*Por Jose Augusto de Melo Neto
Qual seria o significado das palavras “remoto” e “distância” no contexto educacional? Antes da pandemia da Covid-19 (e do consequente fechamento dos estabelecimentos de ensino ao redor do mundo) esses termos frequentemente eram utilizados como sinônimos, mas isso mudou.
No Brasil, logo no início da crise sanitária causada pelo novo Coronavírus, o Ministério da Educação (MEC) publicou uma Portaria dispondo sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durasse a situação de pandemia.
Neste mesmo período, o Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou uma Nota de Esclarecimento, considerando as implicações da Covid-19 no fluxo do calendário escolar em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, destacando que:
– As instituições de educação superior podem considerar a utilização da modalidade EaD como alternativa à organização pedagógica e curricular de seus cursos de graduação presenciais;
– Compete aos sistemas de ensino federal, estaduais, municipais e distrital autorizar a realização de atividades a distância nos demais níveis e modalidades de ensino;
– Os estabelecimentos de educação, em todos os níveis, podem considerar a aplicação do previsto no Decreto-Lei nº 1.044, de 21 de outubro de 1969, de modo a possibilitar aos estudantes, que direta ou indiretamente corram riscos de contaminação, serem atendidos em seus domicílios.
Ou seja: as primeiras manifestações oficiais em nível nacional indicaram a utilização das tecnologias digitais e atividades de educação a distância (EAD) como alternativa durante a pandemia, mas isso não foi o que ocorreu na prática.
Neste cenário, as instituições de nível superior alegaram inicialmente falta de infraestrutura para a oferta em EAD. Nos primeiros dois meses de paralisação das aulas apenas 6 das 69 universidades federais utilizaram esse recurso para manter o atendimento parcial dos alunos, mas é possível que a resistência dos professores universitários na utilização das soluções tecnológicas tenha contribuído para a baixa adesão, além do acesso precário dos alunos aos meios de comunicação.
Nesse meio-tempo, os conselhos de educação estaduais, municipais e do Distrito Federal, de forma moderada, publicaram pareceres, resoluções e orientações destacando uma nova expressão: regime especial de aulas não presenciais.
A despeito da subjetividade da palavra presencial, os conselheiros que redigiram as normas dos sistemas de ensino, em sua maioria, recomendaram atividades não presenciais, optando por não dar preferência à educação a distância, embora regulamentada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inclusive para situações emergenciais. A adesão limitada da EAD pré-pandemia na educação básica brasileira pode ter motivado esse encaminhamento.
Ademais, poderíamos perguntar: o que define a presencialidade na educação? Não podemos estar presentes em uma aula remota e ausentes em um espaço físico dividido com um professor? Qual seria a razão para generalizar as aulas convencionais como presenciais? Isto pode revelar um indicativo da ausência de uma teoria de aprendizagem.
Embora não tenha sido citada diretamente nas publicações iniciais, a expressão ensino remoto passou a ser cada vez mais utilizada durante a pandemia, com o acréscimo de um adjetivo: emergencial. O remoto não era mais sinônimo de distanciado ou aquilo que se efetiva à distância. Assim, o ensino remoto emergencial (ERE) foi se convertendo em uma alternativa mais aceitável, no lugar da EAD, nas instituições educacionais.
No segundo quadrimestre de 2020, várias universidades brasileiras publicaram normas e guias sobre o ensino remoto emergencial e o termo se consolidou. Não é EAD, é ERE , diziam, enquanto justificavam a diferença conceitual limitando a educação a distância aos ambientes virtuais de aprendizagem.
Entre outros motivos, o Prof. João Mattar (Universidade Anhembi Morumbi), em uma live realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em setembro de 2020, com o tema “Ensino Remoto e EAD: aproximações possíveis”, comentou que as instituições privadas estariam oferecendo o ERE no lugar da EAD para não reduzir o valor das mensalidades, o que faz sentido na lógica do mercado.
