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EAD-ONLINE E A EMERGÊNCIA DE UNIVERSIDADES VIRTUAIS – DESAFIOS PARA O CURRICULO.

Edméa Oliveira dos Santos
UNEB – mea2@uol.com.br

As tecnologias digitais vêm estruturando novas relações sócio-técnicas de natureza diversa, entre elas podemos destacar a emergëncia de universidades virtuais. Contudo, encontramos nesses espaços práticas curriculares tradicionais e fragmentadas do currículo moderno, bem como o resgate tecnicista das práticas de educação à distância. O artigo é um convite que desafia os autores e atores do currículo on-line a criarem e gerirem novas ações curriculares que potencializem a articulação de saberes multidisciplinares.

Palavras-chave – universidades virtuais, currículo, articulação de saberes.


“Eu não sou eu nem sou o outro, sou qualquer coisa de intermédio”.

Mário de Sá Carneiro


As tecnologias digitais vêm superando e transformando os modos e processos de produção e socialização de uma variada gama de saberes. Criar, transmitir, armazenar e significar estão acontecendo como em nenhum outro momento da história. Os novos suportes digitais permitem que as informações sejam manipuladas de forma extremamente rápida e flexível envolvendo praticamente todas as áreas do conhecimento sistematizado bem como todo cotidiano nas suas multifacetadas relações. Vivemos efetivamente uma mudança cultural.

Este movimento contemporâneo exige dos grupo/sujeitos, dos Estados novas estratégias de democratização do acesso as novas tecnologias digitais bem como políticas públicas que possibilitem a toda população uma educação para a autoria de novos conhecimentos e aplicações sócio-técnicas. “As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos”. (CASTELLS, 1999, p. 51).

Muito mais do que apenas dinamizar e promover uma nova materialização da informação, a tecnologia digital permite a interconexão de sujeitos, de espaços e/ou cenários de aprendizagem exigindo dos mesmos novas ações curriculares, ações em rede. Quando Lévy (1996) destaca a necessidade de “aprender com o movimento contemporâneo das técnicas”, podemos nos inspirar no digital e nos seus desdobramentos (hipertextualidade, interatividade, simulação) propondo práticas curriculares mais comunicativas, com mais e melhores autorias individuais e coletivas.

A modalidade de educação à distância, EAD, pode ser redimensionada a partir do uso do digital, mais especificamente do ciberespaço. Por permitir a conexão de sujeitos, espaços e cenários espalhados a qualquer espaço geográfico e tempo, o digital pode “acabar” com um dos grandes entraves da EAD que é a própria distância.

A educação a distância, EaD, tradicionalmente se caracteriza como uma modalidade de educação que promove situações de aprendizagem onde professores e estudantes não compartilham os mesmos espaços e tempos curriculares, comuns nas situações de aprendizagem presenciais. Para tanto, é necessária a utilização de uma multiplicidade de recursos tecnológicos que ajam como interfaces mediadoras na relação professor/estudante/conhecimento. Historicamente as práticas de EaD foram, e ainda são, alvo de inúmeras críticas e pré-conceitos em relação a modalidade de educação presencial por não permitir o contato de uma relação face a face, onde “em tese” é possível promover a interação, a troca de saberes, conhecimentos, experiências entre sujeitos e objetos do conhecimento.

Destaco a expressão “em tese” devido a não garantia de relações interativas apenas pelo motivo do encontro face a face. Prova disso encontramos nas diversas análises e críticas feitas ao currículo disciplinar e tradicional, organizado por uma comunicação unilateral centrado na retórica do professor que muitas vezes difunde as informações encontradas em significantes - livros didáticos, vídeos etc - não contextualizados e muito menos produzidos pelos sujeitos cognocentes. Atitudes como essas provocam distâncias de variada natureza mesmo estando os sujeitos geograficamente próximos.

A distância geográfica exige interfaces que permitam uma comunicação mais efetiva entre os sujeitos no processo de trabalho, logo de aprendizagem. Tal efetividade deve se dá não só pelo encurtamento das distâncias físicas mais também simbólicas e existências. Como já sinalizaram os teóricos críticos e sócio-interacionistas, a aprendizagem acontece na relação dos sujeitos com as culturas e não apenas com o acesso desses as informações distribuídas. Nas práticas tradicionais de EaD os materiais ou recursos tecnológicos configuram-se como elementos auto-suficientes tornando-se o centro de todo o processo. A exemplo, destacamos a limitação das interfases atômicas e analógicas – impressos, TV, vídeos – utilizadas para distribuir informações em massa.

