Articulação de saberes na EAD:
por uma rede interdisciplinar e interativa de conhecimentos

 

 

 

 

Alexandra Lilavati Pereira Okada

Colégio Dante Alighieri e PUC-SP

ale@projeto.org.br

 

 

Edméa Oliveira dos Santos

UFBA

mea2@uol.vom.br

 

 

RESUMO

 

O texto é um convite a todos os especialistas envolvidos com os processos produtivos e gestores de práticas curriculares na modalidade de EAD interessados no repensar de suas ações, tanto no que tange a articulação de saberes e competências, quanto na postura comunicacional entre os sujeitos envolvidos.

Procuramos neste trabalho mapear o problema da fragmentação dos saberes e competências nas práticas de EAD seja na relação professor, aluno e conhecimento, seja nas relações de trabalho entre os profissionais envolvidos com a EAD (editores, técnicos, conteudistas, web designer, instructional designer entre outros).

Além disso, procuramos desmistificar pseudo-processos de articulação de saberes propondo a interdisciplinaridade e a interatividade como paradigmas curriculares e comunicacionais que poderão contribuir,  para que as práticas produtivas de EAD sejam vivenciadas pelos sujeitos envolvidos para além da fragmentação própria dos modelos fabris.

 

 

Palvras-chave: comunicação - parceria -  construção – interação – interdisciplinaridade.

 

 

Em educação on-line, se a ambiência comunicacional gira em torno de não romper com a lógica unidirecional ¾ própria da mídia de massa e dos sistemas tradicionais de ensino ¾, pouca ou nenhuma mudança qualitativa acontecerá em termos de educação; e, obviamente, de comunicação. Não basta apenas mexer na forma e no conteúdo dos materiais ou estratégias de ensino. É necessário modificar o processo de comunicação dos sujeitos envolvidos e articular os saberes multirreferenciais da equipe envolvida desde o projeto de desenho instrucional, vivência e dinâmica do curso. P. Blikstein, pesquisador do Media Lab (MIT), chegou à seguinte conclusão:

“Reproduz-se o mesmo paradigma do ensino tradicional, em que se tem o professor responsável pela produção e pela transmissão do conhecimento. Mesmo os grupos de discussão, os e-mails, são ainda, formas de integração muito pobres. Os cursos pela internet acabam considerando que as pessoas são recipientes de informação. A educação continua a ser, mesmo com esses aparatos tecnológicos, o que ela sempre foi: uma obrigação chata, burocrática. Se você não muda o paradigma, as tecnologias acabam servindo para reafirmar o que já se faz”. Jornal do Brasil, caderno Educação & Trabalho, 18.02.2001

Essa constatação tão precisa é preocupante. O papel do professor em EaD on-line vem  se mantendo no mesmo paradigma da transmissão ou da distribuição em massa. O que se tem em geral é a banalização do ensino a distância e a subutilização das tecnologias digitais de comunicação, o ciberespaço.

É urgente, então, enfrentar esse grave problema criando-se espaços arejados de debate. Precipuamente, agora quando o MEC promulga a portaria 2253 de outubro/2001 determinando que até 20% das disciplinas de qualquer curso de graduação credenciado seja ministrado na modalidade a distância.

 As abordagens equivocadas surgem nos ambientes de pesquisas mais avançadas. Por exemplo, a abordagem de uma especialista de uma universidade brasileira que separa burocraticamente a ação do professor em compartimentos:

“Professor/autor - elabora conteúdos para materiais didáticos de EAD”;

Professor/instrutor - ministra aulas complementares ao material didático, síncrona ou assincronamente, intermediadas por tecnologias (chats, fóruns, videoconferência, televisão, etc.) ou presencialmente;

Professor/tutor - auxilia os autores e instrutores e, principalmente aos alunos, a serem bem sucedidos no processo de ensino/aprendizagem. Não tem permissão para modificar os conteúdos e linhas pedagógicas propostas pelos autores/coordenadores do curso”. Cf. Produção de material didático para cursos à distância na Web. SBPC nº 53, Salvador/BA, julho 2001.

 

 

Essa distinção burocrática separa o fazer do saber, a teoria da prática. Assim, a autoria do professor se reduz à elaboração de conteúdos a serem transmitidos como pacotes fechados e imutáveis. A produção e distribuição dos conteúdos e materiais são separadas do acompanhamento do processo de aprendizagem não permitindo a intervenção crítica dos sujeitos envolvidos. Ademais, a autoria se reduz a quem cria o material didático que circula no ciberespaço, fazendo do estudante e do professor/tutor pólos separados no esquema baseado no modelo de comunicação de massa um-todos.

