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ANAIS DO ENCONTRO
TRABALHOS APRESENTADOS

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Educação à Distância, Interatividade e o Locus do Professor

Andréa LAGO andreal@ufba.br
é pedagoga, mestranda em ciências da informação (UFBA) e
professora de informática do Colégio Social.

Cristiane NOVA crisnova@libido.pro.br
é mestre em educação (UFBA), doutoranda em cinema (Paris III) e
professora da UNEB e da FTC.

Lynn ALVES lynn@libido.pro.br
é mestre e doutoranda em educação (UFBA)
e professora da UEFS.

 


Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho que vejo
E não do tamanho de minha altura ...
Fernando Pessoa

 

Educação à Distância, Interatividade e o Locus do Professor

 

Escrever um texto (ou dar texto à escrita?) é sempre um pretexto para sistematizar idéias, ressignificar e construir conceitos, consolidar idéias e práticas.

É uma prática ao mesmo tempo prazerosa e dolorosa, entre os gozos e os medos que se encontram presentes na produção do conhecimento e da arte.

Quase sempre um ato solitário, envergonhado... Que só se exterioriza quando todo arrumado. Parecendo ter vergonha de seu próprio processo de construção. Dos percalços e empréstimos intelectuais vividos da primeira página em branco à formatação final.

Quando “finalizado”, apresenta-se à comunidade como algo pronto, sem fissuras.
E os rascunhos, broullions, como chamam os franceses, são amassados e jogados fora, ou simplesmente deletados.

E ao lixo se vai uma das partes mais interessantes e ricas do ato criativo: sua própria criação.

Hoje, o desenvolvimento da tecnologia digital e as transformações nas abordagens teóricas já nos permitem conceber um texto como um discurso em aberto, coletivo e menos linear. Temos então a possibilidade intelectual de mostrá-lo em construção, de visualizar, de forma mais transparente, o nosso pensamento reversível, isto é, esse vai e vem do processo produtivo, sem, no entanto, perder o eixo condutor de nossas idéias.

Essa é, para Arlindo Machado (1997), uma das grandes contribuições que as tecnologias digitais trazem para os universos do conhecimento e das artes. Recuperar o caminho do labirinto da construção do saber ...

Essa é a experiência que tentaremos desenvolver aqui, nesse breve artigo. Um texto escrito a três teclados, em rede. Um texto que busca não apenas demonstrar os resultados, mas também sua criação. Um texto mutante e desnudado.

Andréa entra no texto – E aí meninas, vamos fazer um artigo juntas?
Cris entra na texto – Topo. Sobre Interatividade?
Lynn entra na texto – Pode ser. Acho que Interatividade e EAD poderia ser uma boa. O que acham?
Andrea – Massa. Interatividade ... Somos inerentemente interativos e conectados. Inicialmente pelo cordão umbilical; hoje, pelo cordão digital. Devaneios permitidos pelo pensar sobre as tecnologias. Lembro do exemplo citado por Edvaldo Couto, do parque em Poitier, onde chuviscava cheirinho de pêssego enquanto se via a imagem numa enorme tela.
Cris – Poderíamos pensar em um formato diferente!
Lynn – É algo que rompesse com a linearidade da escrita convencional.

