Por ABED
Nos últimos dias, em meio à pandemia do coronavírus, observamos que o uso do termo Educação a Distância parece estar passando por um processo de ressignificação. Neste artigo, Cristiane Freire de Sá, Doutoranda em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem também pela PUCSP, especialista em Design Instrucional e licenciada em Pedagogia, reflete sobre a terminologia da EaD.
No cenário da educação, diante da necessidade de atender remotamente a milhares de alunos, nos deparamos com algo do tipo: “vamos usar EaD no presencial agora”.
Proponho essa reflexão, partindo, primeiro, sobre a importância de lembrar que o ensino formal está calcado em uma legislação que prevê o conceito de EaD como modalidade de ensino. Não é previsto como uma metodologia que possa ser aplicada. O que podem ser aplicados são as metodologias, estratégias e recursos utilizados na modalidade.
Para ficar mais fácil vislumbrar o que me motiva a convidar os profissionais da educação a refletir sobre essa questão é a compreensão de que a EaD, como modalidade, está na mesma categoria que a Educação de Jovens e Adultos, Educação do Campo, Educação Especial, Educação escolar Indígena e Educação Escolar Quilombola. Ou seja, como modalidade, possui características, finalidades e objetivos específicos.
Talvez, após essa reflexão possamos nos perguntar: será que há algo de errado, então, como o nome dado a essa modalidade? Ou será que, no final, não se trataria de uma modalidade, mas sim, de uma nova abordagem educacional que pode ser aplicada em diferentes níveis e modalidades de ensino?
Talvez, agora, com o cenário da pandemia, estamos tratando a EaD como algo que se aplica, como uma metodologia de ensino? Será que estamos adotando esse discurso pensando nas possibilidades que as mídias, linguagens e tecnologias permitem para renovar e aprimorar os processos de ensino-aprendizagem?
O que implica considerar/ressignificar a EaD como metodologia e não como uma modalidade, afinal, se fosse o caso de aplicá-la, o que estaria em jogo é um xadrez legal e curricular ou uma profunda reflexão sobre o que é ensinar e aprender?
Na minha primeira reflexão, penso que é necessário manter uma distinção, ainda que temporária, sobre o que é modalidade de ensino e metodologia de ensino. Não se trata somente de uma questão semântico-discursiva, pois essa questão tem gerado muitas dificuldades, tensões e principalmente, ansiedades frente ao que é possível e viável de se fazer considerando as dimensões dos estudantes e dos docentes.
Gosto, por exemplo, da reflexão que Leffa e Freire (2013, p.34) nos trazem sobre a questão da terminologia EaD :
Estamos diante de um aparente impasse, mas com duas opções de saída: ou toda educação é presencial, incluindo a educação distante, ou toda educação é distante, incluindo a presencial.
A opção por uma ou outra das alternativas é meramente uma questão terminológica; pode-se postular tranquilamente que não há qualquer possibilidade teórica de haver dois tipos de educação. Distante ou presencial, ela será sempre mediada por instrumentos físicos e psicológicos.
Afinal, como promover em situações de emergência, uma mudança cultural, equalizando riscos, erros, conflitos e principalmente, acreditando que são tempos de muita aprendizagem?
Não seria a hora, então, de pensar sobre como aplicar as melhores metodologias da EaD para ampliar os processos de comunicação didática entre os agentes do ensino?
Afinal, se listas de exercício por e-mail forem consideradas a “aplicação de EaD” como metodologia, estamos fazendo EaD desde os tempos em que tínhamos as listas de exercício como trabalho de casa. Meus anos de experiência com essa modalidade me indicam que EaD de qualidade passa muito, mas muito longe disso.
Aliás, muito mais longe até dos muitos modelos e propostas que estamos presenciando nos últimos anos. Lá no início dos anos 2000, sonhávamos com uma EaD que aproximasse pessoas usando as tecnologias e não, afastando-as ou reproduzindo situações presenciais no on-line.
Finalizo esse convite para uma conversa lembrando que a linguagem é um sistema dinâmico e a todo momento podemos ressignificar e renomear um conceito, uma expressão. Entretanto, há muito de poder exercido num ato de renomear, como postulou Wittgenstein quando alertou para os rituais de nomeação.
Como esse filósofo da linguagem nos faz pensar, ao se nomear ou renomear algo, é como se aquilo passasse a existir ou a se transformar. Criamos coisas novas nomeando-as. Será que podemos criar algo realmente novo nesse jogo de palavras que tanto ronda o uso da expressão EaD? Não tenho respostas, só muitas inquietações e reflexões, por isso, o convite está aberto.