Com o avanço das tecnologias digitais, as instituições educacionais podem operacionalizar currículos que possam ir além da distribuição à distância de conteúdos garantindo novas práticas em EaD onde a interação professor/ estudantes/conhecimento seja realmente possível, extrapolando assim a lógica da distribuição e prestação de contas de atividades individualizadas. Além disso, potencializando as atividades presenciais dos seus serviços tanto nas esferas técno-administrativa, técno-pedagógica e relacional bem como na articulação e interfaceamento destas na sua gestão como um todo. Não o bastante potencializar uma melhor gestão de conhecimentos intra e intre-institucionais criando redes de relações que favoreçam a cooperação e a competitividade institucional característica fundante da nova economia da informação e dos saberes. Segundo Pierre Lévy:

“Estamos em direção a uma sociedade na qual a maioria das pessoas vai trabalhar num contexto econômico no qual o que foi requerido das empresas, das comunidades, das relações entre os diferentes associados econômicos é fazer funcionar a inteligência coletiva. Ao mesmo tempo, de uma forma cooperativa, sabemos o que os outros fazem, produzimos coisas que serão úteis aos outros e prestamos serviços. Logo cooperação e competição como ocorre nas comunidades científicas. Competição de quem teve a primeira idéia ou até de quem conseguiu ajustar o modo de organização na qual a cooperação é mais eficiente, quer dizer, a competição nas sociedades do futuro serão as melhores formas de cooperação. Então as cooperativas serão as mais competitivas. Devemos compreender que é a cultura na qual estamos entrando”. LEVY (2000) .

É nesse contexto que aparece o conceito de Universidade Virtual no Brasil. As universidades virtuais são redes de cooperação formadas por instituições do ensino superior públicas e privadas interessadas em criar intercâmbio científico e produção de cursos em EaD. Essa nova forma de organização institucional está baseada na associação ou consórcio realizado por essas instituições estruturadas pela rede mundial de computadores, a Internet. O ciberespaço estrutura uma nova modalidade de universidade aberta, pois expande não só os limites da arquitetura sócio-técnica das instituições envolvidas como também permite a descentralização das informações e dos conhecimentos agregando não só competências acadêmicas como também tecnológicas.

Tal evento além de proporcionar uma produção científica e curricular cada vez mais especializado em EaD permite que esforços e competências não sejam desperdiçados estando sempre, na medida do possível, atualizados. Elaborar um curso envolve e demandam de energias e competências diversas para sua concepção, aprovação nas instâncias burocráticas internas e externas, sua implementação e avaliação dos processos e resultados. Num contexto histórico de acelerações profundas quanto mais articulação de saberes mais agilidade nos processos. Como exemplos de universidades virtuais destacamos no Brasil e/ou no ciberespaço, a Univir – www.univir.br - formada por instituições privadas; a UniRede – www.unirede.br - formada por instituições públicas, apoiadas pelo MEC, MCT e da Finep; a UVB – www.uvb.br - formada por instituições privadas e comunitárias.

Autores do currículo em uma universidade virtual – tensão entre conhecimento em rede e fragmentação disciplinar.

Atuando como pesquisadora/participante em um curso ministrado por uma universidade virtual pude perceber através de interações que tive com alguns sujeitos, tanto envolvidos na produção dos cursos quanto no processo de seu desenvolvimento, um mapa bastante significativo da tensão curricular entre o conhecimento em rede e a fragmentação própria do currículo disciplinar. Vários são os sujeitos envolvidos numa tensão entre o instituído do currículo e o processo instituinte do mesmo. Por mais que a instituição prime pela divisão do trabalho no processo de produção de um curso em EAD, os sujeitos em seus movimentos de criação sentem necessidade de troca e partilha de seus saberes, utilizando como elemento estruturante dessa construção coletiva o próprio ciberespaço. Vejamos o trecho de um e-mail enviado pelo web-roteirista/editor de curso on-line, em co-autoria com um professor/conteudista, para uma das coordenadoras pedagógicas daquela instituição. Ele diz:

“O trabalho está caminhando bem. Hoje tivemos uma excelente reunião e a partir de agora vamos avançar na produção das unidades. Temos assuntos a tratar com você no momento: Gostaríamos de envolver no processo de criação as pessoas que vão ficar encarregadas da arte/webdesign e monitoria. Por favor, nos envie os nomes, e-mails e números de ICQ dessas pessoas, ok? A idéia é mantermos contato freqüente para agilizar o esclarecimento de dúvidas e atuar de forma articulada. Vamos manter você informada do andamento do trabalho”.