Andréa –Legal essa coisa de ler em movimento (ler-escrever-pensar) ... me lembrei de um texto que falava da máquina de leitura, criada em 1588: “muito útil e eficiente para aqueles que queriam ler uma grande quantidade de texto sem sair do lugar. Na verdade, tratava-se de uma máquina que possibilitava a realização da leitura extensiva em uma velocidade espantosa ... No fundo, esta máquina poderia ser colocada na origem dos modernos dispositivos eletrônicos que possibilitam a navegação hipertextual” (Parente: 1999:91)
Lynn – Interessante. Ratifica mais uma vez a existência dos elementos tecnológicos desde do início da humanidade. Então, acho que a necessidade de romper com a linearidade é realmente algo inerente ao homem. E aí retomo a questão discutida por alguns teóricos, a exemplo de Lèvy, de que o nosso pensamento é hipertextual. Lembrei também de Kerchove, ao afirmar que o primeiro software criado pelo homem foi o alfabeto.
Tudo parece tão simples, mas ainda existe resistência à palavra tecnologia, principalmente no cenário pedagógico.
Cris – E por mais que se discuta, de fato ainda persistem muitas resistências por parte dos professores. Em parte, isso se deve a um choque de culturas de profissionais totalmente estruturados dentro de uma lógica do saber linear e estático. Talvez essa questão seja um problema muito contextual, que vá desaparecer nas próximas gerações.
Lynn – Fico tão preocupada com a dificuldade que os professores tem de fazer a transposição das discussões teóricas para a prática. Não basta ler e discutir sobre EAD. Temos que imergir neste universo.
Andréa – Acho que realmente temos que trabalhar mais sobre o papel do professor. Vou pensar um pouco mais sobre isso ... e contribuir nesse espaço. Achei interessante o exemplo dado nos depoimentos do encontro on line que participei (Seminário Virtual Educação Online: a Perspectiva do Aluno). Refletem bem essa dificuldade.
Cris – Acho que já que essa questão é tão emergente no nosso discurso, poderíamos tratar também do papel do professor no artigo.
Lynn – Já comecei a escrever algumas idéias na minha cabeça.

 

A discussão atual em torno das questões ligadas à Educação à Distância (EAD) exige por parte dos educadores a necessidade de repensar o conceito desta modalidade de ensino, evitando, assim, repetir certas fragilidades e contradições de experiências realizadas no passado.

Literalmente, o conceito de EAD remeteria a qualquer modalidade de transmissão e/ou construção do conhecimento sem a presença simultânea dos agentes envolvidos. Nessa perspectiva, a difusão da escrita teria sido uma das principais (e até hoje mais eficazes) tecnologias aplicáveis à EAD. Com a institucionalização dos sistemas formais de ensino — que exigiam dos aprendentes a presença obrigatória, com tempo pré-definido, nos estabelecimentos credenciados, para a obtenção de certificados de comprovação da aprendizagem, e que tinham na escrita uma de suas principais tecnologias de comunicação do conhecimento —, o conceito derivou para uma forma mais complexa. O Ensino à Distância se referiria agora apenas às modalidades de ensino cuja aprendizagem não mais estivesse atrelada à presença física dos alunos nas chamadas escolas, atendendo à necessidade de uma parcela da população que, por motivos diferentes, não tinha possibilidades de freqüentar esses estabelecimentos. Foram criados então sistemas de ensino à distância, utilizando-se veículos de comunicação diversos, a exemplo do correio, do rádio e mais recentemente da televisão.

Um dos grandes problemas desses cursos relacionava-se à quase que completa falta de interatividade do processo de aprendizagem, devido à dificuldade dos alunos de trocarem experiências e dúvidas com professores e colegas, o que desestimulava e empobrecia todo o processo educacional. Nesse sentido, a ênfase da aprendizagem centrava-se no autodidatismo. Essas dificuldades, aliadas a outras de teor sócio-econômico e político-cultural, acabavam por limitar o sucesso desses empreendimentos, que, apesar disto, continuaram a existir.

Com a difusão das tecnologias de comunicação em rede, esse cenário começou a se modificar, visto que as possibilidades de acesso a informações e conhecimentos sistematizados, assim como a interação entre diferentes sujeitos educacionais, ampliaram-se significativamente. Isso é potencializado pelo fato de que a chamada revolução digital tem transformado e ressignificado boa parte dos sistemas de organização social, incluindo as formas de ser, estar, sentir e se comunicar do homem urbano no mundo contemporâneo, o que traz profundas conseqüências para o domínio do conhecimento.

Todo esse processo torna necessário que ampliemos o próprio conceito de EAD, que deve passar a ser refletida no interior das discussões mais amplas da educação, e não apenas como um setor especializado da mesma.

Nesse sentido, compreendemos a Educação à Distância como um novo espaço de ensino-aprendizagem, possibilitado pela mediação dos suportes tecnológicos digitais e de rede, esteja esta inserida em sistemas de ensino presenciais, mistos ou completamente à distância. Isso obviamente amplia a complexidade e as variáveis envolvidas na discussão e, por sua vez, obriga-nos a fragmentar as reflexões em questões mais específicas.

