas. Espera-se que o tutor, além de possuir domínio da política educativa da instituição onde está inserido e conhecimento atualizado das disciplinas sob sua responsabilidade, exerça uma sedução pedagógica adequada no processo educativo.

No modelo tradicional de ensino com a presença viva dos professores, o carisma acentuado de alguns, reduz o desprazer e dificuldades encontradas por alunos menos empolgados na aquisição do saber. No passado, presente e provavelmente no futuro, a regra comum deve ser a de gostar-se das disciplinas quando o professor desperta simpatia, quer inovando seus métodos de ensino, quer pela utilização de seus recursos persuasivos naturais ou trabalhados. O professor-tutor investe na construção de uma relação de respeito e confiança buscando despertar o amor para o conteúdo, visando a superação dos obstáculos encontrados pelo aprendiz.

Os meios de comunicação, imitam a arte da sedução pedagógica ou aprendem com ela, exercendo sobre as massas um efeito quase hipnótico, ao utilizar-se de imagens, sons e movimentos, para cativar seu público, levando-o ao caminho desejado.

No cenário da Educação a Distância, o papel do tutor extrapola os limites conceituais, impostos na sua nomenclatura, já que ele, em sua missão precípua, é educador como os demais envolvidos no processo de gestão, acompanhamento e avaliação dos programas. É o tutor, o tênue fio de ligação entre os extremos do sistema instituição-aluno. O contato a distância, impõe um aprimoramento e fortalecimento permanente desse elo, sem o que, perde-se o foco.

A relação pedagógica conclama a uma construção cotidiana. Sozinho, o aprendiz caminha vacilante, perdendo o rumo desejado. Nisso o tutor pode ampará-lo, conduzi-lo e encaminhá-lo. À medida que o processo de aprendizagem se efetiva, a relação do aluno com o tutor, muda, se aprofunda, estreitando o laço afetivo, propiciando a permeabilidade educativa, uma vez que a educação deve ser vista sempre como uma prática social ligada à formação de valores e práticas do indivíduo para a vida social, com possibilidade de ir em direção a uma maior autonomia, liberdade e diferenciação. Um caminho e alternativa para consecução de sua missão educativa encontrada pelo tutor em EAD é a sedução pedagógica .

“Diante de tão grande número de ofertas visuais, performáticas e espetaculares na sociedade, a escola encontra-se em desvantagem, pois os chamados auxiliares de ensino audiovisual, a comunicação corporal do professor, sua retórica, não convencem. O mundo da escola é um mundo cinza, parado e passivo. As imagens na escola, são manipuladas como se fossem neutras e inofensivas, além de serem mal aproveitadas em termos de possibilidade educativa. Não se prepara o professor para desempenhos comunicativos e expressivos ao nível do desafio do ensino e das crianças atuais, não se prepara o professor, sobretudo, para dialogar com o mundo através de um universo imaginal” ( Meira, 1999, p.132)

A educadora Marly Meira, que possui uma longa trajetória dentro da arte-educação, demonstra com a sua visão humanista, a necessidade de atualização e aperfeiçoamento das práticas pedagógicas, seduzindo intencionalmente o aprendiz na direção do saber libertador.

Com essa visão, entendemos que uma pedagogia progressista libertária, valoriza a experiência de autogestão e autonomia consoante aos pressupostos desejáveis nos programas de Educação a Distância. Pode-se dizer que a pedagogia libertária tem em comum com a pedagogia libertadora "a valorização da experiência vivida como base da relação educativa e a idéia de autogestão pedagógica" (LUCKESI, 1993, p. 64). Tal experiência demonstra que a concepção, a idéia de conhecimento não é a investigação cognitiva do real mas, sim, a descoberta de respostas relacionadas às exigências da vida social. É essencial que o tutor exerça sua práxis em duas direções: valorização das necessidades do aluno tanto quanto aos conteúdos de ensino.

É essencial portanto, que o profissional atuando como professor/tutor, possua entre outras qualidades a facilidade de comunicação, dinamismo, criatividade, liderança e iniciativa para realizar com eficácia o trabalho de facilitador, junto ao grupo de alunos sob sua tutoria.