Urgem novas atitudes comunicacionais e curriculares/pedagógicas no ciberespaço que contemplem a resignificação da autoria do professor e do estudante como co-autor. O currículo em rede on-line exige a comunicação interativa onde saber e fazer transcendem as atitudes burocráticas que separam quem elabora, quem ministra, quem tira dúvidas, quem administra o processo da aprendizagem e quem recebe os pacotes de informações. Em suma, é preciso investir na formação de novas competências comunicacionais capazes de promover aprendizagem na EAD não subutilizando seus recursos tecnológicos.

Para que as práticas de EAD sejam mais produtivas e integradas é necessário o envolvimento interdisciplinar de toda uma equipe de produção que se dar para além da relação professor aluno e conteúdos. Para isto, é essencial envolver vários especialistas e competências tanto no processo de criação dos materiais e conteúdos até a uso dos mesmos no processo de ensino/aprendizagem.

 

 

1- Para além dos professores e dos cursistas: os profissionais envolvidos no currículo de um projeto de EAD-online.

 

A divisão do trabalho e a sistematização do processo de ensino/aprendizagem permitem planejar o currículo com ênfase no alcance dos objetivos pré-definidos de modo eficaz onde cada especialista é responsável por uma parte do processo. Tudo começa com a produção e concepção dos materiais que serão dispostos e no ambiente virtual de aprendizagem (AVA) para que os cursistas tenham acesso durante o processo do curso propriamente dito. Os conteúdos geralmente são dispostos através de unidades temáticas, subdivididas em atividades. As unidades temáticas são produzidas por diferentes especialistas com pouca ou quase nenhum construção coletiva. Vejamos alguns especialistas e suas atividades básicas:

 

Especialistas

Atividades

Conteudista

Cria e seleciona conteúdos normalmente na forma de texto explicativo/dissertativo e prepara o programa do curso;

Web-roteirista

Articula o conteúdo através de um roteiro que potencializa o conteúdo, produzido pelo conteudista) a partir do uso de linguagens e formatos variados (hipertexto, da mixagem e da multimídia).

Web-designer

Desenvolve o roteiro, criado pelo web-roteirista, criando a estética/arte final do conteúdo a partir das potencialidades da linguagem digital

Programador

Desenvolve os AVA – ambientes virtuais de aprendizagem, criando programas e interfaces de comunicação síncrona e assíncrona, atividades programadas, gerenciamento de arquivos, banco de dados. Enfim toda parte do processo que exija programação de computadores.

Instructional Designer (esse profissional normalmente é um educador com experiência em Tecnologia Educacional).

Analisar as necessidades, constrói o desenho do ambiente de aprendizagem, seleciona as tecnologias de acordo as necessidades de aprendizagem e condições estruturais dos cursistas, avaliar os processos de construção e uso do curso. Além disso, media o trabalho de toda a equipe de especialistas.

Tabela 1  -  Profissionais em Ead

Não basta apenas criar uma equipe com competências variadas. É necessário criar uma dinâmica curricular que articule as diversas competências num processo de criação interativo e interdisciplinar. Vejamos a seguir algumas possibilidades de articulação de saberes, válidas para qualquer modalidade de educação e muito urgente para a EAD on-line.

A autoria na EAD é um processo que perpassa todos os sujeitos envolvidos. Na maioria das instituições a autoria é restrita à ação de quem elabora o programa do curso e não dos sujeitos envolvidos estrategicamente em todo o processo. A lógica da escola-fábrica ainda é uma realidade, inclusive em práticas de EAD-online.

A seguir, mapearemos algumas abordagens de articulação de saberes em práticas curriculares.

 

 

2. Por uma rede de competências: articulação dos saberes nas equipes de EAD.

 

Paradoxalmente, é dentro do processo da fragmentação disciplinar do conhecimento que emergem modalidades diversas de articulação de saberes. A mais conhecida modalidade de integração disciplinar é comumente denominada de interdisciplinaridade. Esse conceito é apresentado pela literatura através de uma polissemia notável. “Trata-se de um neologismo cuja significação nem sempre é a mesma e cujo papel nem sempre é compreendido da mesma forma” (Japiassu, 1976, p. 72).

O termo interdisciplinaridade chega a ser contemporaneamente um significante bastante banalizado. Devido à necessidade de (re)significar as práticas curriculares - seja pelo desejo dos educadores e educadoras, seja pela pressão dos discursos apresentados pelos documentos oficiais, a exemplo dos parâmetros e diretrizes nacionais da educação - principalmente no que tange a gestão dos saberes, qualquer tentativa de comunicação entre as áreas de conhecimentos é diretamente classificada como interdisciplinaridade.

