Neste texto da ABED, Sara Luíze Oliveira Duarte, professora, gestora, formada em processamento de Dados, com mestrado em Desenvolvimento Regional com foco para EaD, traz uma reflexão sobre capacitação docente. Sara atua na educação superior há mais de 13 anos, seja no presencial, EaD e Pós-Graduação.
Aqui estou na região norte do país, num dia chuvoso, nas primeiras horas da manhã e pensando como uma pandemia, causada pela COVID-19, fez mudar por completo o ser professor dentro do contexto educacional. Quantas capacitações, reuniões e lives foram necessárias para nos preparar para a próxima “aula”? Pensando neste cenário, entre tantos assuntos bacanas para compartilhar com vocês, resolvo abordar um tema que faz todo sentido no momento que vivenciamos: o da capacitação e atuação docente.
Completamos um ano de situação atípica e extremamente desafiadora para todos nós, no qual foram trilhados percursos cheios de incertezas e “achismos”. O fato é que em tão pouco tempo muita coisa mudou drasticamente, as organizações, a sociedade, as relações pessoais e profissionais. E claro, a rotina de cada um, o que me faz remeter a uma música cuja composição é de Rafael Gustavo:
“Eu era feliz sem saber, êh! Êh! Isso me revolta, tudo que eu fiz, foi sem querer, êh! Êh! Será que tem volta”.
E a educação? É notório que essa é uma das áreas mais afetadas. Não imaginávamos ver nossos filhos há mais de um ano trancados em casa, vendo o professor (quando possível) apenas por uma tela de computador/celular.
As mudanças vieram pra ficar
A partir da minha experiência como gestora e educadora, pude inferir que muito de nossa educação foi afetada e muita coisa mudou. Mudanças essas que vieram para ficar, mesmo quando o “normal” voltar, se voltar.
Após essa pequena contextualização, venho compartilhar com você uma temática que muito me encanta, que é a capacitação e atuação docente, foco desse artigo.
Mas antes, convido você a realizar a leitura de um outro artigo, bem apropriado também: “Encontros pedagógicos: Expectativa x Realidade – EaD em Pauta”. No artigo sobre encontros pedagógicos, as palavras de ordem são basicamente sobre aprendizagem significativa: “tem que fazer sentido para quem aprende”, “o conteúdo precisa estar conectado com a prática”, entre outros.
Essa foi uma das principais premissas adotadas quando tive a oportunidade de implantar (planejar, formatar e executar) um projeto de educação a distância em um grande centro universitário na cidade de Porto Velho – RO. Em resumo, coloquei em prática tudo aquilo que ouvia e acreditava sobre capacitação e atuação docente ao longo de anos de encontros pedagógicos.
Só para constar, graças à expertise adquirida, conseguimos levantar, em menos de três meses, uma operação completa de EaD, e posso afirmar que o alicerce do sucesso desse projeto foram as capacitações realizadas para os professores, cuja maioria nunca havia dado uma única aula EaD ou usado algum tipo de mediação tecnológica no seu processo de ensino-aprendizagem.
E quais capacitações foram essas?
Primeiramente, foi detectado que seria necessário deixar o professor à vontade a frente de uma câmera, e para isso trouxemos profissionais do jornalismo renomados na cidade, com o objetivo de mostrar e treinar nosso corpo docente em Técnicas de Telejornalismo Aplicadas a Teleaulas EaD, sim, esse foi o nome de nossa primeira capacitação.
Após essa capacitação, as “temidas câmeras” já não eram tão temidas assim, uma vez que a nossa primeira capacitação ajudou muito no desenvolvimento de técnicas de atuação com dicas preciosas de profissionais que já estavam há anos no mercado.
Mas não paramos por aí! Mesmo com uma equipe de professores de alto padrão e performance, os famosos professores “show”, fui percebendo que a desenvoltura apresentada ainda não estava compatível com o que eles já entregavam em suas aulas presenciais e, por isso, ainda era necessário dar mais um pouquinho de “sabor pedagógico” a essa receita de atuação docente frente a uma câmera.
Uma nota de memória nesse momento: como é importante observar e interpretar os sinais emitidos pelos professores em suas falas e apresentações de teste.