Por outro lado, essa abordagem da EAD diferencia-se também da apresentada no Decreto 2494 de 10/02/1998 (da legislação educacional brasileira) que compreende esta possibilidade pedagógica como "uma forma de ensino que possibilita a auto-aprendizagem, com a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados, apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou combinados, e veiculados pelos diversos meios de comunicação", visto que a EAD não é mais concebida a partir da ênfase no autodidatismo, mas sim na construção coletiva do conhecimento, mediada pelas tecnologias de rede.

Todavia, a observação e análise de algumas experiências de Educação á Distância atuais ainda sinalizam, mesmo que de forma velada, uma concepção de aprendizagem sknineriana, baseada na modelagem de comportamentos adquiridos mediante uma relação com o objeto do conhecimento a partir de estímulos e respostas. Dentro desta abordagem, o sujeito estaria sendo visto como passivo na relação de ensinar e aprender.

Esse modelo praticamente não deixa espaço para o estabelecimento da interação nos processos comunicativos que se realizam entre os sujeitos do conhecimento, que, quando muito, acaba se manifestando num grau muito reduzido. Pierre Lèvy denomina essa variação de interatividade como Um-Todos (LÈVY, 1994), caracterizando-a pela existência de um centro pensante — representado neste momento pelo professor — que difunde as idéias e informações que devem ser assimiladas pelos alunos de forma fidedigna, numa situação em que não existe espaço para a criação e a subjetividade dos sujeitos envolvidos.

Essa concepção de educação e de comunicação não consegue atender a complexidade do processo de construção do conhecimento e, por conseguinte, inibe o potencial cognitivo e afetivo dos sujeitos aprendentes que, por natureza, são seres interativos, como já afirmava, há mais de 50 anos, o teórico Vygotsky (1994) e algumas abordagens mais recentes das teorias comunicacionais (MACHADO, 1997). A interatividade era então entendida como possibilidade de troca ativa de informações e de construção processual e social do conhecimento. O sujeito interativo de Vygotsky transforma o objeto do conhecimento e é transformado por ele numa relação de total imbricamento. Logo, o sujeito é concomitantemente ator e autor dos processos de construção de conhecimento, num fenômeno que se estabelece a partir de dimensões ao mesmo tempo objetivas e subjetivas.

Hoje, frente ao intenso desenvolvimento das tecnologias digitais e das redes telemáticas de comunicação, muitas discussões vêm sendo realizadas no sentido de tornar a Educação à Distância uma modalidade de comunicação mais interativa. As possibilidades de ampliação da interatividade permitidas por essas redes de comunicação e informação tornaram-se o núcleo mais importante e avançado das discussões em torno da EAD.

Com as novas mídias digitais, defrontamo-nos com novas modalidades de interatividade, oferecidas principalmente pelas tecnologias do tipo síncrono que disponibilizam, em tempo real, o acesso a conteúdos e formas comunicacionais vivas, que podem ser modificadas e transformadas permanentemente. Os Chats, RPGs, Muds, sistemas de mensagens instantâneas, videoconferências e ambientes de produção colaborativa se constituem, desse modo, em espaços abertos para interações virtuais, nos quais os sujeitos intercambiam diferentes saberes que podem oscilar do conhecimento espontâneo ao conhecimento científico. Para Alava (2002), essas diferentes possibilidades de intervenção (consulta de dados, simulação, videogame, realidade virtual, etc.) no dispositivo tecnológico e/ou no ambiente informático se constituem na forma mais comum e ampliada de interatividade, no contexto atual.

Quando conectamos a rede, transmutamo-nos em multitarefas, numa cadeia de multiusuários onde lemos / escrevemos / pensamos e, a cada clique, em timer’s indeterminados, passamos a significar toda a trajetória ou a ressignificar o que já era conhecido.

O fato deste movimento poder ser expresso e modificado ao tempo em que se move, potencializa extremamente o grau de interação entre os participantes deste (do) evento.