A capacidade para atuar como mediador e conhecer a realidade de seus alunos em todas as dimensões (pessoal, social, familiar e escolar) é de fundamental importância para que, de algum modo, ele ofereça possibilidades permanentes de diálogo, sabendo ouvir, sendo empático e mantendo uma atitude de cooperação e possa oferecer experiências de melhoria de qualidade de vida, de participação, de tomada de consciência e de elaboração dos próprios projetos de vida.

Com o enfoque de uma tutoria voltada para captar a atenção do aluno, é importante que o tutor demonstre competência individual e de equipe para analisar realidades, formulando planos de ação coerentes com os resultados de análises e de avaliação, mantendo deste modo uma atitude reflexiva e crítica sobre a teoria e a própria prática educativa envolvida no processo.

Verifica-se dentro de uma abordagem humanista que, para Rogers, “as experiências de vida, o clima psicológico da sala de aula, a integração professor/tutor-aluno são fatores importantes para a aprendizagem”. (ROGERS, Carl, Belo Horizonte, Interlivros: 1977:73-76). Rogers enfatiza os aspectos dinâmicos e ativos do ensino que reforçam o processo de interação na aprendizagem e considera o aluno capaz de auto-direcionar-se, desde que em ambiente propício e interessante. Sendo portanto, fundamental que o tutor seja capaz de utilizar estratégias psicopedagógicas e técnicas diversificadas, bem como alternativas de previsão, conhecimento e intervenção nos âmbitos e locais adequados.

O tutor estará aplicando coerentemente todo o poder de uma pedagogia sedutora, ao identificar suas próprias capacidades e limitações para atuar de forma realista com visão de superação. Tal percepção possibilitará uma efetiva comunicação entre os diferentes níveis, quer institucional ou no corpo dos alunos tutorados.

Uma vez que, segundo Roger, o ser humano tem uma propensão para aprender, o papel do tutor também será o de facilitar a apreensão do saber estimulando o interesse do aprendiz pela discussão de suas expectativas e auxiliando-os a superar os obstáculos transitórios.

É fundamental que o tutor seja capaz de auxiliar os seus alunos no planejamento das atividades programadas, promovendo e provocando a intercomunicação de modo a atingirem os objetivos da formação e desenvolvam a capacidade de analisar problemas e a raciocinar criticamente.

 

A construção da autonomia pelo reforço positivo

A prática e a observação pedagógicas nos demonstram, que os sentimentos de inferioridade começam cedo em crianças durante o seu processo formativo na primeira infância. Elas precisam ser notadas, apreciadas e amadas do modo como são. Necessitam sentir que têm um significado, que “estão-no-mundo” e são alguém. Os conflitos entre os pais, as constantes mudanças de escola, bairro ou cidade acrescida da falta de disciplina adequada, são condições que podem gerar insegurança numa criança. O conseqüente reforço negativo e punições sofridos na adolescência, pode conduzir o aprendiz a uma possível cristalização de inseguranças múltiplas que afetariam seu processo de aprendizagem durante toda a vida.

"O pai reclama do filho até que cumpra uma tarefa: ao cumpri-la, o filho escapa às reclamações (reforçando o comportamento do pai). ...Um professor ameaça seus alunos de castigos corporais ou de reprovação, até quem resolvam prestar atenção à aula; se obedecerem estarão afastando a ameaça de castigo (e reforçam seu emprego pelo professor). De uma ou outra forma, o controle adverso intencional é o padrão de quase todo o ajustamento social - na ética, na religião, no governo, na economia, na educação, na psicoterapia e na vida familiar.(Skinner, 1971, pp. 26-27)

Skinner demonstra em seu programa experimental na sua teoria da aprendizagem, que a eficácia do reforço depende da proximidade temporal e espacial em relação ao comportamento que se que pretende modelar, sob pena de incidir sobre outro que não esteja em questão e que um reforço positivo fortalece a probabilidade do comportamento pretendido que segue. O seu registro é a presença (positividade) de uma recompensa e por outro lado um reforço negativo enfraquece um determinado comportamento em proveito de outro que faça cessar o desprazer com uma situação. Portanto, o seu registro é a ausência (retirada) de um estímulo que cause desprazer após a resposta pretendida.