Nessa época, alguns grandes players do mercado educacional EaD estavam trazendo “professores atores” que seguiam apenas um roteiro de aula, mas para mim isso não era o suficiente para nosso modelo pedagógico. Eu acreditava que poderíamos entregar ainda mais em nessas aulas, crença essa que foi construída a partir do convívio com professores experientes e do que eles eram capazes aliados a muita leitura, estudos e, claro, anos e anos de encontros pedagógicos.
Em resumo, professores robotizados ou atores de conteúdo não era o ideal, e o “tempero” necessário para conseguir estava bem a nossa frente, a empatia. Trabalhar a empatia como ponto de transformação era o que teríamos que buscar para nossas aulas, tornando-a a principal habilidade em nosso ofício docente, sendo parte de nosso DNA. Precisávamos trabalhar essa habilidade nas próximas capacitações.
Para melhor entender a importância da empatia nesse cenário, recomendo muito o artigo da conectada Fernanda Furuno: “O valor da empatia na educação digital – durante e depois da quarentena”. Neste artigo há um trecho que menciono a seguir:
Quantas habilidades teremos que desenvolver para dar conta das nossas demandas em tempo de crise (ou pandemia) e também para olhar para um cenário futuro mais complexo, conectado, tecnológico e globalista? É perceptível que ainda não estamos 100% preparados para lidar com a “virtualização da presencialidade” (Sara Duarte, 2020).
Em meio a esse tsunami de informações e acontecimentos, no qual é preciso atender a tantas demandas, como reuniões, planejamento, roteiro, preparação de aulas e tantas outras obrigações acadêmicas, a empatia também teria que ser exercitada pela gestão e coordenação, uma vez que não está sendo fácil ser professor ultimamente. Por conta dessas dificuldades, tivemos algumas desistências por parte dos professores, o que é relativamente normal e perfeitamente compreensível dentro do contexto “novos projetos, novos desafios”.
Sendo assim, de apenas uma capacitação docente, passamos a ter um programa de desenvolvimento EaD, cujo objetivo era capacitar todos os colaboradores envolvidos, dos professores titulares aos tutores a distância, monitores presenciais, equipe administrativa e gestão institucional. Na especificidade docente, o curso foi dividido em três módulos, totalizando 60h de certificação.
- Formação docente em apresentação em videoaulas e produção audiovisual na EAD.
- Atribuições e perfil docente.
- Ambientação ao EaD.
Para aplicar o “tempero empatia” a nossa “receita pedagógica”, já no módulo 1 trouxemos uma proposta muito mais humanizada, focada no docente e na importância de seu papel em todo o processo. Para esse módulo, contratamos uma profissional renomada no Brasil, que é a Patrícia Rodrigues, profissional com muitos anos de atuação em direção de TV, teleaulas e EaD, e mesclamos com as diretrizes no Núcleo de Educação a Distância da IES.
Na prática, passávamos de 8h a 11h diárias gravando, e cada professor era recebido com muita alegria e entusiasmo pela equipe gestora. Enquanto a Patrícia Rodrigues capacitava o docente para estar em frente às câmeras, eu vinha com o apoio emocional, com a tranquilidade que o momento exigia, com o espaço para o “cafezinho”, “ouvir” e “acolher”. Cuidamos dos professores com o mesmo zelo que cuidamos de nós mesmos e da equipe interna e, como professora, posso garantir que isso fez toda a diferença.
Enquanto gestora do NEaD, e por já ter vivido outros processos de implantação de EaD, percebi que me tornei um ponto de apoio ao professor, e fiquei muito grata e lisonjeada pela referência.
Trabalhar com EaD desde 2013, participar de inúmeras transmissões ao vivo, gravações e diversos outros tipos de abordagens metodológicas para o EaD me permitiu transpassar por mais esse desafio.
Tenho memórias de que, em muitos momentos, alguns professores gravaram 1, 2 e 3 vezes. Outros tentavam e não conseguiam no dia previsto, às vezes o medo daquilo que era novo tomava conta, mas com paciência, encorajamento, tranquilidade e diálogo tentávamos quantas vezes fossem necessárias para o professor reverter o medo do novo e dar um show no estúdio a ponto de contagiar todos que estavam nos bastidores.