Estas possibilidades de trocas se efetivam devido ao

desenvolvimento das tecnologias numéricas (da Realidade Virtual na Web, passando pelo CD-ROM) [que] autoriza[m] agora formas de participação mais elaboradas e mais ampliadas. O computador permite, efetivamente, ao público interagir instantaneamente com as imagens, com os textos e com os sons que lhe são propostos. É permitido a cada um, e conforme o caso, de uma forma mais ou menos profunda, associar-se diretamente, não somente à produção da obra, mas também à sua difusão.
(COUCHOT, 1997:137)

Portanto, desloca-se a ênfase do aspecto quantitativo — número de pessoas interagindo — para o qualitativo — variedade, riqueza e natureza das interações. (MACHADO, 1997) A interatividade passa então a levar em consideração a possibilidade de imersão, navegação, exploração e conversação presentes nos suportes de comunicação em rede, privilegiando um visual enriquecido e “recorporalizado”, em contraponto com um visual retiniano (linear e seqüencial), que recompõe uma outra perspectiva do sensível (COUCHOT, 1997), instaurando, assim, uma lógica que rompe com a linearidade, com a hierarquia, para dar lugar a uma lógica heterárquica, rizomática, hipertextual.

Teríamos a possibilidade de alcançar aquilo que Pierre Lèvy chamou de terceiro nível de interatividade, não mais de tipo Um - Todos, nem Um - Um, mas do tipo Todos - Todos, em que os sujeitos podem trocar, negociar e intercambiar diferentes saberes ao mesmo tempo.

Logo, a interatividade passa ser compreendida como a possibilidade do usuário participar ativamente da construção do conhecimento, interferindo no processo com ações, reações, intervindo, tornando-se receptor e emissor de mensagens que ganham plasticidade e dinamicidade (LÉVY, 1994), criando novos caminhos, novas trilhas, novas cartografias, valendo-se do desejo do sujeito. Acrescenta-se, portando, a capacidade desses novos sistemas de “acolher as necessidades do usuário e satisfazê-lo” (BATTETINI, 1997:69).

No entanto, como já apontado acima, os resultados desses investimentos no domínio da EAD ainda se mostram pouco relevantes. A maior parte dos ambientes de Educação à Distância explora pouco as possibilidades de interatividade das tecnologias digitais. A ênfase é dada na disponibilização de informações e textos prontos. As avaliações não são formatadas num modelo diferenciado, como que transpondo para a rede o ambiente de sala de aula tradicional. A comunicação entre alunos e professores é feita apenas através de e-mails e chats. Mas estes, mesmo quando usados com freqüência, mantêm a hierarquia e rigidez da comunicação Um-Todos ou Um-Um. (LÈVY, 1994)

É preciso, portanto, ressiginificar essa prática. Os programas que envolvem formação e qualificação de profissionais através da EAD exigem, hoje, uma nova lógica que rompe com a base estímulo-resposta que marcou a concepção de aprendizagem de Skinner (1986). O modelo de tecnologia educacional baseado na instrução programada criado por este teórico não potencializa o nível de interatividade oferecido nas mídias síncronas e exigido pelos usuários que navegam diariamente no ciberespaço. Os espaços de aprendizagem criados em redes digitais de comunicação devem evitar repetir este modelo e buscar atender a dinamicidade dos sujeitos envolvidos no processo de ensinar e aprender, permitindo a construção coletiva que emerge da diferença que estrutura os sujeitos desejantes.

Isso mostra, como afirma Moraes, que “não é automático o vínculo entre EAD, interatividade e potencialidades”. (MORAES, 2002)

Essa constatação, que é comum a certos educadores e comunicólogos que estão refletindo sobre a EAD, nos faz defender que para se realizar experiências de ensino à distância que aproveitem as possibilidades trazidas pelas redes digitais — com maior interatividade, atingindo amplamente a maior parte de nossos sentidos, sendo tão dialógicas, tão intensas, a ponto de permitir uma efetiva troca entre pares —, é preciso muito mais que o suporte, a estrutura, a conexão, a preparação dos professores. É necessária uma articulação de todos esses elementos. Pois, se acreditamos que o foco é a interatividade, devemos estar preparados (ou talvez estar “abertos”) para as novas experiências.

