OPERAÇÕES DE PENSAMENTO NO
NELLY MOULIN
UNIVERSO
VILMA PEREIRA
UNIVERSO
Resumo
A partir das características da
auto-aprendizagem e dos atributos esperados do material instrucional para a
aprendizagem à distância, o estudo focaliza a construção e as formas de
trabalhar o material instrucional, que, além de conteúdos significativos, deve
favorecer o desenvolvimento de operações de pensamento que propiciem a formação
de habilidades necessárias ao aprendiz independente, assim como ao profissional
que se quer formar. O trabalho apóia-se em Morin (2001) e em Lipman (1995) quando
recomenda que o material instrucional enfatize o desenvolvimento e
fortalecimento da reflexão e do “pensar”.
São sugeridas operações de pensamento a serem trabalhadas no material
instrucional destinado a cursos superiores ministrados à distância.
Palavras –chave:
Material instrucional para educação à
distância;
Operações de pensamento;
Introdução
Está longe o tempo em que o ensino à
distância se efetuava “por correspondência”, isto é, consistia no envio, por
meio do Correio Postal, dos mesmos textos usados no ensino presencial. Ao longo
do tempo, a evolução das ciências e da tecnologia vem contribuindo para a
construção de material instrucional para ensino à distância com características
próprias, específicas para o aprendizado independente da orientação presencial
de um professor. Outra grande revolução
foi a diversificação da via de comunicação com o aluno, que passa a utilizar
meios elétricos e eletrônicos, tais como o rádio, a Televisão, o vídeo, CD-ROM e
a rede Internet, exigindo assim, que o material instrucional se adapte às novas
formas de mediação.
Nosso aluno à distância hoje é um
privilegiado quando comparado com os “pioneiros” que se aventuraram ao estudo à
distância. Atualmente, podem contar com
recursos tecnológicos capazes de diminuir a sensação real e/ou psicológica de
distância e de tempo que se interpõe a sua comunicação com o professor.
No entanto, cresce a responsabilidade dos
especialistas voltados para a construção de material instrucional, de quem se
exige que tenham em vista a formação do indivíduo integral. A par da preocupação de construir
conhecimentos, é preciso que saberes e recursos técnicos estejam a serviço do
desenvolvimento de operações de pensamento, que levem à formação do aluno
independente, capaz de construir novos conhecimentos de forma autônoma, de
aplicar conhecimentos a problemas e situações novas, enfim de pensar, imaginar,
criticar e criar por si mesmo.
Qualquer que seja a mediação utilizada, o
material instrucional no ensino à distância deve estimular o exercício de
operações de pensamento lançando desafios para os alunos enfrentarem e solucionarem situações novas
com imaginação, criatividade e iniciativa própria. Nesse sentido, este trabalho contém sugestões
de operações de pensamento a serem trabalhadas
em materiais instrucionais destinados aos alunos dos cursos superiores
ministrados à distância, principalmente do curso de Formação de Professores,
isto porque, no futuro, deverão
trabalhar operações de pensamento com
seus alunos, desde as séries iniciais.
1 - CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA AUTO-APENDIZAGEM
Aprendizagem à distância pressupõe
auto-aprendizagem, a qual está
associada à idéia de ausência física do professor, do aluno como protagonista
de seu próprio processo de aprendizagem, de responsabilidade, e formação do
indivíduo capaz de realizar trabalho independente
. No entanto, é preciso distinguir entre auto-aprendizagem
autônoma – que se refere ao modo não ordenado e assistemático como o
autodidata procura, seleciona materiais e estuda, pesquisa sem apoio externo,
i. e., por conta própria; e auto-aprendizagem dirigida – a
aprendizagem organizada e sistemática que se processa, na ausência do
professor, mas com o apoio de um material-guia especialmente preparado para
esse fim- um material organizador de sua auto-aprendizagem.
A auto-aprendizagem dirigida ou guiada é uma forma
diferente e específica de aprender; mas se inscreve como uma variante especial
da “aprendizagem” e, no ensino a distância, comporta os mesmos critérios
básicos que devem estar presentes no material instrucional que orienta o
estudo.
Superada a dicotomia “presencial x à distância”, todo
aprendiz deve:
·
Desenvolver
capacidades de estudo independente;
·
Construir
conhecimentos relevantes significativamente aprendidos, enriquecidos, ampliando
e modificando as estruturas cognitivas;
·
Exercitar
operações de pensamento que propiciem o desenvolvimento de habilidades e
capacidades necessárias ao cidadão profissional que está sendo formado.