Em linguagem laica, crianças severamente punidas na infância exibem comportamentos desajustados com os padrões sociais da nossa sociedade e têm mais probabilidade de se tornarem adultos e aprendizes não-qualificados. No entanto, indivíduos que recebam recompensas adequadas passarão a exibir comportamentos sociais mais ajustados e terão melhores qualificações ligadas ao processo de aprendizagem.

Por esta visão, cabe ao tutor promover recompensas positivas aos seus aprendizes. É incontestável a alegria de uma criança ou adulto ao receber publicamente do mestre, um elogio sincero pelo trabalho entregue no prazo, pela avaliação acima da média ou mesmo pelo simples esforço e dedicação aos estudos. Tal recompensa propiciará o reforço da auto-estima, encaminhando o aprendiz na direção da sua autonomia, que no entender de Piaget , significa estar apto a cooperativamente construir o sistema de regras morais e operatórias necessárias à manutenção de relações permeadas pelo respeito mútuo. Ele também caracterizava autonomia “como a capacidade de coordenação de diferentes perspectivas sociais com o pressuposto do respeito recíproco". (Kesselring T. Jean Piaget. Petrópolis: Vozes, 1993:173-189).

A criança nasce sem saber amar, portanto ela tem que aprender a amar. Quando se ama, se confia. O amor exige disposição para ouvir, significa compartilhar experiências. É importante, elogiar o desempenho do aprendiz , louvando sua responsabilidade, pontualidade e desempenho.

 

Habilidades e competências essenciais na tutoria

Para exercer o fascínio dos aprendizes e mantê-los atentos, motivados e orientados é necessário captar a atenção dos mesmos, demonstrando domínio das ferramentas de trabalho que irá utilizar na tutoria. O tutor sedutor impressiona pela capacidade de demonstrar os atalhos, o manejo eficaz das ferramentas que estão à sua disposição para o exercício da tutoria. Para tanto é imprescindível gostar do que faz e fazê-lo com amor. É vital que demonstre interesse pela melhoria do processo ensino-aprendizagem e esteja com disponibilidade para o contato com o aluno, sobretudo quando solicitado. O tutor, tal qual um pai, deve dentro das suas limitações temporais, estar pronto para ouvir, apoiar e orientar o filho quando este solicitar. Sem essa disponibilidade, o fio se rompe, tornando-se difícil à retomada da relação pedagógica em níveis satisfatórios. A falta de confiança no tutor, o desamparo sofrido pelo aprendiz num determinado momento da sua jornada, em geral, leva à evasão irreversível e ao desapontamento indesejável para os envolvidos no sistema educacional. É o sentimento sofrido por uma criança quando se atira sem medo nos braços do pai-protetor e este a deixa cair indesculpavelmente. A indiferença machuca e afasta.

Apesar do tutor não ser um terapeuta, é fundamental que ele seja continente, controlando as angústias e necessidades que possam emergir do grupo tutorado, assim como, por outro lado, conter as suas próprias angústias frente aos sentimentos, dúvidas e outros fenômenos emergentes do processo dinâmico do processo ensino-aprendizagem.

Da mesma forma que se requer em outras atividades profissionais, cabe ao professor-tutor manter um comportamento profissional e ético irrepreensível. O bom exemplo moral e ético é uma das formas mais poderosas de sedução a ser exercida por um educador. O tutor evitará impor os próprios valores e expectativas, mas sim, favorecer um alargamento do espaço de cada um dos membros do grupo através da escuta e valorização de diferentes idéias e opiniões, mantendo o sigilo daquilo que lhe foi dado em confiança, apontando alternativas de solução para as questões apresentadas, indicando os recursos disponíveis na instituição e estimulando que o próprio grupo se mobilize para as necessidades detectadas.

Dentre as várias habilidades de um bom tutor, a empatia que resulta da capacidade de se colocar no lugar do outro, propiciando uma sintonia afetiva e a capacidade de comunicação, expressa na escuta atenta e respeitosa, são elementos componentes vitais no exercício da tutoria sedutora. A arte da paciência e tolerância deve fazer parte da práxis pedagógica, uma vez que é importante a tolerância às limitações dos membros do grupo, assim como a compreensão das eventuais inibições e ritmo de cada um deles.