Mas, no geral, não é isso que se tem constatado. Verifica-se que em relação tanto às metodologias, aos processos de avaliação, às perspectivas da aprendizagem, ou ainda em pontos mais específicos como a legislação, as propostas pedagógicas mostram-se muito confusas. Não possuímos um referencial, um paradigma hegemônico. Se isso é negativo, dado que leva a muitas transposições dos modelos tradicionais presenciais, por outro lado, é extremamente positivo, visto que deixa um imenso espaço para a criação e as inovações, que podem abrir perspectivas impensáveis pelos modelos educacionais baseados nas escolas presenciais. Algo que não se faz, na perspectiva de Deleuze, sem que seja como fruto de uma violência, de um pathos. Trata-se de pensar o antes impensável, de dizer o antes indizível, de imaginar o antes imaginável, de sentir o antes insentível, de tornar o Impossível uma face dos possíveis, e portanto, domínio do Virtual. (PELBART, 1998)

Trata-se portanto de tentar ir além do que já está dado pelas experiências de EAD que vem sendo realizadas. Trata-se de pensar a EAD muito mais do que como uma modalidade de ensino. Vemos a EAD como uma rede de construção do conhecimentos, de produção da arte, de democratização e disseminação da informação. Trata-se, portanto, de importante espaço simbólico de criação, aprendizagem e interação.

Mas, apesar das limitações apontadas, constata-se um crescimento muito grande no oferecimento de cursos à distância utilizando uma rede como a Internet. É preciso que esse crescimento incorpore as novas perspectivas a serem criadas nesse espaço e não apenas atue como mais um novo chamariz financeiro e/ou político educacional, impondo uma lógica mercadológica e excludente à educação.

Litwin afirma que as novas tecnologias podem: 1. limitar; 2. caracterizar; 3. potencializar.

Cabe a nós, sujeitos e gestores da educação, repensarmos os objetivos e métodos da educação e definirmos a perspectiva que daremos à relação Homem / Máquina / Conhecimento nas futuras experiências de Educação à Distância. Cabe a nós também repensarmos os nossos próprios papéis. Isso obrigatoriamente nos leva a reflexões sobre os nossos papéis, enquanto professores, em espaços de construção do conhecimento em rede.

Mas quase todas as discussões que abordam as funções do professor no EAD acabam caindo num mesmo questionamento: as máquinas substituirão o professor?

Embora saibamos que se trata de um receio real de boa parcela dos professores, acreditamos que essa não é a perspectiva mais interessante de se abordar a problemática.

De fato, para um professor repassador de informações prontas e acabadas, o computador pode representar um grande risco. No entanto, o que estamos tentando refletir é a possibilidade de inserção de um outro tipo de profissional, cuja função precisamos ressignificar ou até mesmo recriar.

Como bem aponta Lèvy

É preciso superar-se a postura ainda existente do professor transmissor de conhecimentos. Passando, sim, a ser aquele que imprime a direção que leva à apropriação do conhecimento que se dá na interação. Interação entre aluno/professor e aluno/aluno, valorizando-se o trabalho de parceria cognitiva; ... elaborando-se situações pedagógicas onde as diversas linguagens estejam presentes. As linguagens são, na verdade, o instrumento fundamental de mediação, as ferramentas reguladoras da própria atividade e do pensamento dos sujeitos envolvidos. ... [é preciso] buscar o desenvolvimento de um espírito pesquisador e criativo entre os docentes, para que não sejam reprodutores, incapazes de refletir e modificar sua prática profissional. ... este processo criativo é sempre coletivo, na medida que a memória e a experiência humana são patrimônio social. (1998:100)

E assim, o papel do professor como repassador de informações deixaria de existir e daria lugar a um agente organizador, dinamizador e orientador da construção do conhecimento por parte do aluno e de sua própria auto-aprendizagem contínua. Seu papel não seria descartado, como temem muitos. Sua importância, em vez de ser minimizada, seria potencializada e sua responsabilidade social aumentada. "Seu lugar de saber seria o do saber humano e não o do saber informações" (BABIN, KOULOUMDJIAN, 1988), sendo a comunicação mais importante do que a informação. Sua função não mais seria a de passar conteúdos dos quais "só ele possuiria", mas a de orientar o processo de construção do conhecimento pelo aluno, apontando-lhe a necessidade de uma atitude crítica e ativa em relação ao mundo de informações a que é submetido diariamente. Caberia ao professor fazer o aluno compreender que, com as informações recebidas, ele pode construir conhecimento e fazer ciência e/ou arte, mostrando-lhe alguns possíveis caminhos para isso, possibilitando-o a recombinação e ressignificação contínua de saberes, fantasias, desejos e lembranças, numa prática pedagógica que viabilizaria a concretização daquilo que a comunidade necessita e deseja.