Nesse sentido, torna-se necessário apontarmos algumas modalidades que na prática curricular ganham o status de interdisciplinaridade sem na verdade contemplar o mínimo de critérios que a caracterizam como tal. Estas abordagens devem ser discutidas para que novas dinâmicas curriculares possam emergir e contribuir para a articulação de saberes e competências.  

 

 

 

 

 

 

 

3. Diversas modalidades que orientam a pratica curricular

 

3.1 - Abordagem Multidisciplinar

 

FIG 1.  Interação multidisciplinar

 

 

Quando uma prática curricular necessita apenas da participação de várias disciplinas  na composição e exercício de um trabalho, quer de ensino, quer de pesquisa, sem estabelecer claramente os links de interligação entre elas, estamos diante da modalidade multidisciplinar. 

A multidisciplinaridade “caracteriza-se pela justaposição de matérias diferentes, oferecidas da maneira simultânea, com a intenção de esclarecer alguns dos seus elementos comuns, mas na verdade nunca se explicam claramente as possíveis relações entre elas” (Santomé, 1998, p. 71). Nessa modalidade, o objeto de estudo é visto sobre diferentes olhares em forma de agrupamentos disciplinares, mas sem a integração de conceitos, procedimentos e atitudes. O trabalho entre os sujeitos não é cooperativo, sendo que cada disciplina mantém seus próprios objetivos, formas e dinâmicas de trabalho.

Um dos grandes problemas da multidisciplinaridade está na falta de contextualização com outros saberes produzidos pelos sujeitos em outros espaços de aprendizagem. Isto resulta em conteúdos apresentados sem relação com o cotidiano ou  com as vivências dos sujeitos.

3.2 - Abordagem Pluridisciplinar

                 

 

FIG 2.  Interação pluridisciplinar

 

Mesmo sendo o currículo estruturado pela arquitetura disciplinar, os sujeitos da ação (professores, pesquisadores, editores, informatas, web-designer, instrucional designer,etc) podem em momentos específicos e pontuais estabelecerem algumas relações de comunicação entre os saberes. Nesse sentido temos a pluridisciplinaridade como mais uma modalidade que aparece nas práticas curriculares.

Para os teóricos Santomé (1998) e Japiassu (1976) a pluridisciplinaridade se caracteriza basicamente pela justaposição de disciplinas e competências mais ou menos próximas, mesma hierarquia. Isso não significa que serão socializados conceitos, métodos e objetivos. Na verdade um especialista pode solicitar a intervenção de outro especialista na sua prática de trabalho.

Contudo, uma especialidade não contribuirá na modificação epistemológica, muito menos metodológica de cada área em particular. Assim, podemos notar que a justaposição de conhecimentos nas práticas curriculares nem sempre se fecha no mesmo nível hierárquico. É muito comum principalmente nas escolas, que especialistas de diferentes áreas de conhecimentos, também estabelecem pontuais momentos de comunicação. Podemos citar, por exemplo, relação entre a matemática e as artes, física e história entre outros. Todavia, a problemática ainda se limita a momentos pontuais e esporádicos. Existe na relação entre os especialistas um certo nível de cooperação, mas não uma coordenação intencional dos vínculos.

3.3 - Abordagem Interdisciplinar

ProdutoProcesso

 

 FIG 3.  Interação interdisciplinar

 

 

Quando o trabalho é norteado por experiências intencionais de interação entre as disciplinas e especialistas com intercâmbios, enriquecimentos mútuos e produção coletiva de conhecimentos estamos diante de uma prática interdisciplinar. A interdisciplinaridade se caracteriza mais pela qualidade das relações, “cada uma das disciplinas em contato são por sua vez modificadas e passam a depender claramente umas das outras” (Santomé, 1998, p.73), do que pelas quantidades de intercâmbios. Os objetivos, conceitos, atitudes e procedimentos são (re)significados dentro e fora do limite de cada área do conhecimento.  As relações deixam de ser remotas e/ou pontuais para serem estruturadas pela colaboração e coordenação intencional de um projeto coletivo de trabalho.

Vale a pena destacar que a construção de saberes e conhecimentos por se constituir em uma relação social é essencialmente um campo de lutas (poder) e de recursividades intensas. As tradições científicas e também curriculares são condicionadas pelos interesses de grupos sócio-econômicos, militares, relações internacionais entre outras. Para tanto, devemos buscar o entendimento dos limites e possibilidades de uma prática interdisciplinar que entenda o processo de construção de conhecimentos enquanto devir.