Neste exemplo conteudista e editor produziam o conteúdo e a forma de atividades que seriam disponibilizadas num curso de EAD on-line pelo ambiente virtual da universidade pesquisada. Além de estarem produzindo juntos o material, a dupla necessitava da parceira de outros sujeitos envolvidos no processo. Mesmo acontecendo na prática instituinte um processo de construção coletiva do curso, a Instituição só reconhece como professor/autor quem elabora o conteúdo e o programa do curso.

Tratei desta questão diretamente com o web-roteirista que respondeu prontamente.

Eu disse:
“Não tenho dúvida que o seu trabalho é de co-autoria”.
Ele disse:
“Concordo 100%. Infelizmente, esta não é a interpretação majoritária entre os que administram a ead - e mesmo entre muitos professores. É uma visão compartimentada do mundo, cada coisa em sua gavetinha, cada papel estabelecido de forma imutável e engessada (vide o modelo top-down do Fórum). Isso, na prática, termina refletindo na desvalorização do trabalho intelectual. É um freio de mão na educação libertária”.
Eu disse:
“Por isso critico na minha dissertação a tipologia sobre o professor em EaD. No referencial sobre TUTORIA os autores normalmente caracterizam o tutor assim:
professor autor - aquele que elabora o conteúdo;
professor instrutor - aquele que elabora a forma "instrucional";
professor tutor - aquele que tira dúvida.
Autor para esse povo/referencial, "tecnicista" é só aquele que faz o conteúdo. É possível separar conteúdo de forma e de atitude nessa relação?? Acho é numa visão crítica e interativa jamais”.
Ele disse:
“Clap clap clap! Que bom saber que tem gente pensando essas questões. Sua dissertação vai ser muito bem-vinda, vai ser uma brisa de liberdade pra espantar o mofo do tecnicismo”.
Eu disse:
“Na tipologia acima conteudista seria o único autor. Você não é autor e muito menos o tutor que tirará dúvidas, aprendendo e ensinando também. Acho que poderíamos inclusive levar essa discussão para uma atividade sobre o papel do professor em Ead na web”.
Ele disse:
“Seria ótimo. Não sei como abordar isso no curso, pois pode parecer que tou advogando em causa própria. É uma questão delicada, mas certamente vou ficar contente se entrar em pauta. Pedagogia e comunicação têm muito a ganhar se os profissionais dessas duas áreas atuarem em conjunto e aprenderem uns com os outros”.

O diálogo acima trata da concepção de autoria que fundamenta muitas instituições que produzem EAD. Mesmo sendo a autoria um processo que perpassa todos os sujeitos envolvidos, na instituição pesquisada é uma ação de quem elabora o programa do curso e não dos sujeitos envolvidos estrategicamente em todo o processo. A lógica da escola-fábrica ainda é uma realidade, inclusive no ciberespaço. Várias são as formas de articulação de saberes (multidisciplinar, pluridisciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar, multirreferencial). No diálogo acima o currículo limita-se ao multidisciplinar com ensaios de pluridisciplinaridade.

A divisão do trabalho e a sistematização do processo de ensino/aprendizagem permitem planejar o currículo com ênfase no alcance dos objetivos pré-definidos de modo eficaz onde cada especialista é responsável por uma parte do processo. Tudo começa com a produção e concepção dos materiais que serão dispostos e no ambiente virtual de aprendizagem para que os estudantes tenham acesso durante o processo do curso propriamente dito. Os conteúdos são dispostos através de unidades temáticas, subdivididas em atividades.

As unidades temáticas são produzidas por diferentes especialistas com pouca ou quase nenhum construção coletiva sendo o conteudista o centro do processo de autoria. Para a instituição o autor do processo é aquele sujeito ou coletivo que cria e seleciona conteúdos normalmente na forma de texto explicativo/dissertativo e prepara o programa do curso. Esse sujeito também é chamado de conteudista. Todo o conteúdo precisa ganhar uma forma legível e apropriada para o suporte que irá vinculá-lo. Daí um novo especialista entra em cena: o editor.

Assim como nas mídias clássicas (impresso, tv, vídeo, cinema) o editor é o especialista que trata o conteúdo elaborado pelo professor/autor dando forma para o mesmo. Nas práticas em EAD na web esse profissional está sendo chamado de web-roteirista. Por apresentar características bem particulares como a multiplicidade de suportes num só ambiente, a Internet, um bom web-roteirista é aquele profissional que articula o conteúdo em vários formatos potencializando as características do hipertexto, multiplicidade de documentos interconectados na mixagem de textos, sons, imagens, gráficos.