As formas e objetivos práticos que adquiririam esses sujeitos teriam que ser pensados a partir das situações e necessidades concretas, assim como as tão desejadas metodologias, dado que com a velocidade das transformações atuais, não há espaço para receitas ou regras rígidas.

Isso obviamente contradiz a atual tendência de caracterização dos professores de EAD ou como reproduções do docente tradicional ou como mero tutores, auxiliares de um processo de aprendizagem sem qualquer identidade ou função específica. Tutor, designado como indivíduo legalmente encarregado de tutelar alguém; protetor, defensor; aluno designado como professor de outros alunos, em formas alternativas de ensino. Será que a ação do professor que atua à distância limita-se a apenas tutelar alguém? Será que o papel desempenhado atualmente pelo tutor atende a emergência desses novos locus de aprendizagem?

A experiência tem nos mostrado que os sujeitos que atuam como ensinantes na EAD reproduzem as suas práticas como se estivem em uma sala de aula convencional, esquecendo das peculiaridades destes ambientes. Muitos sequer utilizam com freqüência dispositivos como os chats, que poderiam gerar, no cenário de hoje, uma maior interatividade.

O interessante é que os alunos tendem também a se sentirem inibidos com a riqueza oferecida pelas tecnologias de rede e adotam posturas pouco interativas, visto que determinados modelos de conduta já se encontram cristalizados. Em uma pesquisa realizada por Cerny e Erny (2001), com alunos e professores, do curso de especialização à distância em Marketing, desenvolvido pelo Laboratório de Ensino à distância da UFSC, que utilizou a Internet como mídia principal, os pesquisadores constataram, no que se refere às atividades de avaliação preferidas e as que contribuem para aprendizagem, que os alunos demonstraram que sua preferência é por atividades individuais. A atividade mais rejeitada pelos alunos foi o Chat, considerada improdutiva da forma como foi organizada. Os professores preferem as atividades de fixação (planejadas para auxiliar o aluno no processo de aprendizagem dos conteúdos propostos em cada disciplina, com ênfase na relação teoria/prática).
Cabe, nesse particular, uma pergunta: quais as dificuldades que o "tutor" encontra para atender a demanda dos alunos nos chats e nos fóruns? E como agiriam num ambiente com maiores possibilidades interativas?

Em 2000, o MEC/Proinfo, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, realizou um Curso à Distância de Formação Continuada de Multiplicadores e de Novos Multiplicadores, para os professores que atuavam nos Núcleos de Tecnologia Educacional (NTE) e docentes que atuavam nas escolas que foram beneficiadas com os laboratórios de informática. Foram inscritos, pelo NTE da Secretaria Municipal de Educação de Salvador, seis docentes, sendo três na categoria multiplicador e três na categoria professores parceiros. Porém, apenas dois concluíram o curso. Os motivos que levaram estes sujeitos a desistirem desta experiência foi a falta de interatividade e acompanhamento pelo tutor nos fóruns e chats.

Numa outra experiência, analisando as mensagens de um encontro realizado totalmente à distância, no período de 08 a 15 de março de 2002, pudemos constatar que o nível de interesse e envolvimento dos alunos relacionava-se diretamente com o desempenho e capacidade comunicativa do professor. As críticas sempre se voltavam para a omissão, falta de participação, lentidão em responder às dúvidas e comentários; enfim, ao baixo nível de interação destes com os alunos.

Isso nos leva a hipotetisar que, para além dos problemas de resistências culturais, um dos fatores principais que levam os alunos à distância a desistirem do processo é o fato deles não terem suas necessidades comunicacionais atendidas, o que acaba gerando uma nova categoria de evasão, os evadidos on-line, ratificando mais uma vez a necessidade emergencial de se refletir sobre a interatividade e a relação professor/aluno, nos novos ambientes de aprendizagem, uma relação que sempre será transferencial, da ordem do desejo, visto que muitas vezes o desejo de saber do aluno se aferra a um elemento particular, (KUPFER,1989:91) que pode ser assumida pela figura do professor. Nesta relação, emergem conteúdos inconscientes e imagos infantis que mobilizam o desejo de ensinar e aprender, seja em nível presencial ou à distância.