Portanto, o
material instrucional destinado à aprendizagem dirigida deve oferecer condições
de o aluno cumprir essas três funções e, para tal, deve:
·
deixar
um amplo espaço para a iniciativa dos destinatários e sua exploração pessoal;
·
apresentar
conteúdos, proporcionando a informação para que o aprendiz se aproxime,
progressivamente, de um conhecimento verdadeiro e não, de fragmentos.
·
propor
e estimular exercícios e atividades de investigação, oferecer espaço para a
re-descoberta, propiciar momentos de reflexão encaminhados para o
desenvolvimento do pensamento autônomo e de outras operações de pensamento
2 - FUNÇÕES DO MATERIAL INSTRUCIONAL
Edgar Morin inspirou-se em Montaigne para
compor o título de seu livro: “La tête bien faite”. Assim como o filósofo do século XVI, Morin
(2001) acredita que “mais vale uma cabeça bem feita que bem cheia”, ou
seja, em vez de acumular conhecimentos é preciso saber como organizar e aplicar
o saber acumulado. Nas palavras do
autor: “A educação deve favorecer a aptidão natural da mente para colocar e
resolver os problemas e, correlativamente, estimular o pleno emprego da
inteligência geral” (p.22).
Nesta
mesma linha está Lipman (1995) quando afirma que "o fortalecimento do pensar” deveria ser a principal
atividade das escolas (p.11). Os
objetivos do ensino ultrapassam a construção de conteúdos das diferentes
disciplinas e se voltam para o “pensar bem”, para tanto é preciso oferecer
atividades que estimulem o pensar dos alunos, que desse modo vai sendo
desenvolvido e fortalecido. Na concepção do autor, “pensar é o processo de
descobrir ou fazer associações e disjunções” [....] "pensar é fazer
associações e pensar criativamente; é fazer associações novas e
diferentes" (p.140).
Concordando com ao autores, nos sentimos
desafiados a encontrar os caminhos que levem ao desenvolvimento do pensamento
produtivo. No ensino presencial, é preciso estabelecer com os alunos uma
relação que desperte a consciência sobre as potencialidades de suas mentes; que
se estabeleça uma interação pedagógica que ofereça oportunidade e espaço para o
aluno exercitar operações de pensamento que o tornem um ser reflexivo,
questionador, crítico e criativo.
No ensino
à distância a provocação é ainda maior.
Trata-se de construir material instrucional que, a par de conteúdos
significativos, contenha proposições instigadoras que estimulem o exercício de
operações de pensamento, que incluem desde a observação sistemática, até o uso
da lógica, da dedução, da indução, da análise, da síntese e do julgamento,
consideradas operações mais complexas. Um pensar assim, para Lipman, é um “pensar bem”, é um pensar de
ordem superior que é crítico e criativo. (Lipman, 1995).
O
material instrucional hoje, seja ele texto impresso, áudio, vídeo ou hipertexto
veiculado em software multimídia, deverá
suprir a maior parte das funções
tradicionalmente atribuídas ao professor, oferecer oportunidade e espaço para
diálogo com o próprio material e,
mantendo coerência com os rumos da educação para o século XXI, enfatizar seu papel de administrador das
várias técnicas e recursos para aprendizagem do saber, assim como do saber-
pensar.
Para
o aluno dos cursos de educação à distância, as primeiras operações a serem
desenvolvidas têm relação com o “aprender a aprender”. O material instrucional “bem feito”
conscientiza o aluno de que, mais importante do que o volume de informações,
que resultará em “cabeça cheia”, é aprender a elaborar e a usar as informações
acumuladas, o que exige desenvolvimento de operações mentais que favorecem a
auto-aprendizagem, assim como a formação do cidadão independente, sujeito
reflexivo, capaz de raciocínio crítico e criativo.
3 - OPERAÇÕES DE PENSAMENTO
Entre os avanços científicos que têm
influído para dar caráter próprio ao material instrucional em geral, mas
principalmente para o ensino à distância, estão os resultados dos estudos na
área da Neurociência, que trazem novos conceitos sobre o funcionamento do
cérebro humano, a forma como se constroem conhecimentos e se elaboram as
informações.
Estudos de Gardner (1995) sobre a
inteligência humana nos alertam para as possibilidades que têm todos os
indivíduos de trabalhar diferentes tipos de inteligência, por meio do exercício
de modalidades diversas de aprendizagens, que preparam para o desenvolvimento
de operações mentais, tanto cognitivas, como afetivas e motoras.
Assim, o material instrucional, na
ausência do professor, deve privilegiar o pensar de ordem superior, que é
crítico e criativo, segundo Lipman (1995), como continuação do desenvolvimento
de um pensamento de ordem inferior, não tão conceitualmente rico, organizado e
investigativo.