Precisamos atentar para os acontecimentos, aos erros e também às incertezas. Nesse contexto, o instrucional designer deve atuar como o mediador do projeto e da equipe envolvida em projetos de EAD-online.

Para mediar a construção coletiva de conhecimento é necessária além da concepção de interdisciplinaridade uma postura comunicacional interativa. Silva (2000) nos sugere:

 

 

 

 

 

 

 

A COMUNICAÇÃO

MODALIDADE UNIDIRECIONAL

MODALIDADE INTERATIVA

MENSAGEM: fechada, imutável, linear, seqüencial;

 

 

EMISSOR: “contador de histórias”, narrador que atrai o receptor (de maneira mais ou menos sedutora e/ou por imposição) para seu universo mental, seu imaginário, sua récita;

 

 

 

RECEPTOR: assimilador passivo

 

MENSAGEM: modificável, em mutação, na medida que responde às solicitações daquele que a manipula;

 

EMISSOR: “designer de software”, constrói uma rede (não uma rota) e define um conjunto de territórios a explorar; ele não oferece uma história a ouvir, mas um conjunto intricado (labirinto) de territórios abertos a navegações e dispostos a interferências, a modificações;

 

RECEPTOR: “usuário”, manipula a mensagem como co-autor, co-criador, verdadeiro conceptor.

Tabela 2  -  Cf. Sala de Aula Interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2000, p. 73s.

 

Portanto, o desafio atual é concretizar a ação de uma comunicação interativa interdisciplinar. Tanto professores, conteudistas, editores, web-roteiristas, web-designers, instrucional designer quanto cursistas podem ser autores e co-autores (emissores34receptores) de mensagens abertas e contextualizadas pela diferença nas suas singularidades.

A interdisciplinaridade nos possibilita uma nova ação de abertura, compreensão e parceria em relação ao conhecimento e ao processo de aprendizagem. Essa ação pauta-se no movimento da transformação “com” o outro, da interdependência, da co-construção e colaboração, do questionamento e da busca, da ação e reflexão, da atitude e pensamento visando o desenvolvimento individual e coletivo.

“ A intersubjetividade (princípio primeiro da parceria) é muito mais do que uma questão de troca, mas, que o segredo está na intenção da troca, na busca comum da transcendência. Aprendemos também o cuidado que precisamos ter com a palavra, esta tal como o gesto tem por significação o mundo, o importante é, pois, nos utilizarmos de boas metáforas, pois o sentido de poiesis, de totalidade que as mesmas contemplam exercem um poder de despertar não apenas o intelecto, mas o corpo todo. Quando adquirimos a compreensão da ambigüidade que o corpo contempla, adquirimos a capacidade de lidar com o outro, com o mundo, enfim, recuperamos o sentido da vida” . Fazenda (2002)

Neste processo, é preciso propiciar a construção de espaços virtuais de aprendizagem que possibilitem o desenvolvimento dos sujeitos em suas inteirezas com vistas à construção individual e coletiva de significados.  Novas dinâmicas curriculares precisam emergir. Para isto, é necessário promover novos caminhos para possibilitar o diálogo, a troca de experiências, a discussão, a reflexão crítica de informações compartilhadas, a articulação de diversos ângulos e sentidos, a desconstrução e  reconstrução de novos conhecimentos. Neste contexto, redes de saberes e competências devem ser tecidas através de relações de parceria e de co-autoria.  Novos ambientes virtuais de aprendizagem precisam dar vida, e dinâmica ao currículo de EAD-online.

 

 

Referências Bibliográficas

 

Castells, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

Fazenda Ivani. Construindo aspectos teóricos-metodológicos da pesquisa sobre interdisciplinaridade. In mimeo, 2002.

Japiassu Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber.RJ: Imago Editora Ltda, 1976.

Lévy, Pierre . A máquina universo - criação, cognição e cultura Informática. Artmed. Porto Alegre, 1998.

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Morin, Edgar – Ciência com consciência, 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

Santomé, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1998.

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Santos, Edméa Oliveira dos. O Currículo e o Digital: a educação presencial e à distância. Dissertação de Mestrado. Salvador, BA. FACED/UFBA. Defendida em 30 de abril de 2002. Orientação Dr. Nelson De Luca Pretto.

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Silva, Marco. Sala de Aula Interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2000.

Steven, Johnson. Cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar. RJ, Jorge Zahar Ed, 2001.