Portanto, não basta digitalizar uma apostila e esperar que os alunos “aprendam” os “conteúdos” disponibilizados nesta. É necessário interagir, trocar, construir. E cabe ao professor efetivar a mediação desse processo, dessa interação, que deve estar presente em todo o espaço on-line ou off-line, e deve ser efetivada com o máximo de linguagens, discursos e vozes possíveis, em um processo de total hibridação, sem, todavia, que as singularidades sejam dissolvidas.

Acreditamos, portanto, que o professor tem possibilidades e condições (potencializadas pelas tecnologias) para construir uma prática pedagógica embasada em novos princípios, partindo de preposições mais abertas, tais como: o conhecimento não é construído de forma linear, mas rizomática; valorização e interação com a linguagem icônica e imagética que possibilita uma compreensão mais imediata e diferenciada da mensagem, a partir dos signos e do contexto nos quais está inserida, despertando nos atores/autores do processo a pulsão escópica, fundamental para despertar o desejo de saber (FREUD, 1976); abertura para diferentes caminhos na construção do conhecimento, tendo assim a possibilidade de acompanhar diferentes olhares e interagir, ao mesmo tempo, com várias janelas cognitivas; a não-preocupação com a duração da atenção dedicada às atividades, dado que o importante, para a geração aprendente de hoje, é a capacidade de realizar multitarefas, fazer simultaneamente diferentes coisas. (RUSHKOFF, 1999)

Cabe, assim, ao professor — moderador de problematizações e provocador em direção à construção coletiva do conhecimento — superar os seus medos (o medo da máquina, do devir, quando todos se tornam centro), para mediar e possibilitar o entendimento das mensagens/informações disparadas (lançadas) no coletivo pensante.

Dentro desta perspectiva, parafraseando Pessoa, nossa aldeia passa a ser tão grande como outra terra qualquer, porque seremos do tamanho do que vemos e não do tamanho que somos. Esta ampliação do nosso horizonte torna-se possível pela interatividade e interconectividade que permeiam as tecnologias digitais.

 

 


Desses cursos
No Brasil, podemos citar algumas experiências passadas de Ensino à Distância, tais como os oferecidos pelo Instituto Universal Brasileiro, MEB (1956), projeto Minerva (1970), Logos (1977), Telecurso 2o Grau (1978), Telecurso 2000 (1995) e TV Escola (1996). (PRETI, 1998)

 


Rede
Hoje, praticamente todos os cursos de Educação à Distância utilizam a Internet como espaço de armazenamento e forma de comunicação entre os alunos e professores

 


Legislação
A partir da abertura possibilitada pela nova Lei de Diretrizes e Bases brasileira (Lei . 9394), de 1996, várias experiências de EAD no âmbito universitário foram desenvolvidas. Como exemplo, podemos citar as atividades do Núcleo de Educação Aberta e a Distância (UFMG), a UniRede (Universidade Virtual Pública do Brasil), consórcio de 62 instituições de ensino superior, da Universidade Anhembi Morumbi, o Laboratório de Ensino à Distância da UFSC, o projeto Virtus (UFPE), a Universidade Virtual (Univir) e a Universidade Virtual Brasileira (UVB), dentre outras.

 

 

Assimilação
compreendida aqui como retenção de conteúdos e informações, significando, portanto, o contrário do que Jean Piaget (1983) denominou de assimilação.

Interatividade
Palavra muito em voga na mídia e no discurso dos pesquisadores das áreas de educação, comunicação, informação e tecnologia. Lèvy, em quase todas as suas obras, destaca a interatividade como uma das grandes possibilidades da comunicação digital. Segundo Couchot, “a obra interativa só tem existência e sentido na medida em que o espectador interage com ela”. Sem isso “a obra permanece uma potencialidade”.


Chats
O Chat é um exemplo de comunicação caótica e interativa: Diferente da discussão da sala de aula presencial, o Chat permite que os autores (entendendo de forma horizontal o processo educativo) falem, expressem-se de forma caótica, obedeçam a uma ordem interna, oculta, um desejo de cada indivíduo e de todos juntos que determina a melhor hora de emitir uma opinião, não precisando levantar o braço ou dar qualquer sinal de que, numa “seqüência”, pede-se a vez para poder falar. O poder da fala é o clicar.