De fato, o emergency remote teaching (ERT) ou ensino remoto emergencial (ERE) é um termo importado que foi conceituado pelo Prof. Charles Hodges (Georgia Southern University) em um artigo publicado na Revista eletrônica Educase, em conjunto com quatro outros professores norte-americanos, como uma mudança temporária para um modo de ensino alternativo em circunstâncias de crise. O objetivo do ERE seria, portanto, fornecer acesso temporário a conteúdos educacionais de maneira rápida, fácil de configurar e confiável, durante uma emergência.
Os registros anteriores de ações similares ao ensino remoto emergencial no mundo fazem referência ao papel da educação em países com conflitos armados, campos de refugiados e alunos, em especial mulheres, em situação de vulnerabilidade social e exclusão escolar. Eram 28 milhões de alunos em 2011, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), com escolas fechadas por falta de segurança, em países como Afeganistão, Bósnia e Herzegovina e Somália.
Ainda que o termo “remoto” não faça parte do texto da LDB, é apropriado lembrar que em 2017 foi incluída nesta Lei a expressão “educação presencial mediada por tecnologias”, como consequência da Reforma do Ensino Médio e da evidente referência à metodologia alternativa utilizada em projetos como o Centro de Mídias de Educação do Amazonas desde 2006.
De forma similar, a utilização crescente do ensino remoto como resposta à crise poderá motivar uma atualização na legislação educacional pós-pandemia. Para isso ser viabilizado, será necessário deixar de lado o adjetivo “emergencial”, promover debates públicos com a participação dos professores e incorporar efetivamente uma teoria educacional ao processo, pois o ensino remoto não pode se limitar a reproduzir aulas expositivas em sistemas de videoconferência.
De acordo com a Profª. Veronica Manole (Babes-Bolyai University), o ensino remoto tornou-se um exercício valioso no desenvolvimento de uma estratégia educacional para o futuro. Para isso, compreende-se ser necessário fundamentar a estratégia em teorias de aprendizagem, sem improvisos. Ao desconsiderar a importância da abordagem teórica, corre-se o risco das escolas continuarem oferecendo aos alunos apenas uma versão precarizada da EAD.
A teoria da distância transacional, por exemplo, poderia ser reanalisada para ser aplicada ao ensino remoto. Trata-se de uma teoria educacional elaborada pelo Prof. Michael Moore (Pennsylvania State University) em 1993, com base em estudos anteriores, que propõe mudar o foco da distância geográfica para a distância pedagógica no processo ensino-aprendizagem.
Separados fisicamente, professores e alunos criam um espaço psicológico-comunicacional chamado de distância transacional. O planejamento das aulas remotas poderia ter como desafio transpor a barreira física por meio da interação, como resultado de um processo colaborativo. Seria possível, desta forma, aumentar ou diminuir a distância transacional, afetando a participação e desempenho dos alunos em variáveis como estrutura, diálogo e autonomia, dependendo da proposta pedagógica de cada curso.
Apesar dos pressupostos positivistas, há mais de 500 teses e 1.500 dissertações sobre essa teoria em programas de pós-graduação em educação no Catálogo da CAPES, o que denota sua relevância na pesquisa científica. Porém, não houve tempo de novas publicações trazendo a análise crítica do ensino remoto no contexto da pandemia.
Há outras teorias válidas para serem amplamente debatidas, como o modelo teórico da Comunidade Investigativa (CoI) em suas três dimensões (presença de ensino, presença social e presença cognitiva), que remete à subjetividade do termo “educação presencial”.
A Academia e os sistemas de ensino podem aproveitar esse momento para avançar na fundamentação teórica e no planejamento educacional das atividades remotas com a realização de novas pesquisas, além de investimentos na infraestrutura técnica e na formação de competências digitais dos professores. Isto não deve ser tratado como uma política de redução de danos pós-pandemia, mas como uma agenda de inovação educacional.
Ao refazer esse caminho, este artigo pode servir para instigar a construção de um debate público visando a melhoria no processo educacional pós-crise. Seja por meio do ensino remoto ou do ensino híbrido, o importante é pensar além dos limites atuais das nomenclaturas, da legislação educacional e dos modelos teóricos. No futuro, talvez a educação possa ser chamada apenas de educação.
Sobre o autor:
José Augusto de Melo Neto é Doutor em Educação, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com especialização em gestão de projetos e tecnologia educacional. Atualmente é Diretor-Presidente do Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (CETAM).