O desenvolvimento do professor era algo inexplicável. Naquele momento, todos que estavam presentes sentiam a mágica acontecer e vibrávamos, pois sabíamos que, de alguma forma, os que estavam naquele estúdio eram peças fundamentais. A sensação era de que todos éramos professores do professor, e cada um contribuía com alguma coisa.
Quando a mágica acontece tudo se transforma. Aquele ambiente de estúdio, mesmo sendo super frio, estava extremamente caloroso na humanização com os pares, e o feedback dos professores naturalmente apareceram: “obrigado por não desistir de mim”, “a sua tranquilidade acabou com minha ansiedade”, “eu só consegui graças a essa equipe”, entre outros.
Ao final de uma gravação, vejo uma professora chorando e pergunto: “por que o choro?”. Ela me responde: “de satisfação, de emoção, de superação, de fazer parte do projeto”, palavras da Prof. Dra. Carolina Bioni Garcia Teles
Por mais experiência que tivesse, não esperava tamanho feedback, e foi uma emoção imensurável ver a mágica acontecendo e a transformação sendo realizada na minha frente. Aqueles corações repletos de gratidão, abraços acolhedores, gestos carinhosos e ambiente caloroso estarão na minha memória para sempre.
Após o programa acabar
Um detalhe: após esse programa de desenvolvimento EaD, alguns professores fizeram do seu próprio lar um mini estúdio, como foi o caso do prof. Vilmar Santos, entendendo muito além dos conteúdos do plano de aula, imergindo nas tecnologias e equipamentos tecnológicos disponíveis e uma série de outras possibilidades e oportunidades que aquele programa permitiu, lançaram cursos próprios e até canais de YouTube. Os anos se passaram e percebo que o programa fez muito significado para todos que ali atuaram.
E hoje, como esses professores estão atuando nesse nosso novo normal? É lógico que eles estão dando um show no ensino remoto emergencial, trazendo na bagagem profissional aquelas teorias e técnicas de atuação e entonação em frente às câmeras, além da sensibilidade que o atual momento exige de nós.
Mas essa passagem de conhecimento e expertise da capacitação EaD para o ensino remoto emergencial vai ficar para um outro artigo. E, para fechar, dentre vários relatos de professores que participaram daquele momento que estão publicados em suas redes sociais ou foram enviados por e-mail, escolhi o da prof. Professora Ma. Doriane Araújo Chaves, para compartilhar com vocês:
“Mais de 2 meses se passaram desde q me lancei e me abri para uma nova forma de ensino-aprendizagem: a da Educação a Distância, a famosa EaD.
Não é tarefa fácil. Os planos são invertidos, a metodologia é específica, mas, ao mm tempo, está sempre aberta a mudanças… Afora o fato de ministrar aulas para pessoas que você, talvez, nunca vá ver/conhecer.
Essa é uma das facetas da educação atual online e superexigente, diferente do que muitos afirmam. Claro, cm todo “processo” sujeito a falhas, mas tb aberto a revisões.
Pois é! Eu morria de medo da câmera, agora nossa relação melhorou em grauss rss.
Mas o que quero mesmo acentuar nessa exposição é o quanto é acertado aceitar desafios, imergir e neles permanecer para depois começar a visualizar os aprendizados. Pois, o q é a vida sem dificuldades e desafios? (Claro, o acento aqui é no existencial e não no material).
Falando em existencial, hoje as aulas abordaram Sartre e Heidegger, então como não dar uma ‘paradinha’ no todo que se concretiza e abrir espaço pra uma reflexão filos-existencial?
Esses pensadores nos legaram o que de melhor pode oferecer a filosofia. Nos convidam a criticar e refletir profundamente questões que se relacionam conosco mms, em nossas vidas cotidianas, mas também em plano transcendental-existencial. Nos acordam pra realidade que viver é, necessariamente, Ter coragem de Ser, de se assumir, assumindo responsabilidades.
Ninguém nasce sabendo, mas só aprende (e apreende) quem se abre e de algum modo, se entrega ao fazer.
Essa é minha relação com a EaD hoje, passados mais de 2 meses. O medo ficou pra trás. O aprendizado é dinâmico e vivo. Estamos caminhando!
E, se precisamos ter coragem para nos realizarmos em nossa liberdade de Ser, arrisco em complementar c outra frase que me apraz: “o que a vida quer da gente é coragem”