RPGs
Roleplaying games: jogo de tabuleiro que surgiu na década de setenta nos Estados Unidos, no qual o participante vive uma história sem ter de obedecer a uma posição apenas passiva, sendo parte ator, parte roteirista de um texto que ainda não foi completamente escrito. As regras se constituem em um apoio que podem, ou não, ser utilizadas, não há ganhadores: todos se divertem e todos ganham. Este tipo de jogo vem sendo adaptado para a WEB.

Muds
Masmorras Multiusuárias: são jogos on line nos quais os participantes podem construir diferentes personagens, atuando no mundo virtual, exercendo o poder da palavra por meio do teclado.


Rizomática
Esta lógica caracteriza-se pela possibilidade de favorecer conexões em qualquer sentido, sem caráter hierárquico, onde “qualquer ponto pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo”, podendo inclusive ocorrer rompimento entre pontos, sem, no entanto, acarretar perdas ao sistema. Não existe ponto central no rizoma, um eixo a partir do qual emergiriam caminhos e pontos conectáveis. Apenas linhas, que apesar de guardarem uma organização, também suportam linhas de fuga, desterritorializações, multiplicidades.
(DELEUZE e GUATTARI, 1995).

Moraes

Raquel Moraes é professora FACED/UNB –
Trecho da apresentação realizada I ESUD – Petrópolis – Rio de Janeiro, 2002.
Maiores informações no site
http://www.sead.ufrj.br/esud/programação.htm
E-mail: raquel@unb.br
Certos educadores e comunicólogos
Dentre estes, podemos citar Beloni, Maia, Nunes, Depover, Haughey, etc.


Litwin
http://www.sead.ufrj.br/esud/material/
litwin.ppt

 


Aprendizagem contínua
Para Lévy, "os professores aprendem ao mesmo tempo que os estudantes e atualizam continuamente tanto seus saberes 'disciplinares' quanto suas competências pedagógicas". (LÉVY, 1999:200)

 

Tutor
DICIONÁRIO Aurélio - Século XXI, versão 3.0, dezembro de 1999, em cd-rom. São Paulo: Nova Fronteira.

 

 

 

 

 


Modelos de conduta
Isso não é um fato específico dos sujeitos dos cursos de EAD. Nos cursos presenciais, essa resistência dos alunos, inclusive das crianças, também é notada quando se busca introduzir alguma transformação na prática educativa. No nosso acompanhamento de estágios universitários, uma das queixas básicas dos alunos-docentes que tentam implementar propostas pedagógicas menos tradicionais é a resistência dos alunos que chegam a não considerar determinadas atividades como “curriculares”. Nas séries iniciais do ensino fundamental, por exemplo, onde se tornou prática rotineira o recurso das cópias, quando os estagiários tentavam introduzir atividades diferenciadas, escutavam constantemente de alunos: “Pró, quando vamos ter aula mesmo?”. Com os ambientes à distância, essa postura tende, ainda hoje, a se reproduzir.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Pulsão escópica
A pulsão escópica caracteriza-se pelo prazer de olhar, pela curiosidade, pelo desejo de saber. (FREUD, 1976)


 

Referencias Bibliográficas

ALAVA, S. (org). Ciberespaço e formações abertas – rumo a novas práticas educacionais?. Porto Alegre: Artmed, 2002.
BABIN, P., KOULOUMDJIAN, M. BABIN, Pierre e Kouloumdjian Marie France. Os novos modos de compreender - a geração do audiovisual e do computador. Tradução Maria Cecília Oliveira Marques, São Paulo: Ed. Paulinas, 1989.
BAIRON, S. Multimídia. São Paulo: Global, 1995.
BATTETINI, G. Semiótica, computação gráfica e textualidade.In PARENTE, A. (Org.). Imagem máquina - A era das tecnologias do virtual. Tradução de Alessandra Coppola. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996, p. 65-71.
BELLONI, Maria Luiza. Educação à Distância. Campinas, SP: Autores Associados, 1999.
BRASIL/MEC/ Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, MEC, dez./1996
BRASIL/MEC/SEED, Portaria nº 2.253. Brasília, SEED/MEC, out./2001
BRASIL/MEC/SEED, Programa Nacional de Informática na Educação.
BRASIL/MEC/SEED. Decreto n.º 2.494. Brasília, MEC, fev./1998
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