Nesse estudo, selecionamos algumas operações de pensamento que
consideramos essenciais no ensino superior e em alguns casos, sugerimos
sistemática de trabalho, que pode ser incluída em textos destinados à aprendizagem
à distância.
A observação é uma ação básica para se
efetuar outras operações de pensamento.
Ligadas a ela, estão, por exemplo, as atividades de examinar e de
perceber. No entanto, a observação pode,
ou não, ser metódica. Como atividade
intelectual, implica atenção direcionada a determinado fato ou fenômeno, com
objetivo previamente estabelecido. O que se observa, ou deixa-se de observar,
está diretamente relacionado aos nossos conhecimentos já construídos, à
amplitude do objeto da observação, à capacidade de concentração/atenção, entre
outros fatores. A observação, via de
regra, é registrada por meio de um tipo de linguagem: oral, escrita, pictórica,
etc.
A observação de um
objeto significativo pode ser facilitada com a adoção da seguinte sistemática:
·
Fixar limites do objeto de observação;
·
Planejar cuidadosamente a observação, estabelecendo
objetivos e condições, além de submeter o resultado da observação à verificação
e ao controle de validade;
·
Evitar confusão entre observação e suposição (cuidado
com as interpretações);
·
Considerar semelhanças e diferenças;
·
Utilizar outras operações de pensamento;
·
Registrar as observações por meio de descrição,
utilizando linguagem clara e precisa, ou de desenhos.
Campbell et al. (2000) enfatizam a importância
do registro por meio do desenho citando Frederick Franck em The Zen of
Seeing: “Aprendi que aquilo que eu não desenhei, jamais realmente vi e
que, quando eu começo a desenhar uma coisa comum, percebo como ela é
extraordinária” (p.211). Esses
mesmos autores acreditam que, para desenvolver determinadas habilidades, “é
necessário ir além do olhar casual e chegar à interrogação ativa”
(p.210), e sugerem que os alunos podem desenvolver suas habilidades respondendo
às seguintes questões durante as observações:
·
O que estou vendo?
·
Como posso descrever minhas observações?
·
O que está acontecendo?
·
Por quê?
Para os autores, através da observação e do questionamento intencional, “tanto
adultos quanto as crianças constroem significados e geram novas perguntas a
serem respondidas” (Campbell et al., 2000, p.210).
A observação tem
estreita relação com a descrição, como forma de expressá-la. A descrição
é registrada em textos escritos ou em forma de desenhos. Ao levar uma pessoa a fazer anotações,
desenhar ou citar características, descrever detalhes, considerar semelhanças e
diferenças sobre determinado objeto, estamos levando essa pessoa para além da
observação.
Uma sistemática que
facilita a descrição, consiste em estabelecer as categorias que
constituem o objeto em estudo e enumerar características de cada uma das
categorias. Um segundo momento, consiste
em enumerar as características que distinguem um objeto de outros.
É uma operação
de pensamento muito freqüente, podendo variar em complexidade e amplitude. Com
o auxílio dessa operação de pensamento, fatos e idéias são relacionados,
estabelecendo-se semelhanças e diferenças, contrastes e equivalências. Comparar não significa, portanto, criticar ou
julgar, o que leva à idéia de aceitação ou recusa de algum conceito.
A sistemática
proposta para efetuar esta operação de pensamento está voltada para a percepção de:
·
Semelhanças
entre os fatos, fenômenos, idéias que estão sendo comparados;
·
Diferenças
entre esses mesmos fatos, fenômenos ou idéias;
·
Igualdade entre eles;
·
Descrever
o resultado da comparação.
Relação
Esta operação de pensamento volta-se para o estabelecimento de ligações
entre conceitos, fatos, fenômenos, idéias ou entre partes de um todo. Segundo Piaget (1981, apud Kamii, 1992), a
criança só é capaz de abstrair, reflexivamente, quando consegue estabelecer
ligações, relações entre objetos, isto é, quando ultrapassa a condição de
fixar-se em uma só propriedade do objeto, ignorando as demais. Semelhantemente, só se consegue desenvolver
essa operação de pensamento quando são estabelecidas ligações entre duas ou mais idéias (ou conceitos, fatos,
fenômenos, etc.) ou, então, quando
ligações são estabelecidas entre a idéia atual e as que já conhecemos.
Análise e Síntese
A operação de análise está vinculada à decomposição de
um todo em seus elementos mais significativos e ao exame minucioso de suas
partes, tendo por objetivo conhecer sua natureza, suas funções, etc. Esse exame
minucioso implica, necessariamente, uma crítica, e, também, o estabelecimento
de relações entre as idéias significativas desse todo – um texto, por exemplo –
com outras idéias semelhantes ou diferentes de autores já lidos, estudados,
analisados.