Para que o roteiro ganhe vida numa estética plural e multifacetada um outro profissional é convocado a entrar na cena: o artista gráfico. Nos tradicionais cursos em EAD esse profissional é responsável pela arte final do material seja ele o texto impresso ou as imagens do vídeo ou da tv. No ciberespaço esse artista é o web-designer. Esse profissional agrega desde competências artísticas para o processo da criação estética quanto competências informáticas (programação multimídia do digital) que acabam potencializando e estruturando o processo de criação através das qualidades do digital.

As possibilidades de criação são potencializadas pelo digital permitindo que o material disponível nos cursos em EAD na Web permita uma leitura polifônica, onde o estudante/usuário possa navegar hipertextualmente, apresentando várias vozes, olhares, enfim múltiplas interpretações e leituras. Tudo isso devido a uma diferente materialidade, flexibilidade e fluidez do conhecimento digital não encontrado nos suportes materiais de natureza atômica .

Nesse sentido é preciso “incluir um mecanismo que ajude o usuário à não se perder, mas que ao mesmo tempo não o impeça de perder-se” (SILVA, 200, p.203). Daí é necessário disponibilizar conteúdos claros, atualizados; com formas convidativas, transparentes, de fácil acesso. Essa não é uma tarefa fácil para os profissionais de informática devido a sua formação, quase sempre, meramente técnica em vez de sócio-técnica como já sinalizou Pierre Lévy. Por conta desse problema um novo profissional é convocado a compor o quadro de especialista em EAD na web: o instrucional designer. Segundo Andréa Ramal:

“É um profissional que, nos processos de educação à distância ou de acesso ao conhecimento através de conexões em redes, é responsável por analisar as necessidades, projetar os caminhos possíveis de navegação para que o usuário construa ativamente o conhecimento, selecionando para tento os meios tecnológicos mais adequados, concebendo atividades pedagógicas e avaliando permanentemente a sua utilização. Trata-se de um estrategista do conhecimento”. (RAMAL, 2001, p.16).

Até agora falamos basicamente do processo de produção de um curso em EAD, no que se refere a produção do material didático propriamente dito. Contudo não podemos reduzir o processo educacional em EAD no ciberespaço apenas na produção do material a priori. Ao contrário dos outros suportes o ciberespaço permite uma comunicação efetiva por causa das suas características interativas. Além de permitir que o material seja modificado devido à natureza do suporte que permite a interação dos sujeitos todos-todos. O curioso é que mesmo utilizando o ciberespaço à gestão dos saberes ainda sofre influência do modelo disciplinar do currículo especializado.

Com isso autoria do curriculo fica dicotomizado pelos pólos dos que concebem o processo na linha de montagem (elaboração do curso – autor/conteudista, web-roteirista, web-designer, instrucional designer) e os que executam o processo já formatado pelo material e programas de curso (instrutores, tutores e instrucional designer). Esse é o processo do campo do instituído. Contudo, a emergência de uma crítica a esse processo e a possibilidade do currículo em rede nos permite ensaiar outros movimentos instituintes que com certeza influenciaram novas práticas para as instituições e grupos de trabalho em EAD. Esse é o nosso desafio.



REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

LÉVY , Pierre, Authier Micher. As árvores de conhecimentos, SP, Ed. Escuta, 1995.
_____,Pierre . As Tecnologias da Inteligência - O Futuro do pensamento na era da Informática, SP, Ed. 34, 1996.

_____, Pierre. O que é o virtual. SP: Editora 34, 1996.

_____, Pierre. Cibercultura. SP: Editora 34, 1999.


RAMAL, Andréa Cecília. Entre mitos e desafios. In: Revista Pátio, ano 5 nº 18, ago/out 2001. pg 13-16.

SANTOS, Edméa. O. O currículo e a presença das tecnologias digitais In: Fórum Mundial de Educação, 2001, Porto Alegre. Fórum Mundial de Educação. Porto alegre: Fórum Mundial de Educação, 2001. v.1. p.30 – 30.

SANTOS, Edméa. O. O currículo e o digital - educação presencial e a distancia. Dissertação de mestrado. FACED;UFBA. Defendida em 30 de abril de 2002. Orientador. Dr. Nelson De Luca Pretto.

SILVA, Marco. Sala de Aula Interativa. Rio de Janeiro: Quartet, 2000.

 

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