No papel de mediador entre o saber e o aprendiz, o tutor sedutor tem a perfeita consciência de que não é ele o detentor exclusivo do conhecimento, mas antes de tudo, é uma ponte para a fluência dos saberes em construção. O mestre sapientíssimo, Paulo Freire aponta o papel crucial que o professor deverá desempenhar:

“Se a educação é dialógica, é óbvio que o papel do professor, em qualquer situação, é importante. Na medida em que ele dialoga com os educandos, deve chamar a atenção destes para um ou outro ponto menos claro, mais ingênuo, problematizando-os sempre. O papel do educador não é o de «encher» o educando com ‘conhecimento’, de ordem técnica ou não, mas sim o de proporcionar, através da relação dialógica educador-educando, a organização do pensamento correto de ambos. (Freire, 1992).

No exercício da arte de seduzir pedagogicamente, o professor-tutor deve buscar a autenticidade dos seus atos pedagógicos e pessoais, já que é visto como um todo, devendo zelar pela verdade, já que esta, no campo pessoal e intelectual, simboliza o caminho para exercício da confiança, da criatividade e da liberdade dentro do grupo e fora dele.

Finalmente, como bem afirma o mestre Anísio Teixeira, vale ressaltar que “o mais perfeito método de aquisição, de uma habilidade, não poderá ser aplicado rigidamente. O educador terá de levar em conta que o aluno não aprende nunca uma habilidade isolada; que, simultaneamente, estará aprendendo outras coisas no gênero de gostos, aversões, desejos, inibições, inabilidades, enfim que toda a situação é um complexo de radiações, expansões e contrações", (TEIXEIRA, Ciência e arte de educar. Educação e Ciências Sociais. v.2, n.5, ago. 1957. p.5-22), o que implica na linguagem de Dewey, que não se deve permitir um comportamento uniforme ou rígido.

É importante ousar na arte de educar, buscando conhecer todos os métodos e recursos já experimentados e provados. Torna-se imperativo a todos envolvidos na tutoria em Educação a Distância, romper velhos paradigmas e abraçar a missão de educar sem medo. Sem o receio de se aproximar demais, de estreitar os laços de afeto e, sobretudo sem o excessivo pudor de exercer por amor a sutil arte de seduzir pedagogicamente os que esperam com avidez pelo saber libertador.


BIBLIOGRAFIA

BELLONI, Maria Luiza. Educação a distância. Autores Associados, Campinas, 1999.
CECHINEL, José Carlos. Manual do Tutor. UDESC/CEAD, Florianópolis, 2000.
CITELLI, Adilson. - Linguagem e persuasão. São Paulo: Editora Ática, 1995.
ELIAS, Marisa Del Cioppo (org.). - Pedagogia Freinet: teoria e prática. Campinas: Papirus Editora, 1996.
FREIRE, Paulo Pedagogia do Oprimido, Editora Paz e Terra, Rio, 1970.
KESSELRING, T. Jean Piaget. Petrópolis: Vozes, 1993:173-189
LITWIN, Edith. Educação a Distância: temas para o debate de uma nova agenda educativa. Artmed, Porto Alegre, 2001.
LUCKESI, Cipriano C. Filosofia da educação. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 1993.
MARTINS, O. B, POLAK, Y. N. S. Educação à Distância na UFPR: novos cenários e novos caminhos. 2ª edição, UFPR, Curitiba, 2001.
MEIRA, Marly. Educação Estética, arte e cultura do cotidiano. _In: Pillar, Analice Dutra (Org.) A Educação do Olhar. Porto Alegre: Mediação, 1999.
MORAN, José Manuel et alli. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Papirus, Campinas, 2000.
NELSON, Ivaneide Medeiros. Educação de Jovens e Adultos. Como tornar a prática pedagógica significativa para o aluno, 1995.
PRETI, Oreste (Org.). Educação a Distância: inícios e indícios de um percurso. NEAD/IE – UFMT, Cuiabá, 1996.
ROGERS, C. & Kinget, M.- Psicoterapia e Relações Humanas, Interlivros, Belo Horizonte, 1977.
TEIXEIRA, Anísio. Ciência e arte de educar. Educação e Ciências Sociais. v.2, n.5, ago. 1957. p.5-22.