Fugindo às severas críticas ao método de análise a partir de Descartes, o
estudo pormenorizado de um todo – texto, por exemplo – cientistas recomendam a
recomposição de seus elementos significativos em uma síntese (Danielli, 1996),
um “novo” todo. Fala-se, aqui, em “novo”
todo porque esse “novo” todo é o “meu” todo, um texto constituído pelos
elementos que considerei significativos e que talvez não sejam os mais
significativos para o autor. É importante não esquecer que devemos considerar
que cada um dos elementos, mesmo os mais significativos do todo, só tem sentido
a partir do todo que o originou; e nem que o todo é sempre mais importante do
que a simples junção de suas partes.
Uma sistemática que pode ser adotada para realizar uma análise é:
·
Determinar sob que aspecto(s) vai-se efetuar a análise;
·
Identificar os
elementos significativos;
·
Estudar
pormenorizadamente sua natureza, funções, etc.;
·
Elaborar a síntese (recomposição das partes em um “novo”
todo), sem esquecer a crítica e as relações estabelecidas;
·
Registrar a operação realizada.
Crítica
Ao realizar uma crítica, utiliza-se
julgamento e avaliação, valendo-se, para tanto, de critérios. Critérios são um tipo confiável de razão,
como padrões ou normas, empregando os já existentes ou os criados por aquele
que critica. É necessário, entretanto,
fundamentar-se em provas e em qualidade de raciocínio para ressaltar qualidades
positivas ou negativas, limitações, defeitos, omissões, entre outros. É importante lembrar que o raciocínio
possibilita evidenciar os fundamentos de uma tese, além de fazer uso do
argumento – conjunto de indícios que pretende provar ou refutar uma
proposição. Uma forma sistemática para
realizar uma crítica inclui:
·
Realizar
a análise de um conceito, idéia, etc.
·
Estabelecer
critérios para a crítica dos elementos significativos;
·
Fundamentar
a crítica, no que foi apontado como qualidade, limitação, defeito, omissão,
etc.; e
·
Terminar
com uma descrição.
Fundamentação e Argumentação
Constatamos que a crítica se constitui em
uma operação de pensamento superior bastante complexa, pois envolve análise,
estabelecimento de critérios, julgamento, fundamentação e argumentação. Ao
fundamentar apresentamos as leis, princípios e pressupostos teóricos, técnicos
ou legais que dão suporte às idéias que estão sendo discutidas.
A argumentação é a arte do convencimento.
Para Emenrenciano e Wickert (1997) argumentar é uma operação mental que mostra
os raciocínios que constituem o argumento, com o objetivo de convencer,
mostrando a consistência e a coerência da tese ou idéia defendida.
CONCLUSÃO
A proposta deste estudo está dirigida aos
especialistas que se ocupam da construção do material instrucional para
aprendizagem independente, assim como aos professores/orientadores/tutores
e aos alunos que buscam formação á distância.
Consiste num alerta para o fato de que a informação não deve dominar o
ensino, mas como aponta Morin (2001) “o conhecimento deve ser permanentemente
revisitado pelo pensamento” e o pensamento “é, mais do que nunca,
o capital mais precioso para o indivíduo e a sociedade” (p.18).
Foram selecionadas sugestões de atividades
sistemáticas a serem incluídas no material instrucional destinado à
aprendizagem à distância, voltadas para o exercício de operações consideradas
complexas e inerentes ao ensino superior visando favorecer o “desenvolvimento
da inteligência geral”. Desse modo estaríamos promovendo o que Morin considera
a “reforma do pensamento” Para o autor, “trata-se de uma reforma não
programática, mas paradigmática, concernente a nossa aptidão para organizar o
conhecimento” (p.20).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPBELL, L. et al. Ensino e
aprendizagem por meio das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes
Médicas Sul, 2000.
DANIELLI, I. Palavras especiais.
Curso de Especialização de Filosofia e Existência. Brasília: Universidade
Católica de Brasília, 1996.
EMERENCIANO, M. S. J. e WICKERT, M. L. S. Uma
concepção integrada. Curso de Educação a Distância. Brasília: Universidade
Católica de Brasília, 1997.
GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria na
prática. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 1995.
KAMII,
C. Reinventando a
aritmética: implicações
da teoria de Piaget. Campinas, SP: Papirus, 1992.
LIPMAN,
M. O pensar na educação. Petrópolis: Vozes, 1995.